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Transferência provisória e definitiva de trabalhadores brasileiros para o exterior

Transferência provisória e definitiva de trabalhadores brasileiros para o exterior: considerações contratuais e jurisprudência trabalhista

Fabrício Portugal

Entenda as consequências trabalhistas possíveis nos contratos de trabalho de brasileiros que atuem em empresas do mesmo grupo situadas no exterior.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Atualizado às 08:09

As relações comerciais internacionais têm crescido e se tornado cada vez mais dinâmicas. Com o aumento das parceiras, instalações de multinacionais e filiais em várias partes do mundo e a demanda por mão de obra qualificada, o trânsito de trabalhadores entre os países é uma realidade que exige maior dinamismo tanto dos setores de Recursos Humanos das empresas quanto do Direito do Trabalho, que precisa arcar com as implicações oriundas dessas relações de trabalho.

O Brasil não está isento dessas necessidades e os contratos de trabalho, bem como a jurisprudência trabalhista precisam atender aos rumos das intensas relações de trabalho no plano internacional. Assim, o presente artigo visa levantar considerações para responder a pergunta: quais as consequências trabalhistas possíveis nos contratos de trabalho de brasileiros que atuem em empresas do mesmo grupo situadas no exterior?

I - Considerações iniciais

Sobre o trânsito de trabalhadores brasileiros para o exterior, a legislação brasileira trata de modo diverso as situações que ensejam a mudança do trabalhador nacional para prestar serviços no exterior, podendo ser:

i) transferência provisória do empregado para prestar serviços em outro local do território nacional - artigo 459 da Consolidação das Leis do Trabalho; e

ii) transferência do empregado para prestar serviços no exterior por tempo superior a 90 dias - Lei 7.064/82;

Tais situações, regularizadas pela Lei 7.064 de 1982 há, ainda, a possibilidade da mudança em caráter definitivo do trabalhador brasileiro para o exterior. Cada uma das hipóteses revela, contudo, situações que precisam ser muito bem planejadas pelas empresas e seus respectivos setores jurídicos e de recursos humanos.

I.I A transferência provisória de trabalhadores brasileiros

Quanto ao regime jurídico dessa modalidade, nos casos de transferência provisória, o empregado transferido permanecerá sujeito à lei brasileira. Tal entendimento, base da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, foi alterado nos últimos anos. Até 2012, o TST considerava para os casos de transferência a aplicação da lei do local de prestação dos serviços no exterior. Esse posicionamento consagrava o brocado latino "lex loci executionis", que atribuía à aplicação da lei local aos contratos de trabalho. A Súmula 207 desse tribunal superior era o marco definidor da jurisprudência pátria quanto ao assunto.

Contudo, a dinâmica do mercado de trabalho logo demonstrou que tal entendimento não protegia o trabalhador e gerava insegurança jurídica. Por isso, o TST cancelou a Súmula 207. Uma vez que o período de trabalho no outro país é delimitado, não se justificaria a aplicação de lei estrangeira.

Quanto aos contratos de transferência, a Lei 7.064/82 é a aplicável, estabelecendo as condições de trabalho e as garantias atribuídas ao trabalhador. Dessa forma, mantêm-se garantidas, durante a expatriação, os recolhimentos ao FGTS, as contribuições à Previdência Social, os reajustes em conformidade à lei brasileira, as férias anuais no Brasil após dois anos de permanência no exterior, o custeio com a repatriação do brasileiro, o cômputo do período de duração da transferência no tempo de serviço para todos os efeitos da legislação brasileira etc.

Deve-se frisar, ainda, que, em razão dos diferentes custos de vida dos países, ao empregado transferido é possível haver a necessidade do recebimento de remuneração maior do que a percebida no Brasil. Para evitar a redução salarial quando de seu retorno, conduta vetada pela CLT, o artigo 10 da a Lei 7.064/82 estabelece que o adicional de transferência, as prestações in natura, dentre outras vantagens, não serão devidos após o retorno ao Brasil.

I.II - Transferência definitiva

No que concerne os casos de transferência definitiva de empregado para outro país, há divergência doutrinária quanto à legislação que deverá ser aplicada. Há os que defendem nos casos de a aplicação da legislação do país, alegando que tal aplicação evitaria a ocorrência de pagamento de salários e benefícios diferentes a um único empregado.

No entanto, o posicionamento do TST diverge dessa corrente. Para o Tribunal Superior, a utilização da lei do país da prestação de serviços seria aplicada nos casos de trabalhadores já contratados no Brasil para prestarem serviços diretamente no exterior, não se caracterizando uma transferência propriamente dita, mas contratação específica para atuação direta em outro país.

A questão torna-se controvérsia quando a transferência se dá entre empresas de mesmo grupo econômico. Enquanto o artigo 2º da CLT elimina o afastamento de empresas que compõem tal condição, a jurisprudência tende a considerar que os contratos - no Brasil e no exterior - não constituem contratos separados, mas uma unicidade que ensejaria a observância das garantias devidas pela legislação brasileira. Dessa forma, uma transferência de um empregado brasileiro para outro país, sem que se considere tal prerrogativa jurisdicional, poderia caracterizar uma fraude trabalhista.

Contra tal entendimento, pode-se argumentar que só se aplicaria a teoria da unicidade contratual em empresas que, conforme o disposto no §2º da CLT, só poderia constituir grupo econômico se uma estivesse sob o controle da outra. Tal argumento tem base no próprio dispositivo legal que diz:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

(...)

§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

Outro argumento levantado contra o posicionamento majoritário encontra guarida em outro dispositivo presente na Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 651, que salienta:

Art. 651 - A competência das Varas do Trabalho é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.

Fortalecendo tal posição, a jurisprudência, ainda se mostrando dúbia quanto a questão, julgou incompetente a justiça brasileira em casos de contrato entre a empresa estrangeira e o brasileiro. Tal decisão foi proferida nos seguintes termos:

EMENTA: TRABALHO NO EXTERIOR. EMPREGADORA SEM DOMICÍLIO NO BRASIL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO BRASILEIRA. Em aplicação aos artigos 651, parágrafo segundo, da CLT, bem como 88 do CPC, declara-se a incompetência da Justiça do Trabalho Brasileira para julgar a lide decorrente de contrato de trabalho entre brasileiro contratado para trabalhar no exterior e empresa estrangeira, sem domicílio no Brasil, respeitando, dessarte, a soberania e a legislação do país no qual se deu a contratação e a prestação dos serviços pelo reclamante. (Processo: 0000016-83.2013.5.03.0132 RO (00016-2013-132-03-00-1 RO - Órgão Julgador: Turma Recursal de Juiz de Fora - Relator: Convocada Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim - Revisor: Heriberto de Castro - Vara de Origem: 2ª Vara do Trabalho de Barbacena - Publicação: 28/11/2013 - Divulgação: 27/11/2013. DEJT. Página 231. Boletim: Sim. Tema: COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - TRABALHO NO EXTERIOR - https://as1.trt3.jus.br/consulta/redireciona.htm?pIdAcordao=1055315&acesso=b84423a07f9ae51332c9300d83bc1571)

Contudo, as divergências ainda presentes apenas atestam que não foi possível chegar a um posicionamento capaz de pacificar a questão.

II - Extinção, interrupção e suspensão do contrato de trabalho

Apesar das divergências no campo da jurisprudencial, existem alternativas contratuais que melhor se adaptariam aos casos de trânsito de brasileiros entre empresas no exterior. Tais alternativas seriam: a extinção, interrupção ou suspensão do contrato conforme a realidade de cada sociedade empresária.

II.I Extinção do contrato

Como alternativa, existe a opção de extinção do contrato. Seus efeitos são amplamente conhecidos pela doutrina brasileira. Para o nível dos contratos internacionais, trata-se de uma hipótese de afastamento da aplicação da Lei 70.4/82, uma vez que a relação entre trabalhador e empresa estrangeira se daria no âmbito das leis locais da sociedade.

Sobre essa questão MORAES (2009, p.108) levanta interessantes posicionamentos, chegando a afirmar que:

...a hipótese de extinção do contrato de trabalho, extralimita a definição legal de transferido ou expatriado da Lei 7.064/82 (art. 2), o que implica na necessária e apriorística conclusão de que, se houver extinção do contrato de trabalho do obreiro antes de iniciar os seus serviços no exterior em um novo contrato de trabalho com empresa estrangeira, não haveria o regimento da Lei 7.064/82, tendo em vista de que os fatos jurídicos não se encaixarem no objeto da lei, desenhada para hipóteses de suspensão e interrupção do contrato de trabalho e não para o caso de extinção.

Deve-se frisar que, a extinção do contrato, e uma nova relação contratual com a empresa estrangeira, não afastaria o risco de unicidade do contrato, em caso de empresas do mesmo grupo. Sobre tal assertiva, MORAES (2009, p.108) afirma que:

...o fato de se extinguir um contrato de trabalho do empregado que será transferido para o exterior para uma empresa do mesmo grupo econômico em um novo contrato de trabalho, pode resultar na ótica dos tribunais trabalhistas brasileiros em um contrato único que jamais foi extinto, senão que sob o prisma do princípio da continuidade do contrato de trabalho e tendo como base legal o art. 2, parágrafo segundo da CLT, não ocorreu mudança de empregador e nem de obrigações trabalhistas já que todas as empresas, ainda que possuam personalidade jurídica próprias serão consideradas solidárias em suas responsabilidades trabalhistas, como de um empregador único se tratasse (Súm. 129 do TST).

Então, um julgamento que se fundamenta na unicidade contratual não afastaria a obrigatoriedade do recolhimento de contribuições previdenciárias, FGTS etc. pela empresa brasileira. Convém frisar que tal recolhimento deverá ser de todo o período em que o trabalhador prestar serviços à empresa. Assim, levando-se em consideração que tal transferência de localidade não alteraria a finalidade do serviço prestado ao empregador, o tempo passado no exterior também deverá fazer parte do cálculo para o recolhimento das contribuições.

Assim sendo, para que a empresa, nesse caso, afaste os riscos oriundos da relação contratual, deverá ter sempre em mente a situação específica de cada trabalhador, optando pela a extinção em casos em que for financeiramente mais interessante para a gestão estratégica da empresa.

I.II - Suspensão e interrupção

Quanto à suspensão, DELGADO (2014, p. 1121) afirma existirem as seguintes possibilidades:

- Suspensão por motivo alheio à vontade obreira: sendo os casos de suspensão por motivo estranho À vontade do trabalhador, encontrando guarida no artigo 472, 475 e476 da CLT;

- Suspensão por motivo lícito atribuível ao empregado: relacionado à: i) participação pacífica em greve; ii) encargo público não obrigatório (arts. 472 c/c 483, CLT); iii) eleição de cargo de direção sindical (art. 543, § 2º CLT); iv) eleição para cargo diretor de sociedade anônima (

, TST); v) licença não remunerada concedida pelo empregador a pedido do obreiro para atenção de objetivos particulares deste; e vi) afastamento para qualificação profissional do obreiro;

- Suspensão por motivo ilícito atribuível ao empregado, podendo ser disciplinar (art. 474, CLT) e de empregado estável ou com garantia especial de emprego para instauração de inquérito para apuração de falta grave (art. 494. CLT e Súmula 197, STF).

Para o caso de transferência de brasileiro para o exterior, o contrato de trabalho realizado no Brasil fica suspenso durante o período em que o trabalhador nacional permanecer no país estrangeiro à serviço da empresa brasileira. Após seu retorno, contudo, o contrato continuará permanecerá vigente, extinguindo-se o vínculo com a unidade estrangeira.

Sobre a suspensão do contrato de trabalho, nessa situação, MORAES (2009) afirma que, na suspensão:

...o contrato de Trabalho continua vigente, são as obrigações principais que não são exigíveis (no caso da suspensão) ou parcialmente exigíveis (interrupção). Neste sentido, em ambos os casos vale a disciplina do art. 471 da CLT, que implica na conclusão que o afastamento do emprego, seja pela suspensão ou por interrupção, gera por ocasião da volta a garantia de todas as vantagens que na ausência do trabalhador tenham sido atribuídas à categoria.

E, ainda:

ao expatriado, já que este empregado não poderá ficar sem perceber salários da empregadora local, ou seja, deverá receber algum valor que servirá de base para efeitos de cálculos das incidências de FGTS e previdenciárias, de acordo com imperativos legais específicos do expatriado (art. 5 do Dec. 89339/84).

Outra dúvida que pode surgir sobre a hipótese de suspensão é a dualidade e/ou simultaneidade de contratos que nasce desta alternativa, entre a suspensão do contrato do país de origem e elaboração de um contrato de trabalho com o país da prestação de serviços. Porém, a Súm. 129 do TST, já pacificou doutrina. Já que havendo ajuste entre as partes, esta possibilidade é plenamente cabível. A simultaneidade de contratos só não será permitida quando se trate de empresas concorrentes (art. 482, a ou g da CLT).

Quanto à interrupção, modalidade diferenciada da suspensão, DELGADO (2013, p. 1116) diz ser:

A situação temporária da principal obrigação do empregado no contrato de trabalho (prestação de trabalho e disponibilidade perante o empregador), em virtude de um fato juridicamente relevante, mantidas em vigor todas as demais cláusulas contratuais.

Tal modalidade apenas traria benefícios, para o tema em questão, nos casos de transferências de curta duração.

III - Conclusões

Do acima exposto, pode-se extrair que:

- Ao empregado transferido são assegurados, independentemente da observância da legislação do local da execução dos serviços, a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada (Art. 3);

- São garantidos os direitos decorrentes da legislação do FGTS, previdência social e o PIS/PASEP (Art. 3, parágrafo único);

- A lei 7.064, em seu art. 10, prevê textualmente que o adicional de transferência, as prestações in natura, bem como qualquer outra vantagem, não serão devidos após o retorno ao Brasil;

- Quanto a melhor opção para a contratação do brasileiro no exterior (entre suspensão ou interrupção e extinção), deve-se ter bem clara as estratégias da empresa e sempre equipar o jurídico com as ferramentas necessárias a fim de minimizar os riscos dessas relações contratuais.

IV - Referências

Boletim IOB - Manual de Procedimentos: https://www.iob.com.br/bol_on/CT/CAPAS/CCT24_14.pdf (acesso em 03/06/2015)

CASTELO, Jorge Pinheiro. Direito do Trabalho: Circulação de Trabalhadores e Integração Regional na América Latina - Aspectos de Contrato Internacional de Trabalho. Disponível em: www.amatra21.org.br/hotsite/publicacoes.html (acesso em 02/06/2015);

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. LTr Editora. São Paulo. 2013. 13ª edição;

FATTINI, Fernanda. CLT vale para empregado transferido para o exterior. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2013-mar-05/fernanda-fattini-clt-vale-empregado-transferido-exterior (acesso em 02/06/2015);

MOARES, Luís Felipe do Nascimento. A transferência externa de trabalhadores e sua tutela jurídica. Disponível em: https://ruc.udc.es/bitstream/2183/7553/1/AD_13_art_6.pdf (acesso em 02/06/2015).

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*Fabrício Portugal é colaborador do escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.

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