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O Impeachment em foco

Mais do que uma relação de amor e ódio, para o causídico o processo de impeachment "se depara com o efetivo embate político aliado às múltiplas estratégias jurídicas".

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Atualizado em 14 de abril de 2016 13:21

Em tradução direta da expressão impeachment podemos concluir tratar-se de impedimento ou, ainda, impugnação de mandato, constituindo, pois um instrumento constitucional de cassação de mandato do chefe do Poder Executivo por decisão do Poder Legislativo, este presidido pelo Presidente da Suprema Corte do País. Portanto, impeachment, de origem inglesa que significa impedimento, é o processo que se instaura contra as altas autoridades do governo com o fim de as destituir do cargo por denúncia de infração grave dos deveres funcionais.

Nos EUA já houve a destituição de Chefe do Executivo por meio de impeachment, como no caso de Andrew Johnson, em 1868, em razão de violação à Ternure of Office Act; e, ainda, a que culminou com a renúncia de Richard Nixon, em 1974, em razão do conhecido escândalo que se denominou de Watergate. O então Presitente americano Bill Clinton sofreu impugnação de seu mandato em razão de falso testemunho no caso do escândalo com sua estagiária Mônica Lewinsky, porém, esse processo de impugnação fora arquivado pelo Congresso norte-americano. Há histórico de impeachment no Paraguai, do Presidente Fernando Lugo cassado em 2012; no Equador do então Presidente Abdalá Jaime Bucaram Ortiz, em 1997, por denúncias de corrupção e de problemas psiquiátricos. No Brasil, em 1992, instaurou-se o processo de impeachment contra o então Presidente Fernando Collor de Mello, sob acusação de corrupção, cujo processo, após sua renúncia, prosseguiu apenas em relação aos efeitos dai decorrentes, como a ineligibilidade por oito anos.

No Brasil, primeiramente se destaca a previsão constitucional dos crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente da República, constando, pois no art. 85 da Magna Carta, que são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais. Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento. No âmbito infraconstitucional temos o procedimento de impeachment regido pela lei nº 1.079/50, que define os crimes de responsabilidades e regula o respectivo processo de julgamento. Em seu art. 2º dispõe que: os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República ou Ministros de Estado, contra os Ministros do Supremo Tribunal Federal ou contra o Procurador Geral da República. Em relação ao Presidente da República os crimes de responsabilidade estão disciplinados no art. 4º, ou seja, são crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra: I - A existência da União: II - O livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados; III - O exercício dos direitos políticos, individuais e sociais: IV - A segurança interna do país: V - A probidade na administração; VI - A lei orçamentária; VII - A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos; VIII - O cumprimento das decisões judiciárias (Constituição, artigo 89). Nos artigos 5º a 12 da referida Lei encontra-se disciplinados cada um dos tipos elencados no art. 4º aqui tratado.

Não se pode olvidar, para os fins do processo de impeachment, as disposições da lei nº 8.429/92, conhecida por Lei de Improbidade Administrativa, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Considerando-se em especial o disposto no art. 9º, que cuida dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito; 10º que disciplina dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário, e 11 cuidando dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da Administração Pública. Importa destacar que, para fins de processo de impeachment, deve ser considerado somente os atos que se enquadrem na classificação de crimes de responsabilidade, portanto, não se prestam a isso aqueles tipificados como crime comum, que seguirá por rito próprio da legislação processual penal respectiva.

Verificada a ocorrência de algumas das hipóteses previstas em Lei, o requerimento do impeachment será apresentado ao Presidente da Câmara dos Deputados, que poderá, de plano, rejeitá-lo ou acolhê-lo para determinar seu processamento, com a consequente e imediata formação de Comissão Especial que terá a incumbência de analisar a pertinência do requerimento, assegurando o direito de defesa, opinando pelo seu acolhimento ou rejeição, cujo relatório final aprovado pela Comissão deverá ser submetido ao Plenário da Câmara para deliberação, cujo acolhimento dependerá da deliberação de dois terços dos votos dos Deputados para abrir o processo contra o Presidente da República. Aprovada a abertura do processo pela Câmara dos Deputados esse será remetido para o Senado Federal, cuja tramitação será presidida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Nesta fase, não havendo votos necessários o processo será arquivado, entretanto, se admitido o Presidente da República será afastado por 180 dias, assumindo, nesse período, o Vice-Presidente. Na sequência, ocorrendo a votação favorável de pelo menos dois terços dos Senadores será proferida a condenação, com o afastamento definitivo do Chefe do Executivo, bem como sua inelegibilidade por oito anos, sobrevindo a efetivação do Vice-Presidente no cargo de Presidente da República. Caso haja renúncia do vice, assume, interinamente, o Presidente da Câmara, que deverá convocar nova eleição para o cargo vago de Presidente da República.

Atualmente, encontra-se em tramitação o pedido de impeachment subscrito pelos ícones no mundo jurídico, Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Conceição Paschoal, visando a cassação do mandado da Presidente Dilma Rousseff. Embora respeitados os fundamentos do requerimento apresentado, verifica-se não haver unanimidade em torno desse procedimento na atualidade. Para sua sustentação indispensável se faria a estruturação de uma gigantesca engenharia político-social que permitisse, no mínimo, assegurar o êxito que se espera. Isso tudo sem descuidar-se do pleno respeito às garantias constitucionais, que, violadas, permitirá ao Judiciário, por sua Instância Máxima, pronunciar-se nos limites de suas atribuições. Para o renomado jurista Fábio Konder Comparato, "o impeachment hoje é absolutamente ilegítimo". E complementa, "não há nenhuma base jurídica para o impeachment agora".

Não é do desconhecimento de ninguém que de fato o país passa por um período de grave crise política, econômica e social, com poucas possibilidades de sustentação do governo vigente, já que manchado por atos de extrema gravidade que compromete sua credibilidade. Mas, não se pode esquecer, crise política e econômica não é suficiente para o embasamento de um pedido de impeachment, é indispensável algo mais consistente, robusto, que se enquadre nas hipóteses previstas em lei como sendo passível de punição por crime de responsabilidade, ou seja, que se enquadre, concretamente, em algumas das hipóteses previstas no art. 85, da Constituição Federal, acima destacado. Não se pode deslembrar que por crime, aí compreendendo o de responsabilidade, deve ser entendido como aquele tipificado na norma incriminadora, não se admitindo, portanto, interpretação ampliativa ou supressiva para se criar aquilo que não se coaduna com aquilo que o texto legal não disciplinou.

É de rigor registrar, ainda, que atos de mandato findo não se prestam para sustentar impeachment em mandato vigente, de mesmo modo, não se admite a criação de figura jurídica, como pedalada fiscal, para se pretender enquadrá-la na norma jurídica que dela não cuidou, portanto, não previu, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade, no sentido de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5, II, CF), bem como de que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 5ª, XXXIX, CF).

De todo modo, no processo de impeachment, mais do que uma relação de amor e ódio, se depara com o efetivo embate político aliado às múltiplas estratégias jurídicas, cuja decisão final poderá advir até mesmo de um ato de traição, ou, em adequação terminológica para o âmbito político, de infidelidade, daquele que somente se saberá quando dele se tomar conhecimento, pois, nos bastidores, por vezes não se apresenta perceptível icto oculi. Qual será o resultado do procedimento de impeachment que se inicia? Entende-se como absolutamente imprevisível, pois poderá ser rejeitado logo na primeira fase, se prevalecer a tese da ausência de sustentação legal para o pedido, como, também, por quórum insuficiente para seu acolhimento. Poderá ser acolhido em sua tramitação pela Câmara, em um similar juízo de admissibilidade, porém, rejeitado na fase seguinte perante o Senado Federal, de processo, instrução e julgamento. É o que se extrai do magistério do eminente constitucionalista, José Afonso da Silva, "O processo dos crimes de responsabilidade e dos comuns cometidos pelo presidente da República divide-se em duas partes.: juízo de admissibilidade do processo e processo e julgamento"1.

Como, também, poderá ser aceito em todas as etapas, se fragilizadas as bases de sustentação, especialmente, política da base governista. Veja-se que na esfera jurídica, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou, embora ainda não definitivo, sobre os procedimentos até então adotados pela Câmara, nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), processo nº 378, especialmente, quanto aos poderes do Senado Federal, do quórum de maioria qualificada de dois terços dos parlamentares que só é exigido para as decisões finais das Casas, prevalecendo, portanto, para a hipótese, o quórum de maioria simples. Afastou-se, ainda, a pretensão ao voto secreto, mantendo-se o entendimento pelo voto aberto. Rechaçou-se, ainda, a criação de chapa avulsa, para manter o entendimento de que as lideranças partidárias é que devem indicar os candidatos que irão compor a comissão especial.

Nesse cenário, não há que se falar em intervenção de um Poder na esfera de atribuições de outro, mas, sim, de se assegurar, no mínimo, o respeito ao sistema jurídico vigente, pois emerge do mandamento constitucional que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes (art. 5º, LV, CF), bem como que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. (art. 5º, LIV, CF). Como bem lembrado por José Afonso da Silva, admitido, "o processo seguirá os trâmites legais, com oportunidade de ampla defesa ao imputado, concluindo pelo julgamento, que poderá ser absolutório, com o arquivamento do processo, ou condenatório por dois terços dos votos do Senado, 'limitando-se a decisão à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis' (art. 52, parágrafo único). É isso que caracteriza o chamado impeachment." (idem). As garantias constitucionais jamais podem ser relegadas a segundo plano, devendo, sempre, ser preservadas, pois, "em virtude da natureza constitucional do contraditório, deve ele ser observado não apenas formalmente, mas sobretudo pelo aspecto substancial, sendo de se considerar inconstitucionais as normas que não o respeitem."2

Portanto, para uma análise absolutamente isenta em torno do procedimento de impeachment iniciado, é indispensável desarmar o espírito de toda e qualquer interferência emocional, de modo a permitir a formação de um juízo cognitivo consentâneo com os efetivos propósitos da justiça e das instituições democráticas, respeitando-se as garantias constitucionais.

Pois bem, como na seara de amor e ódio, uma traição - infidelidade - pode destruir uma vida construída, assim como a mesma infidelidade, por vezes, pode ser superada - relevada - e, com isso, retomada a busca pela consolidação e equilíbrio das instituições, que, sólidas, permitam o restabelecimento do desenvolvimento político, social e econômico, tanto esperado por toda a sociedade.

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1- Comentário Contextual à Constituição, São Paulo, Malheiros, 2010, p. 503.

2 - Teoria Geral do Processo. Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 63.

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*Jorge Chagas Rosa é advogado do escritório Paulo Roberto Joaquim dos Reis Advogados Associados. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos, especialista em Direito Empresarial e Direito Processual. Professor de Pós-Graduação em Direito; Conciliador e Mediador.

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