MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Migalhas de peso >
  4. Compliance, o fim da cultura da corrupção

Compliance, o fim da cultura da corrupção

Caroline Macedo de Melo

A cada dia que passa é possível verificar mais indícios de que questões ligadas a práticas anticorrupção estão se incorporando à cultura mundial e em especial à cultura brasileira.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Atualizado em 20 de julho de 2016 11:47

Ao que tudo indica, compliance parece ser realmente um caminho sem volta. A cada dia que passa é possível verificar mais indícios de que questões ligadas a práticas anticorrupção estão se incorporando à cultura mundial e em especial à cultura brasileira. Essa conclusão pode ser obtida através de um rápido estudo acerca da evolução mundial em questões relativas ao combate à corrupção, controles internos e transparência, onde verificamos a concentração das principais ações mundiais nos últimos 15 anos e brasileiras nos últimos quatro anos.

Criada em 1977, a FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), lei americana anticorrupção, apenas passou a ser devidamente aproveitada muitos anos após sua promulgação, conforme veremos adiante.

Em 1988, durante a Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilício de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, conhecida como Convenção de Viena, tivemos a primeira definição mundialmente aceita sobre o crime de lavagem de dinheiro. O Brasil, como signatário, estava obrigado a legislar acerca desse crime, o que aconteceu apenas em 1998 com a lei 9.613.

Anos depois, no a^mbito da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), ocorreu a Convenc¸a~o sobre o Combate a Corrupc¸a~o de Funciona'rios Pu'blicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, cujo acordo foi devidamente ratificado pelo Brasil em 2000, comprometendo-se a realizar um trabalho conjunto com os outros Estados Parte, buscando possibilitar a implementac¸a~o de medidas de forma efetiva e coordenada para prevenir e reprimir a corrupc¸a~o de funciona'rios pu'blicos estrangeiros na esfera das transac¸o~es comerciais internacionais.

Nos EUA, alguns anos depois, em razão de importantes constatações de fraudes contábeis em grandes empresas, em especial na empresa Enron, foi criada a SOX (Sarbanes-Oxley), legislação que mudou a forma de reporte de informações, elevando a outro patamar questões de governança corporativa e exigindo a implementação de efetivos programas de controles internos. A promulgação desta lei, combinada aos atentados terroristas de 11 de setembro, que despertaram os olhares para a questão do financiamento ao terrorismo, resultou numa melhor utilização da FCPA, que até então vinha sendo subaproveitada. Atualmente mais de 80 empresas estão sendo investigadas em todo o mundo por possível violação à FCPA.

No Brasil, há alguns anos, encontrávamos profissionais dedicados à compliance apenas em empresas altamente reguladas, como instituições financeiras ou de saúde, e geralmente em razão do cumprimento de exigências legislativas, para administrarem, basicamente, questões regulatórias e para se relacionarem diretamente com o setor público. O cenário mudou após acaloradas manifestações populares, o grande avanço da Operação Lava Jato e a promulgação de três importantes instrumentos legislativos:

- Lei 12.683/12: que altera a antiga Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro;
-
Lei 12.846/13: Lei Anticorrupção;
-
Lei 12.850/13: Lei do Crime Organizado.

Em razão do determinado pela Lei Anticorrupção, pela qual as instituições que financiarem práticas infrativas responderão solidariamente, vemos uma forte tendência nos bancos, públicos ou privados, em exigir a existência de programas de integridade efetivos de seus clientes corporativos ao concederem empréstimos. Na mesma linha, já observamos a mesma exigência em processos licitatórios ou mesmo na celebração de contratos que não envolvem o poder público. Já é uma realidade empresas brasileiras de médio porte exigirem, não apenas o aceite em seus códigos de conduta destinados a prestadores, mas também a existência de uma estrutura, ainda que mínima, de compliance como condição essencial para a realização de negócios.

De 2012 para cá é possível citar inúmeros exemplos de atos que corroboram com a tese de que o compliance veio para ficar, mas citarei apenas alguns. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) editou a instrução 558 trazendo exigências às gestoras ou administradoras de carteiras de valores mobiliários, atribuindo a um diretor estatutário a responsabilidade pela implementação e cumprimento do Código de Ética e normas aplicáveis.

A antiga CGU, hoje Ministério da Transparência, instituiu através da portaria 784, o PROFIP (Programa de Fomento à Integridade Pública), cujo objetivo é iniciar um processo para implementação de programas de integridade em órgãos e entidades públicas.

Diversos acordos de leniência estão sendo discutidos e tantos outros já foram firmados. Um dos mais recentes, relativo à Operação Lava Jato, firmado entre Andrade Gutierrez e Procuradoria Geral da República, além da multa aplicada no valor de R$ 1 bilhão, estipulou uma questão de cunho nitidamente educativo: a publicação de uma nota pública de desculpas. Nesta nota, intitulada de "Pedido de desculpas e manifesto por um Brasil melhor", a empreiteira afirma estar implementando um sistema de compliance desde dezembro de 2013 e que busca reforçar o compromisso de serem "absolutamente intolerantes com qualquer tipo de desvio ético ou moral". Como fator motivacional a estas empresas podemos citar o caso Siemens, que após ser condenada por desrespeito à FCPA em 2006 tornou-se uma companhia exemplo no que se refere a programa de compliance para o mundo, tendo suas ações atingido um valor muito superior ao visto antes do escândalo.

Um fator determinante para a evolução do compliance é a cooperação internacional. Antes quase utópica, hoje vemos como realidade o fato de alguns países auxiliarem não apenas em processos criminais, mas também administrativos, com informações que antes eram mantidas em segredo. Um exemplo desse processo de amadurecimento foram as inúmeras tentativas do estado brasileiro em conseguir informações sobre possíveis contas suíças pertencentes ao político brasileiro Paulo Maluf há alguns anos atrás sem qualquer sucesso. Atualmente temos mais de 800 milhões de dólares congelados na Suíça em razão da Operação Lava Jato, fato este que comprova tal cooperação.

Chegou o momento em que as empresas perceberam o impacto dos custos non compliance (multas, restrições operacionais, perda de clientes, custo de remediação e especialmente os imensuráveis custos com a imagem negativa causada) e estão dispostas a mudar. Não é esperado que o Brasil atinja níveis avançados de compliance em pouco tempo, já que isto seria fruto de uma profunda mudança cultural, contudo estamos avançando a passos largos em direção a um país que não tolera mais atos de corrupção e que luta contra a impunidade. Há uma mudança de visão no sentido de considerar o compliance uma vantagem competitiva e não mais apenas um custo ou um empecilho para a realização de negócios. A perspectiva é que as empresas que não tenham um compliance minimamente estruturado que enfrentem grande dificuldade de atuação junto aos clientes e parceiros em um futuro bastante próximo.

__________

*Caroline Macedo de Melo é coordenadora de área de compliance no Mendes Barreto e Souza Leite Advogados. Especializada na área pelo Insper e em Direito e Processo do Trabalho pela PUC/SP, é graduada pela Mackenzie.


AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca