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Uma data simbólica para uma reflexão (e ação) profunda: o combate à corrupção

A corrupção é um tema globalmente sensível, multifacetado e que demanda cooperação universal para o efetivo combate, que deve ser diuturno e constante.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Atualizado às 09:01

O dia 9 de dezembro marca o Dia Internacional de Combate à Corrupção. A origem da data remonta à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção - UNCAC,1 que foi adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada por mais de cem países, entre eles o Brasil, em 9 de dezembro de 2003, na cidade de Mérida (México).2

A corrupção é um tema globalmente sensível, multifacetado e que demanda cooperação universal para o efetivo combate, que deve ser diuturno e constante. Qualquer descuido nessa seara pode ser fatal!

Os efeitos da corrupção são perversos, sistêmicos e transfronteiriços. Em breve síntese, a corrupção compromete o desenvolvimento econômico e o bem-estar social, embutindo uma espécie de efeito contágio que, por sua vez, abala a governança institucional da nação, eclipsa o Estado Democrático de Direito, desestabiliza o ambiente de segurança jurídica e, inexoravelmente, potencializa cenários de apreensão e desconfiança perante toda a sociedade, bem como sob o ponto de vista de agentes externos,3 apenas para citar os reflexos mais aparentes à luz de um brevíssimo panorama contextual.

Nos últimos tempos, o tema assumiu relevância ímpar e vem mobilizando de modo cada vez mais enérgico uma série de iniciativas globais com vistas, essencialmente, a conscientizar a sociedade acerca da importância de se adotar um espírito ético e de integridade nos negócios e no relacionamento público/privado, e tomar medidas robustas para conter o avanço do mal que se identifica na corrupção. Busca-se, nesse horizonte, alavancar uma atmosfera mais saudável, pautada pela transparência e pelo dever de responsabilidade e accountability, gerando benefícios agregados sobre diversas áreas. O paradigma preventivo, por conseguinte, é a tônica que deve imperar em face da realidade movediça e mascarada que subjaz à corrupção. Deve-se reconhecer e tecer elogios a iniciativas nesse sentido, seja no quadro nacional ou internacional, em que o "apetite anticorrupção" tem sido notório. Sem prejuízo, é de suma relevância que qualquer iniciativa nessa direção seja, ao mesmo tempo, exequível de implementação na prática.

É justamente diante da emergência de um senso crítico mais substantivo que a cooperação e o diálogo construtivo entre as nações devem ser incessantemente encorajados. Há, com efeito, desafios e dilemas a serem enfrentados com vigor com o fito de desarticular estratagemas e atos ilícitos associados à corrupção, os quais têm se mostrado cada vez mais sofisticados à luz da atual engenharia e dinâmica sorrateira de organizações criminosas, apenas para mencionar um exemplo. Ante esse quadro de turbulência, deve-se pensar em estratégias articuladas de atuação e alinhamento entre as autoridades competentes para, eficazmente, endereçar medidas robustas, integradas e consistentes no intuito de prevenir e combater a corrupção no seu âmago, ainda que essa tarefa esteja longe de ser trivial, pois, como sabido, a corrupção muitas vezes se dissimula em meio a atos supostamente legítimos e dificulta sobremaneira a detecção. Nessa linha, como na metáfora do iceberg, combater a corrupção nunca é o bastante - há sempre mais abaixo. Dentro dessa lógica, a regra de ouro seria expor a corrupção para ela derreter.4

No ordenamento nacional, sem prejuízo de um feixe de legislações com diferentes enfoques, que devem existir e serem aperfeiçoadas para conviver harmonicamente (visão desejável) e criar uma sincronia sistêmica, e, igualmente, imprimir um ritmo mais rígido no combate a práticas atreladas à corrupção, cumpre ressaltar, em especial, a Lei nº 12.846/2013 ("Lei da Empresa Limpa"). Não obstante referida lei apresente pontos a serem desenvolvidos e aprimorados, grosso modo, em um lapso de quase dois anos de vigência, somado a um cenário oportuno de sensibilização na conjuntura nacional, a Lei da Empresa Limpa vem desempenhando papel chave no que tange à disseminação da cultura do compliance no contexto corporativo, funcionando, pois, como instrumento adicional para robustecer as medidas de integridade no horizonte empresarial e corroborar a importância de perseguir com firmeza, e sob o necessário espírito da legalidade, atos indevidos relacionados à corrupção.

Como noticiado à mancheia, lamentavelmente, ambos os cenários, nacional e internacional, estão convivendo com episódios envolvendo corrupção. Sem adentrar no escopo meritório desses episódios, que devem sempre ter como pressuposto a observância plena do devido processo legal, o ensejo é propício para refletir sobre as lições aprendidas, os avanços obtidos e os desafios por vir, convidando toda a comunidade (acadêmicos, profissionais, autoridades, empresas, sociedade etc.) para a discussão madura acerca de medidas propositivas e inteligentes para extirpar o câncer que se reveste sob o manto da corrupção e, subsequentemente, colocar em prática tais medidas a fim de ventilar ares saudáveis e de integridade para o benefício coletivo.

Que para além da valiosa reflexão, também exista ação! E ação transformadora.5

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1 United Nations Convention against Corruption.

2 No Brasil, tal Convenção foi ratificada pelo Decreto Legislativo nº 348, de 18 de maio de 2005, e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. O texto integral da aludida Convenção em português encontra-se disponível para consulta no seguinte sítio eletrônico: https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_corruption/Publicacoes/2007_UNCAC_Port.pdf. A Convenção endereça, em linhas gerais, quatro grandes enfoques de atuação, a saber: (a) medidas preventivas; (b) criminalização e aplicação da lei; (c) cooperação internacional; e, (d) recuperação de ativos. Para os guias técnicos e manuais de como implementar as medidas endereçadas na Convenção, ver https://www.unodc.org/unodc/en/treaties/CAC/index.html. Acesso em 08.12.2015.

3 Países em que o Índice de Percepção de Corrupção é mais elevado tendem, por decorrência lógica, a afugentar investimentos externos, obstando o progresso socioeconômico, por exemplo. Para consulta do Corruption Perceptions Index da Transparência Internacional, ver https://www.transparency.org/cpi2014. Acesso em: 08.12.2015.

4 Conforme analogia utilizada por Pascal Fabie, diretor da Transparência Internacional, quando em passagem pelo Brasil em junho/julho deste ano. Segundo Fabie, a luta contra a corrupção não é uma utopia, sendo, de fato, uma tarefa árdua, mas plausível e que exige sério comprometimento.

5 À guisa de referência, pontue-se, no plano nacional, uma série de eventos programados para o dia 9 de dezembro de 2015, conforme noticiado no sítio eletrônico da Controladoria-Geral da União. https://www.cgu.gov.br/noticias/2015/12/cgu-promove-atividade-pelo-dia-internacional-contra-a-corrupcao. Acesso em: 08.12.2015.

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*Guilherme Teno Castilho Missali é advogado no escritório Lino, Beraldi, Belluzzo e Caminati Advogados.

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