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As ações privadas no âmbito concorrencial brasileiro

Filipe Ribeiro Duarte

Brasil não é comum a propositura de ações privadas - coletivas ou não - para pleitear ressarcimento por danos causados por infração da ordem econômica.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Atualizado em 22 de junho de 2016 09:39

Num ambiente que preza pela livre iniciativa e concorrência, tal como preceituado pela Constituição Federal brasileira, a efetivação de políticas concorrenciais é de suma importância para a consecução e manutenção de um ambiente competitivo entre os agentes econômicos. Não há como negar que o exercício lícito da livre concorrência, como um instrumento da ordem econômica, induz a promoção do desenvolvimento nacional e da justiça social (FRANCISCO,2014)1.

É neste sentido, que a efetiva aplicação (enforcement) da legislação concorrencial pode ser resumidamente dividida em duas grandes estruturas, o enforcement público (public litigation) e enforcement privado (private litigation).

O primeiro, basicamente é realizado pelas autoridades públicas, tais como Ministério Público, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), notoriamente por meio do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e o Judiciário, que executa as decisões do CADE, ao abrigo de uma prerrogativa do interesse público2 (ROSA, 2012), mais precisamente em defesa dos direitos difusos.

Por outro lado, também em defesa destes direitos difusos, surge o Enforcement Privado, foco do presente trabalho, que visa a prevenção ou o ressarcimento por danos oriundos de infração da ordem econômica por indivíduos ou por uma coletividade privada, conforme leciona Pedro Rosa3:

"As ações por danos causados tendem a compensar os prejudicados com as práticas restritivas da concorrência e simultaneamente aumentam o efeito preventivo, uma vez que aumentam significativamente o n.º de processos judiciais a temer por parte dos agentes no Mercado".

Ambas as estruturas são complementares à efetivação de uma política de defesa da concorrência, sendo usualmente empregados em diversos países, em especial, nos EUA.

O enforcement privado na legislação brasileira está previsto no artigo 47 da lei 12.529/114 , também chamada de Lei Antitruste, que dispõe que os prejudicados por si ou por seus legitimados5
, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos.

Tal prerrogativa, independe da existência de inquérito ou processo administrativo em curso no âmbito do CADE, podendo ser exercida desde que preenchidos os requisitos legais.

A pretensão à indenização pelo dano privado, conforme ensinamentos de Tércio Sampaio Ferraz Júnior6 exige três condições para a sua configuração:

(i) a existência de uma violação da lei, Lei da Concorrência (art. 36 da atual Lei nº 12.529/11); (ii) o prejuízo na capacidade concorrencial do prejudicado; (iii) a relação de causalidade entre (i) e (ii).

Há uma grande discussão acerca do ônus da prova do dano, que não será tratada neste primeiro momento. Fato é que preenchidas as condições supra, passa-se a apuração econômica do dano (JÚNIOR, 2013), que pode ser realizado por meio de uma ação privada.

Assim, como visto, o enforcement privado pode ser exercido tanto individualmente como num formato coletivo, tal como as denominadas class action nos EUA. Estas ações coletivas permitem a conjugação dos "direitos individuais homogêneos de todos os lesados pelos ilícitos antitruste, maximizando as condenações e ampliando o poder de acesso à justiça e reparação dos danos" (FARINA, 2015).

A modalidade coletiva, de fato, possui um potencial preventivo e repressivo maior, posto que em apenas uma demanda, proposta por um representante legal, permite-se a ampliação do acesso à justiça, dos valores da condenação e, por outro lado, reduz os custos da ação para o indivíduo7(FARINA, 2016), entre outras vantagens.

"A coletivização dos direitos individuais funciona, dessa forma, não só como instrumento de ampliação do acesso à Justiça como também mecanismo de prevenção de novas práticas" (FARINA, 2016). Pela legislação brasileira, a forma adequada para materializar as ações coletivas é a ação civil pública.

Conduto, conforme antecipado acima, diferentemente do que ocorre em outros países, no Brasil não é comum a propositura de ações privadas - coletivas ou não - para pleitear ressarcimento por danos causados por infração da ordem econômica, em especial, em face de cartéis8.

Um dos entraves pode ser associado ao próprio caráter restritivo da ação civil pública. Isto porque, no que tange à legitimação para sua propositura entre os agentes privados, apenas associações que existem há pelo menos um ano podem propô-la. Tal fator, atrelado à falta de cultural processual coletiva no Brasil também dificulta a massificação destas demandas coletivas.

Além disso, a dificuldade na obtenção de informações necessárias para provar o dano9 (Corbitt, apud Cordovil) entrava a disseminação de ações privadas reparatórias por infrações concorrenciais, especialmente carteis.

Todavia, tais barreiras não impossibilitam as demandas individuais ou podem ser justificativas para a não propositura de ações coletivas. Tais dificuldades não afastam a previsão legal para a atuação coletiva ou privada para a reparação de tais danos.

Por exemplo, alguns casos no Brasil já obtiveram êxito em demandas desse cunho. Por exemplo, ações movidas em Minas Gerais e Distrito federal contra as envolvidas no cartel do aço10, entre tantos outros exemplos fora do país.

A bem da clareza, vale lembrar que o novo Código de Processo Civil permite "a agregação dessas ações por outros mecanismos, que não coletivização" (FARINA, 2016), ao passo que tal lacuna pode ser preenchida na prática (FARINA, 2015), tornando ainda mais efetiva o direito concorrencial brasileiro, de modo a permitir o direito ao ressarcimento dos danos sofridos em virtude de práticas anticompetitivas.

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1 FRANCISCO, Andre Marques. "Responsabilidade civil por infração da ordem econômica." Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2132/tde-08122014-091926/publico/Andre_Marques_Francisco_Dissertacao.pdf; último acesso em 14/06/2016/

2 https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/10320/1/tese%20-%20Final.pdf

3 Rosa, Pedro. Disponível em: https://www.academia.edu/19240008/A%C3%87%C3%95ES_COLETIVAS_PRIVADAS_COMO_
INSTRUMENTO_DE_EFETIVIDADE_NA_DEFESA_DA_CONCORR%C3%8ANCIA_BREVE_
ESTUDO_COMPARADO_DE_UMA_LACUNA_NA_POL%C3%8DTICA_ANTITRUSTE
_BRASILEIRA

4 Art. 47. Os prejudicados, por si ou pelos legitimados referidos no art. 82 da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo para, em defesa de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos, independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do ajuizamento de ação.

5 Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995) (Vide Lei nº 13.105, de 2015) (Vigência)
I - o Ministério Público,
II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;
IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.
§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

6 JÚNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. Direito da concorrência e enforcement privado na legislação brasileira; RDC 2013, Vol. 1.

7 FARINA, Fernanda. "Setor Privado na defesa da concorrência". Disponível em: https://alfonsin.com.br/setor-privado-na-defesa-da-concorrncia/. Último acesso em 10/06/2016.

8 Voto do Conselheiro Fernando Furlan no Processo Administrativo 08012.009888/2003-70.

9 CORBITT, Craig. Pre-claim activities. The internacional handbook.... cit. p. 74.

10 Processo nº 2009.38.00.015651-4, 17ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais e Ação Ordinária nº 2009.34.00.035755-7.
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*Filipe Ribeiro Duarte é advogado da equipe de Direito Regulatório do Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.

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