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Microcefalia e a responsabilidade do Estado, por Eudes Quintino

Microcefalia e a responsabilidade do Estado

A situação é alarmante. A própria Organização Mundial da Saúde alertou que o Brasil não está combatendo com sucesso a infecção pelo Zika vírus.

domingo, 13 de março de 2016

Atualizado em 11 de março de 2016 14:29

Ministério da Saúde editou a portaria que determinou a notificação compulsória dos casos de microcefalia, apesar de tal exigência estar contida em ato anterior que tratava a respeito de malformações congênitas. Isto porque, como brado de alerta, após várias considerações científicas relacionando o Zika vírus com a microcefalia, principalmente no surto localizado na região nordeste do país e que sequencialmente foi alastrando para outros Estados, a situação ficou incontrolável. Além do que, atendendo orientações da Organização Mundial da Saúde, modificou o protocolo de notificação de casos suspeitos de microcefalia, estabelecendo parâmetros diferenciados para meninos e meninas. Essas, quando a circunferência craniana for menor que 31,5 cm e aqueles quando a medida for menor que 31,9 cm, diferente do protocolo que estabelecia a marca do perímetro cefálico menor do que 33 cm.

Em primeiro lugar, antes de qualquer consideração, há necessidade de se empenhar e agilizar as pesquisas científicas para encontrar respostas mais condizentes a respeito da relação entre o Zika vírus e a microcefalia, visando saber qual o período que acarreta mais risco para o embrião, se afeta outros órgãos e até mesmo as providências a respeito de produção de vacinas. A situação é alarmante. A própria Organização Mundial da Saúde alertou que o Brasil não está combatendo com sucesso a infecção pelo Zika vírus. Basta ver que no ano de 2014 foram notificados 147 de casos de microcefalia. Já no ano de 2015 saltou para 3.174 e nos dois primeiros meses de 2016 atingiu 2.106.

A população exige do poder público a prática de atos preventivos para a preservação da saúde, levando-se em consideração que é direito de todos e dever do Estado, conforme determinação constitucional. Daí que, para cumprimento de sua missão, o Estado já disponibiliza vacinas para erradicação de doenças como o sarampo, paralisia infantil, gripe suína e outras. Porém, com relação aos vírus do Aedes Aegypti há somente mobilização nacional para seu controle. Conforme se constata, pelo número progressivo de vítimas, não atinge os objetivos propostos, e aqui cabe também uma parcela de culpa à omissão dos cidadãos.

Pode-se estendê-la e até falar em responsabilidade civil pela omissão do Estado com relação às crianças que nasceram com microcefalia. O Estado, na sua função de proteger o cidadão, deve, obrigatoriamente, nas regiões mais pobres, com precárias instalações sanitárias, desprovidas até mesmo das mínimas condições de higiene, programar politicas públicas voltadas emergencialmente para a área da saúde, com a intenção de conferir o mínimo necessário de dignidade habitacional.

Com muita autoridade, os argentinos de Cuitiño, de Mathus, Bochatey e Bordin, em exemplar trabalho em respeito ao princípio do direito à saúde, esclarecem: "Es un principio admitido en forma unánime que al Estado le compete legislar y promover medidas de acción positiva para impulsar el desarrollo de la evaluación, de la protección de la salud pública, de la previsión social, del medio ambiente, ancianidad, mujeres embarazadas y niños"1.

Mesmo nas demais regiões o Estado obrou com negligência entendida como a inação, a passividade, a omissão nos cuidados básicos e necessários para evitar a propagação do vírus que provoca a microcefalia. Pode-se de falar também em indolência em não tomar as providências para estancar a disseminação de criadouros do mosquito. Não é de hoje que o Aedes Aegypti está ameaçando a comunidade brasileira e vem num crescendo fazendo um número cada vez maior de vítimas, como se fosse um surto anunciado. As providências tomadas são paliativas, sem potencialidade de fazer fogo cruzado contra o mosquito invasor. As que tardiamente estão sendo tomadas, deveriam ter sido cogitadas e aplicadas no início do surto da doença.

Imprudente também porque não agiu com a previsibilidade necessária, com a antevisão compatível do bom administrador que não se pautou de acordo com os deveres de cuidados que o caso exigia. E imperito pela ausência de habilidades técnica e informativa em lidar de forma tão singela e rudimentar contra o mosquito que vinha anunciando aos quatro ventos sua potencialidade de provocar doenças graves e irreversíveis. Segundo cientistas americanos, o Brasil não está preparado para enfrentar o potencial endêmico explosivo do Zika vírus.

Visando amparar as famílias que tiveram crianças diagnosticadas com microcefalia e que tenham renda de até R$220,00 per capita, como reconhecendo sua responsabilidade, o governo Federal anunciou uma bolsa correspondente a um salário mínimo mensal. Na realidade, tal preocupação deveria se estender a todas as famílias nesta condição, independentemente de nivelamento salarial, pois os pais terão que arcar com as despesas decorrentes dos cuidados especiais para melhorar a qualidade de vida, como terapia ocupacional, fisioterapia, estimular a fala com sessões de fonoaudiologia, neurologistas e muitas outras, além dos medicamentos compatíveis.

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1 De Cutino, Marta Fracapani; de Mathus, Liliana Giannaccari; Bocathey, Alberto; Bordin Celia. Bioética e sus instituciones. Buenos Aires: Editorial Lumen, 1999, p. 384.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.



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