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Novo marco regulatório de cooperativas de crédito

O novo arcabouço regulatório editado pelo CMN é, certamente, um avanço importante para eliminar obstáculos existentes ao desenvolvimento ainda maior do setor cooperativista de crédito no país.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Atualizado em 11 de setembro de 2015 10:59

As cooperativas de crédito vêm ganhando destaque no contexto socioeconômico atual do país por serem um importante instrumento de inclusão financeira fora do sistema bancário tradicional e de reciclagem da poupança local.

Em um giro rápido por outros países, é possível perceber que o cooperativismo de crédito ocupa papel importante no desenvolvimento econômico de uma nação.

De acordo com dados do Conselho Mundial das Cooperativas de Crédito (World Council of Credit Unions - WOCCU), os cinco países com maior expressão no cooperativismo financeiro em 2013 eram França, China, Japão, EUA e Alemanha. A França, país reconhecido globalmente pela economia social e pelo sistema de cooperativismo, lidera com a maior quantidade de pontos de atendimento e volume de ativos. No segundo lugar do ranking, a China aparece como o país com o maior número de associados enquanto os EUA, terceiro no ranking geral, é líder em quantidade de instituições cooperativas. O Brasil aparece em 16º lugar, atrás de Inglaterra e Austrália.

A regulamentação brasileira relativa ao cooperativismo de crédito existe desde a edição do decreto do Poder Legislativo 979, em 6 de janeiro de 1903, que permitiu aos sindicatos se organizarem no formato de caixas rurais de crédito agrícola, bem como de cooperativas de produção ou de consumo.

No entanto, o regime jurídico das sociedades cooperativas no Brasil somente foi regulamentado em 1971, com a edição da lei 5.764.

Ainda assim, o setor de cooperativismo de crédito começou a ganhar corpo apenas com a promulgação da Constituição da República de 1988 e do CC de 2002. Ambos marcos regulatórios foram responsáveis por dar segurança jurídica ao tema1.

Em 2009 foi então editada a LC 130, de 2009, que criou o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo (SNCC) e, até hoje, é o principal diploma legal que disciplina o segmento.

Desde então, as autoridades financeiras e monetárias vêm editando normas para definir e regulamentar diversos aspectos da atividade cooperativista de crédito, incluindo (i) constituição, autorização para funcionamento, e funcionamento de cooperativas de crédito; (ii) imposição de requisitos de capital mínimo e patrimônio líquido, ponderação pelo risco (patrimônio de referência) e constituição de reservas; (iii) constituição de cooperativas de livre admissão de associados; (iv) estabelecimento de normas específicas para as modalidades de cooperativas de crédito como as centrais, mistas e de crédito rural; (v) constituição de bancos cooperativos; (vi) constituição de entidades de auditoria cooperativa; e (vii) regulamentação do Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop). As normas desempenham o papel de assegurar a solidez do sistema cooperativo de crédito no País ao mesmo tempo em que buscam garantir a sua expansão.

Em 2014, o sistema cooperativo de crédito atingiu o patamar de 2,78% do total das operações de crédito no país e 4,73% dos depósitos totais no sistema financeiro nacional, atingindo um volume de sete milhões e meio de pessoas atendidas pelo sistema cooperativo2.

A ascensão do cooperativismo de crédito resultou em uma visível heterogeneidade dentro do segmento, em que cooperativas pequenas e simples convivem com bancos cooperativos extremamente sofisticados (com elevados padrões corporativos e tecnológicos que, em muitos aspectos, se assemelham a bancos comerciais).

O CMN e o BACEN têm exercido um papel mais dinâmico e colaborativo no fomento e desenvolvimento sustentável do segmento de cooperativismo de crédito no país, inclusive por meio de Acordo de Cooperação firmado com a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) em 2010. Essa atuação combinada resultou no lançamento de consultas públicas para revisão das normas em 2014.

Em 5 de agosto de 2015, foi editada a resolução 4.434/15, primeiro normativo resultante das discussões entre reguladores e agentes de mercado. Abaixo as principais mudanças da nova regra.

Nova classificação de cooperativas de crédito singulares

As cooperativas de crédito singulares3 passarão a ser classificadas de acordo com as atividades desempenhadas, a fim de refletir de forma mais adequada o perfil de risco dessas instituições. Assim, a nova regra passou a estabelecer três categorias de cooperativas crédito singulares, de acordo com o grau de exposição de risco das atividades que desempenham, a saber:

(i) as cooperativas de crédito plenas que estão autorizadas a realizar todas as operações atinentes às cooperativas de crédito e, em geral, incluirão as entidades mais sofisticadas e de maior porte;

(ii) as cooperativas de crédito clássicas que estão autorizadas a realizar somente as operações hoje permitidas no regime prudencial simplificado (resolução 4.194/13), sendo-lhes vedado realizar operações sujeitas à variação cambial, ao preço mercadorias ou ações, ou ainda em instrumentos financeiros derivativos, dentre outros;

(iii) as cooperativas de crédito de capital e empréstimo, que estão sujeitas às mesmas limitações das cooperativas de crédito clássicas e ainda não estão autorizadas a captar recursos ou depósitos, tendo assim como principal fonte de recursos para o desempenho de suas atividades o capital próprio integralizado por seus associados. Em geral, as cooperativas de crédito de capital e empréstimo incluirão as entidades com estrutura organizacional e financeira com padrões simplificados.

O BACEN informará às cooperativas de crédito em funcionamento, no prazo de 90 dias a contar da vigência da resolução 4.434/15, o seu enquadramento prévio com base nesses novos critérios.

Após o recebimento da notificação, o agente de mercado terá um prazo adicional de 90 dias para se manifestar pela concordância com o enquadramento ou requerer, se assim entender, alteração na sua classificação.

A depender da categorização, a instituição terá que atender algumas regras, as quais trataremos a seguir.

Limites mínimos de capital integralizado, patrimônio líquido, patrimônio de referência e governança

A nova regulamentação revisa os parâmetros de capital integralizado, patrimônio líquido, patrimônio de referência e governança impostos às cooperativas de crédito.

O CMN estabeleceu graus de requisitos de capital e de governança tendo em vista a diferença de porte entre cooperativas de crédito, confederações centrais e as cooperativas singulares, sendo que, nos casos destas últimas, levou em consideração ainda a existência ou não de vínculo com uma central, o grau de exposição de risco e as atividades desempenhadas por cada classe de cooperativa singular.

O limite mínimo de capital inicial integralizado em moeda corrente imposto pela norma varia entre R$ 5 milhões, no caso das cooperativas de crédito plenas não filiadas a cooperativa central, e R$ 10 mil, no caso de cooperativas de crédito de capital e empréstimo e cooperativas de crédito clássicas filiadas a uma central. Já o patrimônio líquido mínimo fica entre R$ 50 milhões e R$ 10 mil dependendo do tipo de cooperativa.

A partir desses critérios, o CMN e o BACEN foram capazes de ponderar o custo de conformidade a que cada entidade está sujeita em função das atividades desempenhadas e do apetite pelo risco.

Estas alterações devem gerar grandes modificações nos procedimentos internos das entidades reguladas em funcionamento, que terão um prazo de até três anos para se adaptar e cumprir integralmente os novos requisitos.

Processos de constituição, autorização para funcionamento e cancelamento de cooperativas

A nova regulamentação atualiza as normas atinentes ao processo de constituição, autorização para funcionamento e de cancelamento de autorização de cooperativas de crédito, aproximando-se dos critérios previstos na resolução 4.122/12 para os demais integrantes do SFN.

No âmbito dos processos de constituição e autorização para funcionamento de novas entidades, a resolução 4.434/15 obriga as cooperativas a apresentar à autoridade sumário executivo do plano de negócios e prevê a possibilidade de o BACEN convocar o grupo de controle para uma entrevista técnica, bem como realizar inspeção pré-operacional para avaliar a compatibilidade entre a estrutura adotada e aquela proposta no plano de negócios.

Os cancelamentos de autorização, por sua vez, passam a observar procedimento próprio, que inclui a prestação de informações ao mercado e ao regulador.

Essas atualizações respeitam as peculiaridades do setor de cooperativas de crédito e demonstram a preocupação do CMN e do BACEN em editar normas que deem bases sólidas ao desenvolvimento da atividade econômica relacionada e estejam adaptadas à realidade de cada segmento de mercado. Neste sentido, vale um paralelo com as normas editadas para regulação do setor de meios de pagamento em 2013, que visaram ao fomento da atividade pautado nas características próprias dos mercados de cartões.

Outras novidades

A resolução 4.434/15 regulamenta importantes situações de mercado, dentre outras, as condições mínimas necessárias à manutenção das operações em caso de desfiliação de cooperativa de crédito singular de cooperativa central de crédito.

O normativo traz ainda definição quanto à possibilidade de financiamento de cooperados para aquisição de quotas-partes do capital da própria cooperativa de crédito, questão que até então era largamente discutida no setor e gerava relevante insegurança jurídica. Para esta hipótese, o regulador optou por adotar uma posição intermediária, permitindo apenas operações em que os recursos advenham de programas oficiais para capitalização de cooperativas.

Conclusão e expectativas futuras

O novo arcabouço regulatório editado pelo CMN é, certamente, um avanço importante para eliminar obstáculos existentes ao desenvolvimento ainda maior do setor cooperativista de crédito no país.

Ao escalonar os padrões mínimos de governança e requisitos de capital, o regulador pretendeu equacionar o custo de conformidade maior que as diversas modalidades de cooperativas de crédito seriam capazes de suportar em função de seu tamanho e atividades.

Com a vigência desta nova regulamentação, as entidades que já atuam no setor de cooperativismo de crédito no Brasil deverão se adequar a fim de cumprir integralmente os novos requisitos regulatórios, os quais se tornarão compulsórios em até três anos a partir da publicação da norma.

Por fim, o mercado aguarda do CMN e do BACEN a edição de normas complementares à resolução 4.434/15. Sob análise do CMN estão minutas de resoluções submetidas a consulta pública em 2014 para dispor sobre (i) cooperativas de crédito que tenham como objeto principal a prestação de garantias em operações de crédito realizadas com micro e pequenas empresas4; e (ii) auditoria cooperativa no segmento de cooperativas de crédito5.

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1 Existiam diversas discussões envolvendo os direitos básicos para se constituir uma cooperativa, incluindo quanto às pessoas aptas para tanto e o tipo societário adotado. Com o advento da Constituição da República de 1988, ficou garantido o direito à livre criação de cooperativas independentemente de autorização, sendo vedada a interferência em seu funcionamento (art. 5º, XVIII). O Código Civil de 2002, por sua vez, passou a definir expressamente o tipo societário para constituição das cooperativas (art. 982).

2 Fonte: https://www.bcb.gov.br/pt-br/Paginas/Discurso-do-Presidente-Alexandre-Tombini-no-evento-Novo-Ciclo-do-Cooperativismo-de-Credito-no-Brasil_5_8_15.aspx

3 As cooperativas singulares são aquelas constituídas de pessoas físicas (no mínimo vinte), sendo excepcionalmente permitida a admissão de pessoas jurídicas (Lei 5.764/71, art. 6º, I). As cooperativas podem ainda ser (i) cooperativas centrais ou federações de cooperativas, as quais são constituídas por cooperativas singulares (no mínimo três) e excepcionalmente permitem a admissão de associados individuais (Lei 5.764/71, art. 6º, II), ou (ii) confederações de cooperativas, as quais são constituídas por federações de cooperativas ou cooperativas centrais (no mínimo três) da mesma ou de diferentes modalidades (Lei 5.764/71, art. 6º, III).

4 Vide Consulta nº 46/2014 encerrada em 16 de fevereiro de 2015, atualmente sob discussão perante o Conselho Monetário Nacional.

5 Vide Consulta nº 48/2014 encerrada em 16 de fevereiro de 2015, atualmente sob discussão perante o Conselho Monetário Nacional.

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*Bruno Balduccini, Tiago Severo Gomes, Alessandra Carolina Rossi Martins e Marcelo Junqueira de Mello são sócio e associados, respectivamente, da área empresarial do escritório Pinheiro Neto Advogados.


*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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