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Cooperação internacional: auxílio direto e cartas rogatórias

O novo CPC tratou de forma sistemática e adequada do procedimento de auxílio direto e de cumprimento de cartas rogatórias, sem, contudo, acabar com a armadilha para a parte que impugna o exequatur de carta rogatória.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Atualizado em 4 de março de 2016 12:10

Ao regular a cooperação jurídica internacional, o novo CPC tratou de forma sistemática e adequada do procedimento de auxílio direto e de cumprimento de cartas rogatórias, sem, contudo, acabar com a armadilha para a parte que impugna o exequatur de carta rogatória e sai citada para a ação por "comparecimento espontâneo".

Decorrente do princípio da territorialidade da jurisdição e da soberania, segundo os quais a autoridade de um juiz não pode extrapolar os limites territoriais do seu próprio país, a Cooperação Internacional se dá quando sentenças e/ou decisões tiverem de ser cumpridas em outro país. Sendo assim, nesses casos a prestação jurisdicional dependerá necessariamente da cooperação mútua internacional.

No Brasil, a cooperação jurídica internacional adota modelo padronizado internacionalmente, por meio do qual cada Estado-Parte possui uma "autoridade central" que será responsável pelo trâmite burocrático dos pedidos de assistência em face de outro Estado-Parte (cooperação ativa e passiva). Ou seja, exige-se a intermediação de duas autoridades centrais, não havendo, portanto, a comunicação direta entre o juiz brasileiro e a autoridade estrangeira.

A fim de viabilizar a cooperação jurídica internacional - a qual possui como objetos (i) citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial; (ii) colheita de provas e obtenção de informações; (iii) homologação de cumprimento de decisão; (iv) concessão de medida judicial de urgência; (v) assistência jurídica internacional; e/ou (vi) qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira - foram criados mecanismos como a Ação de Homologação de Sentença Estrangeira, o Auxílio Direto e a Carta Rogatória.

No Auxílio Direto, apesar da nomenclatura sugestiva, não há comunicação direta entre juiz brasileiro e a autoridade estrangeira, o pedido de cooperação internacional é encaminhado pela autoridade central estrangeira à autoridade central brasileira, que neste caso é o Ministério da Justiça, para posterior distribuição à autoridade brasileira competente - AGU, MP, Polícia Federal e etc.. O mesmo ocorre no caso do auxílio direto ativo: a autoridade central brasileira faz o papel de intermediadora do pedido de cooperação feito pela autoridade brasileira competente ao Estado-Parte estrangeiro.

Destaca-se que, em que pese não haja comunicação direta entre juízes, não há, pela autoridade receptora do pedido, o exercício do juízo de delibação do ato jurisdicional em questão. Ou seja, diferentemente da Carta Rogatória, como se verá a seguir, não existe no Auxílio Direto análise prévia da legalidade do ato jurisdicional.

Já a Carta Rogatória, instrumento tradicional de cooperação internacional, pode ser utilizada para qualquer um dos atos descritos anteriormente e, quando passiva - recebida de uma autoridade estrangeira para cumprimento - será necessariamente encaminhada pelo Ministério das Relações Exteriores ao STJ para a análise do "exequatur".

O "exequatur" consiste no reconhecimento, emanado do STJ, de que a Carta Rogatória não ofende a soberania nacional, a ordem pública e a dignidade da pessoa humana; e, consequentemente, na autorização para a execução, sob jurisdição brasileira, de atos processuais e diligências emanadas de autoridades estrangeiras.

Deste modo, quando passiva, a Carta Rogatória será encaminhada pelo Ministério das Relações Exteriores ao Presidente do STJ, que intimará a parte requerida para, no prazo de 15 dias, querendo, impugnar o pedido de concessão do exequatur. Tal impugnação poderá versar sobre a autenticidade dos documentos que acompanham a Carta Rogatória, a inteligência da decisão estrangeira, a ofensa à soberania nacional, a ordem pública e/ou a dignidade da pessoa humana.

Caso a parte requerida opte por não apresentar impugnação, o presidente do STJ nomeará curador especial. Após a apresentação de impugnação, seja pela parte requerida ou pelo curador especial nomeado, será concedida vista dos autos ao Ministério Público Federal, para, querendo, apresentar impugnação. E, em ato contínuo, o Presidente do Superior Tribunal de Justiça analisará as manifestações e proferirá decisão de concessão ou não do exequatur, sendo tal decisão passível recurso - Agravo Interno, no caso.

Após o procedimento de análise e concessão do exequatur, a Carta Rogatória será encaminhada à Justiça Federal competente para seu devido cumprimento. Cumprida a Carta Rogatória ou verificada a impossibilidade de seu cumprimento, essa será devolvida ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça que deverá remetê-la, por meio do Ministério da Justiça ou do Ministério das Relações Exteriores, à autoridade estrangeira de origem.

Destaca-se que o Novo Código de Processo Civil, apesar de trazer seções específicas destinadas às Cartas Rogatórias e ao Auxílio Direto, nada trouxe de inovador, apenas incorporou algumas regras já existentes no regimento interno do STJ.

Em relação ao processamento da Carta Rogatória perante o STJ, é importante destacar, também, que, apesar da emenda regimental 18, de 2014, editada pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante ao que estabelece a Constituição Federal ("Aos juízes federais compete processar e julgar: X- os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o "exequatur"..."), determinar que "após a concessão do exequatur, a carta rogatória será remetida ao Juízo Federal competente para seu cumprimento"; o Superior Tribunal de Justiça, nos casos em que a finalidade da Carta Precatória se restringe a citação, intimação e/ou notificação judicial e extrajudicial do Requerido, vem decidindo que a apresentação de impugnação ao pedido de concessão do exequatur, pelo Requerido, seria equivalente ao seu comparecimento espontâneo nos autos, e, portanto, a Carta Rogatória teria cumprido a sua finalidade, não havendo necessidade de remetê-la à Justiça Federal competente, após a concessão do exequatur, para que, nova citação, intimação e/ou notificação fosse realizada (AgRg na CR n° 2.498 -US, Ministro Relator HUMBERTO GOMES DE BARROS; AgRg na CR n° 544, Ministro Relator BARROS MONTEIRO; AgRg na CR n° 327, Ministro Relator BARROS MONTEIRO; AgRg na CR n° 8820, Ministro Relator FRANCISCO FALCÃO).

Nota-se que, em que pese a insegurança jurídica gerada por tal posicionamento, em razão de violação às normas e princípios constitucionais e ao próprio Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, o referido entendimento vem prevalecendo desde 2007. Considerando as diferentes regras adotadas nos juízos de origem das Cartas Rogatórias acerca do termo inicial do prazo para contestação (nem todas as jurisdições adotam a regra de que o prazo se inicia com a "juntada da rogatória cumprida aos autos"), o entendimento de que a iniciativa da parte em impugnar o exequatur de Carta Rogatória caracteriza "comparecimento espontâneo" e supre a necessidade de citação formal pode ter efeitos catastróficos para a parte no processo estrangeiro, fulminando, inclusive, seu direito de defesa.

Deste modo, é inevitável concluir que (i) o legislador perdeu a oportunidade de regulamentar, por meio do Novo Código de Processo Civil - que passou a ter uma seção específica sobre Carta Rogatória, o comando emanado pela CF, e (ii) o STJ, também, deixou passar a oportunidade de solucionar tal discrepância - entre seu posicionamento jurisprudencial e suas normas internas - com as alterações trazidas pela emenda regimental 18, de 17 de dezembro de 2014, mantendo situação de grave insegurança jurídica às partes e expondo-as a uma verdadeira "armadilha" quando as intimadas a impugnar o exequatur das Cartas Rogatórias

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*Marco Gasparetti e Manuela Capp Ribeiro são, respectivamente, sócio e associada da área de Contencioso Cível de Mundie e Advogados.










*O presente artigo foi escrito e divulgado apenas para fins informativos e de debate, não constituindo orientação jurídica nem podendo ser interpretado como opinião legal ou posicionamento oficial do escritório sobre a matéria.

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