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A eutanásia como solução, por Eudes Quintino

A eutanásia como solução

A longa ou a curta jornada, com oportunidades para frequentar todos os sentimentos humanos, não deixa de ser uma preparação para o modo humano de morrer.

domingo, 22 de maio de 2016

Atualizado em 20 de maio de 2016 15:45

Uma mulher, com aproximadamente 20 anos de idade, alegou ter sido estuprada dos cinco aos quinze anos e, em consequência, passou a sofrer de Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT), anorexia, depressão crônica e alucinações, que acarretaram várias sequelas e feridas profundas, tornando sua vida insuportável. Após se submeter a vários tratamentos, os médicos concluíram que seu quadro era incurável e que ela se encontrava com higidez mental suficiente para tomar qualquer decisão a respeito da terminalidade de sua vida, com a prática da eutanásia. O que foi feito, mediante aplicação de uma injeção letal, com aprovação da Comissão Holandesa de Eutanásia, que autorizou o procedimento desejado por ela, entendendo que seria a única solução diante dos sérios danos psicológicos.

O caso ocorreu na Holanda1, onde há permissão legal para a realização da eutanásia e do suicídio assistido, mas, mesmo assim, causou sérias discussões na comunidade europeia, ainda dividida a respeito da prática da eutanásia. Aparentemente, a decisão da Comissão deixou transparecer certa indiferença com relação ao quadro da jovem, preferindo rotulá-lo como incurável, sem qualquer esforço em buscar alternativa para encontrar uma solução mais adequada para o caso da paciente. E, consequentemente, banalizou a morte.

Percebe-se que a legislação holandesa ampliou a conceituação da eutanásia, aceitando-a mesmo em caso que não seja de doença terminal ou em situação de irreversibilidade do paciente. O livre arbítrio da pessoa, na configuração bioética da autonomia da vontade, e a conclusão da junta médica foram os fatores determinantes para a autorização da morte eutanásica. Quer dizer, em razão do sofrimento mental irresistível, a paciente não tinha o dever de continuar a viver, mas sim nasceu para ela a opção pela morte como um direito a ser pleiteado perante a autoridade competente.

Tal relato, diante da legislação brasileira, teria um final completamente diferente, levando-se em consideração a conceituação de morte eutanásica. Assim como no Chile, no caso da adolescente Valentina Maureira, portadora de doença hereditária e degenerativa (fibrose cística), que comprometeu seus pulmões, fígado e pâncreas, o governo negou pedido de aplicação de injeção letal, prática não permitida pela legislação chilena2.

Tem-se que no Brasil a vida é um bem indisponível, assim considerado pelo Estado que exerce o dever de tutelá-la. A morte está compreendida no final do ciclo de existência humana e quando o tema vem à tona, apesar do homem resistir de travar discussão a respeito, muitos argumentos são colocados à mesa, sempre em busca de uma solução que seja a mais adequada. Assim, pode-se dizer, que a longa ou a curta jornada, com oportunidades para frequentar todos os sentimentos humanos, não deixa de ser uma preparação para o modo humano de morrer. E, quando for possível a escolha, o homem ambiciona pela morte rápida, sem sofrimento, com a garantia de ter exaurido a vida em toda sua intensidade. Se possível, com data estipulada pelas calendas gregas.

Assim, neste contexto protetivo, aceita-se a morte quando revestida das causas consideradas normais ou naturais. Qualquer conduta humana que venha interferir neste processo, com a finalidade de antecipar a morte de alguém, deve ser rigorosamente analisada e verificada se compatível com os parâmetros de aceitabilidade ética a respeito do evento fatal.

A eutanásia, como uma das formas de abreviação da vida, proibida pela legislação brasileira, pode ser considerada como a intervenção positiva ou negativa de profissional de saúde ou até mesmo de outra pessoa, com a intenção de diminuir a dor e o sofrimento daqueles que carregam o fardo de uma doença terminal e irreversível. É, perante a legislação penal, um homicídio, com atenuação em razão de seu gesto piedoso ou caritativo.

Nada a ver, portanto, com a legislação holandesa.

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1 Jovem vítima de abuso sexual recebe autorização para eutanásia.

2 Chile nega a jovem de 14 anos pedido para morrer.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de Justiça aposentado/SP, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde, membro ad hoc da CONEP/CNS/MS, advogado, reitor da Unorp.



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