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Delação premiada: até que ponto vale a pena?

A análise minuciosa de algumas delações evidencia a duvidosa coerência dos dispositivos ali acordados.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Atualizado às 08:49

Dentre os mais variados meios de comunicação, todos eles, diariamente, abordam os escândalos políticos e criminais que assolam a sociedade brasileira. Dentre as notícias, um tema sempre presente: a delação premiada.

Tão comentada no cenário jurídico atual, a delação que é, em suma, espécie do gênero colaboração premiada e, assim, meio de obtenção de prova, ainda interroga os mais renomados juristas no que tange a sua firmação, sua estrutura e sua validade.

Inicialmente, cumpre ressaltar que, apesar de previsto em diversos diplomas legais, tais como Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária (Lei 8.137/90), Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/98) e Lei Antidrogas (Lei 11.343/2006), nenhum deles explana de forma procedimental como deve ser tal acordo.

A solução para o problema supra se dá com a entrada em vigor da Lei 12.850/2013 a qual, ao conceituar o instituto da Organização Criminosa, trouxe a delação premiada justamente como meio de obtenção de prova, enaltecendo sua efetividade.

De fato, a utilização do acordo de colaboração vem trazendo inúmeras vantagens no que tange à ação investigativa das famosas operações. Os então delatores, pactuando por benécies, acabam por expor esquemas, fraudes e grandes organizações criminosas, o que por si só deve ser levado em conta.

Contudo, até que ponto direitos e garantias processuais, legais ou até mesmo constitucionais podem ser modificados, em tese, por duas partes em um acordo celebrado de forma menos bilateral possível?

A análise minuciosa de algumas delações evidencia a duvidosa coerência dos dispositivos ali acordados, tais como a renúncia ao direito de Habeas Corpus, a pactuação pela progressão per saltum (então vedada pelos próprios tribunais na súmula 491,STJ) e a expressa proibição do delator em contestar os termos do acordo proposto em uma espécie de "pegar ou largar" jurídico, fazendo com que a credibilidade de um instituto que poderia ser totalmente proveitoso decaia.

Coloca-se em cheque o ideal de justiça abordado por Platão e Aristóteles, no que tange ao positivismo atualmente decorrente do estado jurídico em que vivemos. Em tese, todo o ordenamento pode ser modificado, nada é concreto, pétreo, em face de um acordo firmado entre partes processuais servindo como meio de obtenção de provas, tudo justificado pela então denominada "justiça".

De fato, deve ser feita justiça, sempre. A busca pelo justo (e sua efetivação) é sem dúvida a função dos Tribunais e seus membros. Contudo, questiona-se a legitimidade de tal busca, quando esta ferir o ordenamento pátrio ou ainda, as garantias constitucionais diretamente ligadas aos seres humanos.

Desta forma, entende-se pela validade positiva da ideologia da delação premiada, assim como não se nega o sucesso prático então alcançados com os acordos até o momento firmados. Contudo, questiona-se o modo como tais acordos tem sido pactuados e quais consequências esta mitigação de direitos e garantias trará ao âmbito jurídico futuramente. Teremos que esperar.

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*Eliana Cristina Fernandes de Miranda é advogada, formada e especializada em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, membro da Comissão de Direito Penal Econômico da OAB/SP.

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