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Primeiras considerações sobre a Deplat

Gilberto Ayres Moreira

Sem debate prévio, o governo criou, por meio da MP 685/15, a Declaração de Planejamento Tributário, obrigação de informar os atos ou negócios jurídicos que tenham por efeito a supressão, redução ou diferimento de tributos federais.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Atualizado às 09:59

Alardeando suposta consonância com as práticas internacionais, bem como o desenvolvimento de um ambiente de transparência e segurança jurídica, a Presidência da República criou a Declaração de Planejamento Tributário (DEPLAT) por meio da MP 685/15, obrigação acessória de informar os atos ou negócios jurídicos que tenham por efeito a supressão, redução ou diferimento de tributos federais.

Sem qualquer debate prévio com os contribuintes e com a comunidade acadêmica, o governo Federal se utiliza do instrumento extraordinário da medida provisória e estabelece que os contribuintes estão obrigados a apresentar a DEPLAT até o dia 30 de setembro de cada exercício, a partir de 2015, prestando informações sobre suas ações ou conjunto de ações que impliquem na redução ou postergação do recolhimento de tributos e que sejam consideradas operações (i) sem propósito negocial; (ii) que envolvam abuso do direito; (iii) que utilizem negócios jurídicos indiretos; ou (iv) que sejam especificadas pela Receita Federal do Brasil.

A exigência de apresentação da DEPLAT, entretanto, traz incerteza aos contribuintes. Ao invés de se servir de conceitos sobre planejamento tributário estabelecidos pela doutrina e pela jurisprudência, a MP utiliza conceitos novos e vagos, além de permitir que a Receita Federal, discricionariamente, defina quais operações seriam consideradas potencialmente elisivas.

É certo que a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, aproveitando-se das práticas adotadas pelos países membros, advoga em favor de programas de transparência e cooperação, por meio dos quais os contribuintes são incentivados a prestar informações sobre planejamento tributário.

Entretanto, os países que adotam regras dessa natureza oferecem benefícios fiscais e segurança jurídica para os interessados em apresentar informações às autoridades ou mesmo estabelecem multas pela não cooperação dos contribuintes. Todavia não existe exemplo de procedimento por meio do qual todo e qualquer negócio de um contribuinte possa estar potencialmente sujeito à apresentação e avaliação pelo Fisco.

No que se refere ao processamento da DEPLAT, a MP estabelece que as informações apresentadas serão examinadas por meio do procedimento administrativo de solução de consulta à legislação tributária e que o exame das ações dos contribuintes resultará em uma decisão pelo reconhecimento da legitimidade do planejamento tributário ou pela indicação de abusividade das práticas adotadas, acompanhada de ordem de pagamento dos valores que tenham sido recolhidos a menor.

É importante destacar que os contribuintes que pretendessem obter um salvo conduto para seus planejamentos tributários já tinham à sua disposição, mesmo que de forma limitada, o procedimento voluntário de requerimento de solução de consulta (ex. Solução de Consulta COSIT nº 119 de 2014), sendo afastada a incidência de juros e a cominação de multas, na hipótese de respostas desfavoráveis aos contribuintes.

Todavia, com as novas regras instituídas pela MP 685, ao contrário do estabelecido em relação às consultas desfavoráveis aos contribuintes, os tributos que deixarem de ser recolhidos em razão dos planejamentos tributários considerados elisivos deverão ser pagos ou parcelados em 30 dias acrescidos de juros SELIC.

Ou seja, a DEPLAT não envolvesse trata de uma mera obrigação acessória de informação, mas sim de um procedimento por meio do qual são examinados os planejamentos tributários implementados, sem o devido processo legal ou garantia de ampla defesa.

Estabeleceu-se um procedimento de análise de planejamentos tributários sem que houvessem sido estabelecidos parâmetros e regras para o exame dos negócios estruturados pelos contribuintes. Como não foi introduzida uma norma geral antielisiva, as autoridades fiscalizadoras teriam poder discricionário para dizer quais operações são legítimas ou não.

E mais, é considerada como ineficaz a DEPLAT que envolver informações relativas a tributos que seriam devidos por terceiros; que seja omissa em relação a dados considerados essenciais para a compreensão dos planejamentos tributários; que contenham informações falsas ou que envolvam interposição fraudulenta.

Além da subjetividade quanto à definição do que seria ou não um planejamento tributário sujeito à declaração e da discricionariedade para indicar o que seria ou não elisivo, a Receita Federal tem ampla liberdade para indicar se as informações apresentadas seriam suficientes ou não para se considerar como cumprido o dever de informação do contribuinte.

Por fim, a Medida Provisória estabelece que a não entrega da DEPLAT implica em presunção de omissão dolosa com intuito de sonegação e fraude e que os tributos eventualmente reduzidos em razão de planejamentos tributários não informados ao Fisco estão sujeitos à multa agravada de 150%.

Estabelecer a presunção de dolo para fins criminais e cominação de penalidades administrativas agride as garantias constitucionais ao contraditório e à ampla defesa, não havendo que se falar que contribuintes que organizaram seus negócios licitamente poderiam ser considerados sonegadores sem que se demonstrasse efetivamente o intuito de evadir impostos.

E mais, em que pese não haver indicação no texto da medida provisória, a Receita Federal poderá, ainda, cominar multas pecuniárias genéricas pelo descumprimento da obrigação de entregada da DEPLAT, nos termos do artigo 57 da MP 2.158-35 de 2001.

Como se verifica, em que pese louvável a criação de instrumentos de cooperação entre Fisco e contribuintes, de forma a evitar a utilização de práticas elisivas que prejudiquem a arrecadação dos tributos e que levem à competição desleal entre os agentes econômicos, a criação apressada de um procedimento de análise dos planejamentos tributários poderia se transformar em um instrumento ilegal e inconstitucional de aumento da arrecadação tributária.

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*Gilberto Ayres Moreira é sócio do escritório Ayres Ribeiro Advogados.

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