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O retorno da CPMF

Apesar de ainda não ter sido aprovada a nova CPMF, o governo inseriu na proposta orçamentária de 2016 a receita de 40 bilhões relativos à arrecadação do novo tributo.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Atualizado em 18 de janeiro de 2016 15:30

A Contribuição Provisória Sobre Movimentação ou Transmissão de Créditos de Natureza Financeira, conhecida pela sigla CPMF, tem origem na EC 3/93 que instituiu o Imposto Sobre Movimentação Financeira, conhecido pela sigla IPMF, a fim de destinar o produto de uma arrecadação ao combalido setor de saúde.

Surgiram contestações na doutrina especializada por vulnerar o disposto IV, do art. 167 da CF que proíbe a vinculação do produto de arrecadação a órgão, fundo ou despesas.

Essa proibição constitucional foi logo contornada com a criatividade do Ministro da Saúde, o ilustre médico Adib Jatene, que propôs a alteração da denominação tributária de IPMF para CPMF, ideia essa prontamente acolhida pelo Parlamento Nacional com o referendo da mais alta Corte do país, que anteriormente havia declarado a inconstitucionalidade de sua cobrança em relação às entidades imunes de impostos, bem como em função da violação do princípio da anterioridade.

Do ponto de vista formal harmonizou-se com o preceito constitucional retroapontado, mas, do ponto de vista material continuou mantendo o mesmo fato gerador próprio de imposto. Porém, a jurisprudência evoluiu para identificação da espécie tributária pelo seu aspecto extrínseco, ou seja, pelo nomen iuris. Exemplo disso são as contribuições previdenciárias dos aposentados e pensionistas e a contribuição para a iluminação pública que no entendimento do STF é "um tributo sui generis que se molda aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade". 
Com argumentos da espécie nunca haverá tributo inconstitucional.

O que era provisório para durar até 31 de dezembro de 1994, a CPMF foi sendo sucessivamente prorrogada e cobrada, nos termos da lei 9.311/96 revigorada por sucessivas emendas Constitucionais. A tentativa de prorrogar a sua vigência para até 31/12/11 foi obstada com a rejeição, pelo Senado Federal, da PEC 50/07. Enquanto durou, a alíquota da CPMF era de 0,38%.

Sabe-se que na vigência da CPMF, destinada ao setor de saúde, não houve melhoria no atendimento médico-hospitalar da população em geral. Há quem diga que houve até pioria, dentro do brocardo: quanto maior a arrecadação, maior é o desvio ou desperdício de recursos financeiros.

Atualmente, encontra-se em discussão da PEC 140/15 que reinstitui a CPMF com a alíquota de 0,20% para custeio da previdência social, no âmbito da União, mediante o artifício legislativo de acrescentar o art. 90-A ao ADCT da Constituição de 1988. Só que para efeito midiático é para atender o combalido setor da saúde, um dos setores mais sensíveis à sociedade em geral.

Assim, o § 3º desse art. 90-A restaura a vigência da lei 9.311/96 e suas alterações posteriores.

O que nos causa estranheza é a disposição do seu § 4º onde está dito que à "contribuição de que trata o caput não se aplica o disposto no art. 153, § 5º, e art. 154, caput, inciso I da Constituição".

Ora, os dispositivos constitucionais referidos são normas voltadas exclusivamente para impostos, e não para contribuições sociais. Por que, então, a invocação desses dispositivos constitucionais?

Isso prova que os legisladores constituintes derivados têm a plena consciência de que estão criando um imposto com o nome de contribuição social.  Sempre sustentamos pelo exame de seu fato gerador que o legislador deu a denominação de contribuição social apenas para driblar a aplicação do art. 167, IV da CF. Com expedientes da espécie a insegurança jurídica em matéria tributária passa a ser total, à medida que torna inútil o princípio constitucional de discriminação de impostos.  Não bastasse isso, a complexidade e a nebulosidade da legislação tributária acarretam despesas administrativas excessivas, pois tomam anualmente do contribuinte brasileiro 2.600 horas de trabalho, para dar cumprimento a todas as obrigações de natureza tributária que resultam de um cipoal de normas dotadas de requintado sadismo burocrático.

Na verdade, a Previdência Social está em situação deficitária por conta de desvios legais e ilegais de seus recursos financeiros. O programa de desoneração a folha é um das causas. A outra é a DRU que vem sendo prorrogada a cada 4 anos e que retira da Previdência Social, mensalmente, 20% de sua receita. Existem, ainda, outras causas que fragilizam os recursos de Previdência Social e que devem ser combatidas por meios de mecanismos repressores, com a aplicação da lei 8.429/92, da LC 101/00, da lei 10.028/00, do CP e com a  impetração de ação popular.

 Para isso, é preciso que cada órgão ou instituição cumpra o seu papel, principalmente o Congresso Nacional, órgão incumbido constitucionalmente para exercer com eficiência o controle externo da execução orçamentária mediante o auxílio  eficiente do TCU, que cabe agir preventiva ou simultaneamente, e não apenas a posteriori  para constar o rombo nas finanças públicas, quando, então, até um leigo consegue detectar.

Outrossim, o rombo das contas públicas pode ser resolvido ou amenizado com implementação de mecanismos legais, como por exemplo, o  de retorno de bens de origem lícita que saíram ilegalmente do país, por conta da insegurança jurídica decorrente de edição interminável de planos econômicos, sendo que um deles decretou o confisco de 25% dos ativos de propriedade de pessoas físicas e jurídicas. Esse retorno é calculado na ordem de 150 bilhões. Igualmente, o correto e transparente ingresso de dinheiros públicos desviados por infratores indiciados pela Operação Lava Jato e que fizeram delação premiada, mediante promessa de devolução dos dinheiros apropriados indevidamente, serviria para atenuar o quadro deficitário das contas públicas. Segundo a mídia, milhões de reais seriam devolvidos pelos indiciados em inquéritos policiais, mas a sociedade não fica sabendo como e onde esses recursos estão sendo canalizados pelo governo, nem a que título estão sendo incorporados ao Tesouro, se é que estão.

 Por fim, apesar de não aprovada, ainda, a nova CPMF, o governo fez inserir na proposta orçamentária para o exercício de 2016 que já deveria ter sido aprovada no ano de 2015, mas que se encontra ainda em tramitação no Congresso Nacional, a receita de 40 bilhões relativos à arrecadação do novo tributo, para compensar a proposta original não aceita pelo Parlamento por consignar uma propositura legislativa prevendo um orçamento negativo. Ora, incluir na previsão de receita de um tributo sem existência legal afronta os §§ 2º e 8º, do art. 165 da CF.

Concluindo, enquanto o governo não fizer a sua lição de casa, é incogitável o equilíbrio fiscal por meio de exacerbação da carga tributária, uma das causas da recessão econômica que estamos vivenciando.

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*Kiyoshi Harada é jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, titular da cadeira nº20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-procurador chefe da consultoria jurídica do município de São Paulo.



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