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O rock´n roll e o Direito Penal, por Eudes Quintino e Antonelli Secanho

O rock´n roll e o Direito Penal

Qual a finalidade da pena aplicada ao responsável pela prática de um crime? Seria apenas para castigá-lo?

domingo, 30 de agosto de 2015

Atualizado em 28 de agosto de 2015 10:11

É sabido por todos que o Direito Penal, apesar de ser a ultima ratio do Direito, possui grande interação com a sociedade, seja no momento de aplicar penas devidamente impostas, seja no momento de reinserir o condenado que cumpriu sua pena, sempre com a intenção de torná-lo apto para o convívio social. Vincula-se umbilicalmente ao homem, pois se apresenta como avaliador de suas condutas. Sendo assim, seria possível imaginar que um juiz de direito, na tentativa de cooperar com a reinserção social de adolescentes infratores, fundasse uma banda de rock justamente para esse fim?

Pois essa banda existe e encontra-se no Estado do Rio Grande do Sul. O magistrado Dalmir Franklin de Oliveira Júnior, que atua na Vara da Infância e Juventude, fundou uma banda de rock, tendo como parceiros justamente os jovens que por ele foram condenados por crimes de tráfico, roubo e até mesmo homicídio, com o sugestivo nome de Liberdade.

Segundo noticiado, os jovens precisam, para ingressar na banda, ter bom comportamento e frequentar aulas de música no estabelecimento em que se encontram reclusos .Sendo assim, essa louvável postura do magistrado remete o leitor a uma fundamental indagação: qual a finalidade da pena aplicada ao responsável pela prática de um crime? Seria apenas para castigá-lo?

Inicialmente, tem-se que nossa doutrina aponta para duas finalidades: retribuição e prevenção.

A retribuição consiste na "retaliação" do Estado à pessoa que cometeu um crime. Ou seja, o Estado retribui, de modo justo, ao mal injusto que o criminoso provocou. É a sensação de castigo que irá pairar diretamente no condenado.

Por outro lado, verifica-se também a finalidade preventiva da pena, que nada mais é do que a tentativa do Estado de evitar a prática de novas infrações penais. Outrossim, a finalidade preventiva ainda é dividida pela doutrina em prevenção geral e especial, sendo essas positivas e negativas.

Desta feita, reputa-se geral a prevenção que se destina a impedir a prática de crimes pela sociedade. No mais, será negativa quando tiver o poder de intimidar potenciais criminosos, no sentido de mostrar-lhes a pena e a consequência que lhes serão impostas, caso ajam da mesma maneira que a pessoa condenada.

Por outro lado, a finalidade geral positiva consiste em demonstrar a vigência e a imperatividade do ordenamento penal: o Direito Penal brasileiro é válido, cogente e eficaz em todo o território brasileiro.

A prevenção especial, por sua vez, em muito se aproxima dos fatos em estudo, pois é dirigida especialmente para a pessoa do condenado. Igualmente, pode ser positiva ou negativa. Essa última, destina-se a compelir o condenado a não voltar a delinquir. Logo, objetiva evitar a reincidência.

Já a prevenção especial positiva tem por objetivo a ressocialização do condenado: após o cumprimento da pena, o egresso deve ter condições de retornar ao convívio social e, mais que isso, de respeitar as regras de convivência que são a todos impostas pelo Direito. Por conseguinte, uma pena que afaste a pessoa do retorno legítimo e eficaz à sociedade não pode ser legítima, bem como a que não lhe assegure os mínimos direitos inerentes a qualquer pessoa que cumpra pena.

Deste modo, pode-se afirmar que a iniciativa do magistrado é digna de elogios, tendo em vista que busca efetivar ao máximo a finalidade especial positiva da pena: ressocializar o adolescente infrator e proporcionar a ele melhores oportunidades de reinserção social. O envolvimento com o grupo, com a música que, por si só, espanca definitivamente qualquer pretensão criminosa, irão abrir as portas para uma leitura diferenciada da vida e ver que vale a pena vivê-la com dignidade.

Tenho certeza que uma das músicas entoadas pelo grupo é "É preciso saber viver", dos Titãs, que assim retrata em um dos versos:

Toda pedra do caminho
Você pode retirar
Numa flor que tem espinhos
Você pode se arranhar
Se o bem e o mal existem
Você pode escolher
É preciso saber viver.

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1 Folha de S. Paulo.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde, advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.





*Antonelli Antonio Moreira Secanho, advogado, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação lato sensu em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.



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