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Centenário de um professor e estadista

Silvia Pimentel, Eduardo Muylaert e Rubens Naves

Neste momento em que vivemos um Brasil tão melancólico quanto ávido de valores e ações comprometidas com o bem comum, urge resgatar o otimismo das lições de cidadania e participação política de nosso generoso mestre e amigo André Franco Montoro.

terça-feira, 19 de julho de 2016

Atualizado em 18 de julho de 2016 14:59

A lição do professor André Franco Montoro, que faria cem anos na última quinta (14/7), parece servir como uma luva para o momento atual.

Quase todos conhecem o ser político Franco Montoro. Poucos sabem, entretanto, que o ser lógico e pedagógico Franco Montoro veio antes e que essa natureza é indissociável de sua atuação na esfera pública.

Desde que se formou em Direito na USP e filosofia na São Bento, em 1938, sua trajetória seria marcada por atividades acadêmicas intensas, contínuas e relevantes.

Na academia, Montoro foi professor de filosofia, de lógica, de Direito. Na vida, foi professor de ética, de política, de Justiça, de direitos humanos. Como bom professor, deixou inúmeros discípulos e influenciou toda uma geração.

É na PUC-SP, entretanto, onde Montoro obtém seu doutorado, que encontraria sua realização plena como professor de filosofia e de teoria geral do Direito.

E o que talvez poucos saibam, também, é de sua relação intrínseca com o nascedouro dessa mesma universidade, por exemplo, participando na elaboração da primeira versão dos estatutos da Fundação São Paulo, instituição mantenedora da PUC.

Era um período de muitos desafios, marcado no âmbito internacional pelo fim da Segunda Grande Guerra e, no Brasil, em particular, pelo momento da redemocratização e fim do Estado Novo.

O legado de Montoro, em particular ao Direito - no contexto e para além do ensino - é o de um jurista, que entre a teoria e a prática, ao longo de sua vida, produziu reflexões, teses, obras de valor reconhecidas e de validade permanente.

Apenas para destacar, mencionamos duas dessas obras. "Introdução à Ciência do Direito", seu best-seller, lançado em 1968, após muitos anos de docência, está hoje em sua 33ª edição e continua sendo adotado na Faculdade de Direito da PUC-SP e em inúmeras outras pelo Brasil afora.

A obra contém a maior parte da visão filosófica e prática de Montoro, priorizando a ideia de Justiça. Não por acaso, traz em epígrafe a citação de Eduardo Couture, nos seus "Mandamentos do Advogado", que seria também um dos mandamentos do professor: "Teu dever é lutar pelo direito, mas no dia em que encontrares o direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça".

Em seus "Estudos de Filosofia do Direito", obra publicada em 1981, Montoro propõe uma visão crítica do Direito, retomando e aprofundando alguns temas de sua predileção, como a necessidade de formação de juristas brasileiros, libertos do colonialismo cultural, e o papel da filosofia na luta pelo desenvolvimento, o que soa e ecoa como pauta válida para reflexão e ação nos dias de hoje.

Montoro lecionou durante os períodos em que ocupou diversos cargos políticos, como vereador, deputado estadual, deputado federal e senador. Apenas se afastou da PUC quando foi eleito governador de São Paulo, entre 1983 a 1987. Findo o mandato, logo voltou para a universidade, onde permaneceu dando aulas até o fim da vida.

O papel de Montoro como professor não poderia ter sido mais fecundo. Sempre buscou difundir suas ideias com clareza, tratando com atenção e cordialidade seus alunos, colegas e colaboradores.

Foi brilhante professor, jurista e notável político, por sua postura democrática, participativa e humanista. Sua despretensão e simplicidade representaram contraponto à arrogância de muitos professores, intelectuais e políticos do cenário nacional.

E Montoro foi mais. Além de professor, jurista e político, foi um grande estadista, no sentido dialético que todo estadista deveria ser: servidor, que a partir do Estado atua com "munus público" no interesse do bem comum; cidadão, que de forma participativa e igualitária busca uma sociedade mais justa e democrática.

Nesse sentido, empenhou-se em fazer um governo de modernização e humanização nas áreas de Justiça, sistema penitenciário e segurança pública.

Desafeto a centralizações e autoritarismos, descentralizou a administração do Estado em 42 regiões de governo e, no campo da educação, municipalizou a merenda e as construções escolares, por exemplo.

Enfrentou greves de professores e servidores públicos e, ao invés de retaliações e repressões, ao atender às suas reivindicações, obteve o respeito do funcionalismo.

Montoro é hoje quase uma unanimidade. No tempo de seu governo, suportou com altivez todas as críticas.

Superando-as, soube ser Montoro o tempo todo. Aliás, foi um exemplo ímpar de coerência na vida. Procurou fazer e, seu governo o mesmo que escreveu em seus livros, compartiu em suas aulas e em seus discursos de campanha.

A Faculdade de Direito da PUC-SP realizará em agosto, dia 29, no Tuca, uma justa e merecida homenagem ao centenário do nascimento desse grandioso professor e estadista.

Neste momento em que vivemos um Brasil tão melancólico quanto ávido de valores e ações comprometidas com o bem comum, urge resgatar o otimismo das lições de cidadania e participação política de nosso generoso mestre e amigo André Franco Montoro, que desde 1999 não está mais entre nós.

Presente, entre nós, está o sentimento de uma grande responsabilidade com a Justiça e democracia.

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*Rubens Naves é advogado do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados. Consultor de empresas, associações e fundações. Foi professor de teoria geral do Estado e exerceu a chefia do Departamento de Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da PUC-SP.

*Eduardo Muylaert é advogado da banca Muylaert, Livingston e Kok Advogados. Foi secretário da Justiça e da Segurança Pública no governo Montoro. Foi professor da Faculdade de Direito da PUC-SP e hoje é professor associado da Escola de Direito do Rio da Fundação Getulio Vargas.

*Silvia Pimentel é professora da Faculdade de Direito da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), integrante do Comitê da ONU para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher e do Conselho Consultivo do Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos das Mulheres.







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