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Quem nasceu primeiro: a impunidade ou a irresponsabilidade?

Até o momento, o Congresso Nacional seguiu fielmente as regras fixadas pelo Supremo Tribunal Federal, com base na Constituição Federal e demais legislações de regência.

terça-feira, 10 de maio de 2016

Atualizado às 09:23

Com o desiderato de compreender o que queria me parecer incompreensível, sem, contudo, olvidar da criatividade do nosso povo mundialmente conhecido pelo peculiar "jeitinho brasileiro", sobretudo quando tratamos dos nossos representantes políticos sobre os quais paira uma conotação um tanto quanto mística, ou quiçá mágica, debrucei-me sobre a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Lei 1.079 de 1950 - que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento - "Lei do Impeachment", bem como dos Regimentos Internos do Congresso Nacional, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, respectivamente.

Para elucidar melhor o fato em espeque, o Exmo. Primeiro-Vice-Presidente, Deputado Waldir Maranhão (PP/MA), no exercício da Presidência da Câmara dos Deputados, acolheu nessa segunda-feira, 9/5/16, o recurso da Advocacia-Geral da União (AGU) contra a decisão que autorizou a instauração do processo de impeachment contra a Exma. Sra. Presidente da República, Dilma Roussef, após ser questionado pelo presidente da Comissão Especial do Impeachment do Senado Federal, Senador Raimundo Lira (PMDB/PB), sobre o andamento dessa petição na Câmara dos Deputados.

Ao acolher o recurso, dispensado a ajuda dos servidores daquela Casa para tomar sua decisão, o deputado apontou quatro vícios que justificariam a anulação da sessão do Plenário da Câmara que decidiu pela abertura do processo de impeachment, quais sejam: (i) orientação partidária na sessão, o que impediria que os votos refletissem convicções pessoais dos parlamentares; (ii) anúncio prévio dos respectivos votos por parte dos Deputados; (iii) ausência da defesa de Dilma na referida Sessão Plenária; (iv) e o fato de a decisão pela admissibilidade do processo não ter sido transformada em resolução, como supostamente determinaria o Regimento Interno da Câmara. Por tais razões, o Presidente interino da Câmara dos Deputados, anulou a sessão realizada nos dias 15, 16 e 17 de abril e determinou que uma nova sessão fosse realizada para deliberar sobre a matéria no prazo de 5 sessões contados da data em que o processo for devolvido pelo Senado Federal à Câmara dos Deputados.

Cabe salientar que o Deputado Waldir Maranhão (PP/MA), ocupa de forma interina o cargo de Presidente da Câmara dos Deputados desde o afastamento do então Presidente daquela Casa, Deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), por força de decisão do E. Excelso Pretório na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 402, ajuizada pela Rede Sustentabilidade - partido político com representação no Congresso Nacional, devidamente registrado no Tribunal Superior Eleitoral - após o Plenário da Corte ter recebido denúncia contra Eduardo Cunha (PMDB/RJ) no Inquérito (INQ) nº 3983, em março deste ano.

Ao receber o ofício encaminhado pelo Deputado Waldir Maranhão (PP/MA), no qual solicitava a devolução dos autos do processo de impeachment à Câmara dos Deputados, o Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB/TO), após consultas ao regimento interno do Senado e conversar com líderes partidários na residência oficial, assim se manifestou em sessão plenária daquela Casa, in verbis:

"Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Srs. Deputados que estão presentes à sessão, Srªs Deputadas, esta Presidência recebeu, na manhã desta segunda-feira, 09/05, o Ofício nº 635/2016, subscrito pelo Presidente em exercício da Câmara dos Deputados, no qual S. Exª registrou o deferimento do recurso apresentado pelo Advogado-Geral da União contra deliberação da Câmara dos Deputados havida no domingo 17 de abril do corrente ano.
Em seu expediente, o Deputado Waldir Maranhão, Senador Perrella, teceu várias considerações sobre a forma como se deu a manifestação pelos Deputados Federais, bem como o instrumento formal por meio do qual a autorização para processar a Presidente da República foi comunicada ao Senado Federal, nos termos do art. 51, inciso I, da Constituição Federal.
Ora, como todos sabemos, a palavra do Parlamentar proferida em plenário é livre, nos termos do Regimento Interno. Não caberia a mim interferir no conteúdo dos discursos proferidos pelos Parlamentares, para, avaliando seu teor, decidir se poderiam ou não anular a deliberação que se seguiu a eles.
Vou além, Srs. Senadores, Srªs Senadoras. Para tratar do argumento da forma como se deu a comunicação ao Senado, como anular uma deliberação tendo por fundamento o instrumento pelo qual ela foi comunicada ao Senado Federal? Ora, a comunicação é etapa posterior ao ato já concluído. Não poderia a formalidade tornar nulo ato prévio. Mais ainda, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, que aceitássemos tal argumento, ou seja, que a autorização da Câmara deveria ter sido veiculada por meio de resolução, e não de ofício, como foi, eu sou obrigado a rememorar as palavras que proferi aqui, neste plenário, na terça-feira, 19 de abril, sempre procurando me manter na isenção, na imparcialidade e tendo todos os cuidados com a democracia brasileira, conhecendo as dificuldades que historicamente nós enfrentamos na construção desse processo democrático.
Na ocasião, na condução deste processo, seguiremos fielmente a Constituição Federal, os acórdãos do Supremo Tribunal Federal, em especial o da ADPF nº 378, a Lei nº 10.079, de 1950, e o precedente de 1992. Ora, o precedente de 1992, como podemos verificar, no Diário Oficial do Congresso Nacional do dia 29 de setembro de 1992, ocorreu exatamente com a comunicação da autorização da Câmara ao Senado Federal, por meio de um ofício, e não por meio de uma resolução. Como poderíamos dizer que aquela comunicação de 1992 valeu e que a atual comunicação de 2016 não teria valido?
Aliás, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, é importante ressaltar que a lei de 1950, a Lei do Impeachment, é, por si só, um fator de desestabilização política. Da edição da lei para cá, todos os Presidentes eleitos sofreram esse tipo de assédio, com pedidos de impeachment oferecidos perante a Câmara dos Deputados - todos, sem exceção. Um pedido com tais consequências poder ser articulado por qualquer cidadão, sem nenhum tipo de legitimação popular, é uma porta permanentemente aberta para crises, impasses e turbulências, ao estalar de dedos da autoridade de plantão. Independentemente do desfecho deste processo atual, caberá - e tenho dito e queria aqui repetir - uma revisão urgente das previsões da Lei nº 10.079, de 1950, que coloca esse instituto do impeachment na raiz de todos os retrocessos, que, aliás, não foram poucos.
Finalmente, e igualmente relevante, cabe assinalar a extemporaneidade de tal decisão. O Senado já está com este assunto, há várias semanas, sendo discutido diariamente na imprensa nacional. Já houve leitura da autorização no plenário; indicação pelos Líderes; eleição dos membros aqui, no plenário do Senado Federal; instalação da Comissão Especial, que fez nove reuniões presididas pelo Senador Raimundo Lira, totalizando quase 70 horas de trabalho; apresentação; discussão; defesa; acusação; e votação do seu parecer. Essa decisão do Presidente em exercício da Câmara agora, portanto, é absolutamente intempestiva.
Quando recebi o Presidente afastado da Câmara dos Deputados, que pediu celeridade e comunicou, na oportunidade, que aquela Casa não deliberaria enquanto o Senado não ultimasse a deliberação quanto à admissibilidade, reagi, todos lembram, chamei a atenção para as fragilidades das democracias e disse ainda que a tramitação não seria tão célere de modo que parecesse apressado nem tão demorada de modo que parecesse procrastinação. Aceitar essa brincadeira com a democracia seria ficar pessoalmente comprometido com o atraso do processo. (Palmas.)
E, ao fim e ao cabo, não cabe ao Presidente do Senado Federal dizer se o processo é justo ou injusto, mas ao Plenário do Senado, ao conjunto dos Senadores - foi esta exatamente a decisão do Supremo Tribunal Federal -, sem falar, por último, do princípio mais sagrado do Parlamento, o da colegialidade. Nenhuma decisão monocrática pode se sobrepor à decisão colegiada, tanto mais quando essa decisão foi tomada pelo mais relevante colegiado da Casa, o próprio Plenário, e ainda mais, pelo quórum verificado.
Por todo o exposto, deixo de conhecer do Ofício nº 635, de 2016... (Palmas.)
... da Câmara dos Deputados, e determino sua juntada aos autos da Denúncia nº 1, de 2016, com esta decisão.
Passo, em consequência, à leitura das conclusões do parecer da Comissão Especial sobre a Denúncia nº 1, de 2016. - grifo nosso (Disponível em:
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/notas-taquigraficas/-/notas/s/3784 Acessado em 10/05/2016).

Como se não bastasse a aguda crise econômica e política na qual o Brasil vacila, o que foi taxado de "brincadeira com a democracia" e gerou uma convulsão social com queda da bolsa, disparada do preço do dólar americano e queda nos preços das ações da PETROBRÁS, resultou nos seguintes desdobramentos:

1. Líderes do DEM, PSDB, PP (partido do Presidente Interino da Câmara dos Deputados), PPS, PMDB, PSD, PTB, PR, PRB e SD, entre outras legendas, decidiram convocar uma sessão extraordinária nesta terça-feira (10), às 19 horas, para votar o REC nº 136/2016 que derruba a decisão do presidente em exercício da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP/MA), que anulou as sessões de discussão e votação em Plenário do impeachment da presidente Dilma Rousseff. O recurso que se pretende votar cassa a anulação por considerar que o único órgão capaz de revisar a decisão da Câmara seria o Senado Federal. "O único órgão que poderia eventualmente revisar a decisão do Plenário da Câmara dos Deputados seria o Senado Federal - ao não admitir, eventualmente, o processamento da denúncia. Mas jamais ao presidente, monocraticamente, caberia decidir a respeito", diz o texto do recurso.

2. Além da possibilidade de ter a decisão revista pelo Plenário da Câmara, a decisão de Waldir Maranhão (PP/MA) gerou ainda representações contra ele no Conselho de Ética da Casa e na Executiva do seu partido. O DEM, em conjunto com o PSD, acionaram o Conselho de Ética para pedir a cassação do mandato de Waldir Maranhão(PP/MA), por considerar que ele desrespeitou decisões legítimas dos órgãos da Casa, ponto previsto no Código de Ética da Câmara. Além disso, deputados do PP pediram que Maranhão seja expulso do partido. A bancada do PP se reúne nesta terça-feira (10/05) para discutir essa possibilidade.

3. Isolado, Waldir Maranhão(PP/MA) decide revogar decisão que anulou sessão do impeachment, conforme noticiado pela Folha de S.Paulo na madrugada desta terça-feira (10).

Ao fim e ao cabo, o resultado do estudo nos mostra que, nem a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em seu artigo 86, nem a Lei 1.079 de 1950 - que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento - "Lei do Impeachment" no seu artigo 22, § 6º; tampouco os Regimentos Internos do Congresso Nacional, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados (artigo 218, § 9º), asseveram que comunicação da autorização da Câmara dos Deputados ao Senado Federal, deve ser feita por meio de uma resolução, e não por meio de um ofício, como nos queria fazer crer o Deputado Waldir Maranhão (PP/MA) em suas razões de decidir. Noutros termos, até o momento, o Congresso Nacional seguiu fielmente as regras fixadas pelo Supremo Tribunal Federal, com base na Constituição Federal e demais legislações de regência.

Nas sábias palavras do saudoso Rui Barbosa de Oliveira: "A impunidade e a irresponsabilidade, a irresponsabilidade e a impunidade,são as causas eternas e infalíveis de tais perturbações da ordem política e da ordem moral".

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*Thyago Lemos dos Santos Thimotheo é advogado.

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