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As decisões polêmicas do STF e a (in) segurança jurídica

Segurança jurídica que é um dos direitos fundamentais e, como tal, implica normalidade, estabilidade, proteção contra alterações bruscas numa realidade fático-jurídica.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Atualizado em 11 de julho de 2016 08:26

Em fevereiro de 2016, boa parte dos penalistas foi surpreendida com um julgamento - no mínimo - inesperado do STF: a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofenderia o princípio constitucional da presunção da inocência.

Um sujeito havia sido condenado a 5 anos e 4 meses pelo crime de roubo majorado, com direito a recorrer em liberdade. Recorreu ao TJ/SP, que negou provimento ao recurso e determinou a expedição de mandado de prisão. Inconformado contra esta ordem de prisão impetrou habeas corpus no STJ, que trazia, dentre seus argumentos, a inexistência de motivação da ordem de prisão por parte dos desembargadores do TJ e que a prisão foi determinada "após um ano e meio da prolação da sentença condenatória e mais de três anos após o paciente ter sido posto em liberdade, sem que se verificasse qualquer fato novo". O pedido foi deferido, tendo sido suspensa a prisão preventiva decretada na apelação.

O relator do caso, ministro Teori asseverou, em seu voto, até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, especialmente porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de Direito.

O julgamento foi considerado "histórico", e, por 7 votos a 4, a Corte autorizou a prisão após condenação em 2ª instância. Determinou-se que é possível o início da execução da pena condenatória após a prolação de acórdão condenatório em 2º grau justamente porque o recurso especial e o recurso extraordinário não possuem efeito suspensivo, ou seja, mesmo com a interposição destes, a decisão recorrida continua produzindo efeitos.

A decisão foi alvo de inúmeras críticas, e quando os garantistas pareciam haver se conformado com ela, uma nova decisão pareceu trazer de volta a luz no fim do túnel. No último dia 4 de julho, uma liminar foi concedida para suspender a execução do mandado de prisão sob o fundamento de que a decisão do TJ/MG, ao determinar o início do cumprimento da pena do réu antes do trânsito em julgado da condenação, ofende sim o princípio constitucional da presunção de inocência.

Trata-se de julgamento totalmente oposto ao primeiro, e que pode retomar às coisas ao status quo ante. Neste novo caso um outro sujeito havia sido condenado a 16 anos e 6 meses de reclusão pelos crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver, e a prisão preventiva foi substituída por algumas das medidas cautelares do art. 312 do CPP. A defesa recorreu, tendo seu recurso sido provido para reduzir a pena. Mas, como acontecera no primeiro caso citado, o TJ/MG determinou no recurso a imediata expedição de mandado de prisão para início de cumprimento de pena.

Em HC ao STJ, uma liminar foi concedida, mas no mérito o tribunal não conheceu do habeas corpus, tornando sem efeito a liminar.

A relatoria, desta vez, foi do ministro Celso de Mello, que entendeu que o TJ transgrediu postulado da presunção da inocência e ainda violou o artigo 617 do Código de Processo Penal, que determina que em recurso exclusivo da defesa não pode ser agravada a situação do réu.

Lembrou ainda o ministro que a decisão no HC 126292 (o primeiro citado neste artigo) não poderia ser aplicada no presente caso porque não se revestiu de eficácia vinculante, e que, portanto, os casos devem ser apreciados de maneira subjetiva, cada um levando em conta as suas próprias peculiaridades.

São decisões totalmente opostas, que deixam a sociedade desprovida da chamada "segurança jurídica". Segurança jurídica que é, diga-se, um dos direitos fundamentais (com previsão constitucional no art. 5º, XXXVI e XL) e, como tal, implica normalidade, estabilidade, proteção contra alterações bruscas numa realidade fático-jurídica. Trata-se da adoção pelo Estado de comportamentos coerentes, estáveis, não contraditórios.

A partir deste conceito, podemos concluir que as decisões comentadas não refletem exatamente o respeito a realidades consolidadas. Não se quer pregar, aqui, que a segurança jurídica é um princípio absoluto. De fato, nenhum é. Mas o que vimos foram os dois opostos conflitando entre si, e não uma simples ponderação de valores onde se abre mão de um princípio em prol do outro. Resta-nos aguardar uma decisão com repercussão geral.

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*Luciana Pimenta é coordenadora pedagógica no IOB Concursos, advogada e revisora textual.

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