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Um congresso para repensar a questão do tabaco

Empresas foram condenadas a indenizar fumantes que contraíram doenças relacionadas ao tabaco.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Atualizado em 30 de setembro de 2016 12:50

Medicina e direito não tem se entendido quando se trata de doenças relacionadas ao tabaco. Enquanto o consenso médico está universalmente estabelecido há muitas décadas no mundo inteiro quanto à existência de relação direta entre fumar e doenças mortais como câncer de laringe e de pulmão e doenças cardíacas, além de outras, na jurisprudência não é reconhecido esse nexo causal nas ações de indenização promovidas por fumantes ou por seus sucessores. Entendem os julgadores (nem todos, mas no STJ as decisões são recorrentes) que essas doenças são multifatoriais e que, na ausência de reconhecimento taxativo, firmado por médico no atestado de óbito, que a vítima contraiu a doença fatal porque fumava, não é possível imputar ao fabricante que responde a ação a obrigação de indenizar. Trata-se, não há dúvida, de uma interpretação restritiva e extremamente conservadora do art. 403, do Código Civil, segundo o qual as perdas e danos devem resultar de ato "direto e imediato" do autor do dano.

Em boa hora, a ACT Promoção da Saúde organizou um Congresso internacional para debater outra vez esse tema. Na programação, além da esperada palestra inaugural de Marcelo Neves, haverá a participação de outros juristas nacionais e estrangeiros, assim como o ponto de vista da própria medicina.

Chamam a atenção alguns temas trazidos do cenário internacional e que estarão em debate no Congresso. Um deles é o Engle case, no qual o Tribunal da Flórida reconheceu que o cigarro causa mais de vinte doenças e que a indústria do tabaco cometeu fraude para ocultar esse fato.

Outro caso é o Master Settlement Agreement, que consiste em um acordo matriz firmado entre cinquenta e dois estados e territórios norte-americanos e seis empresas de tabaco, pelo qual estas últimas se comprometeram a pagar somas milionárias anuais desde o ano 2000 em diante, perpetuamente, constituindo uma espécie de fundo público. Atualmente, o valor anual é de mais de oito milhões de dólares e a partir de 2018 de será de nove milhões de dólares.

Um terceiro caso foi julgado na província de Québec, no Canadá, em 2015 (há uma apelação pendente que deverá ser julgada ainda este ano). Neste caso, três empresas foram condenadas em duas ações coletivas a indenizar fumantes que contraíram doenças relacionadas ao tabaco e a indenizar fumantes pelo simples fato da dependência da nicotina. Este último aspecto é relevante, porque considerou a dependência um dano autônomo.

Em todos esses casos, há o pressuposto de que a indústria do tabaco tinha conhecimento seguro desde a década de 60 de que nicotina causa dependência química e que o tabaco causa diversas doenças, mas omitiu dolosamente esses fatos da opinião pública.

O II Congresso Internacional "O Poder Judiciário e o Controle do Tabaco", a ser realizado dias 5 e 6 de outubro no Auditório Joaquim Nabuco, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, com apoio da Escola Nacional da Magistratura, será uma excelente oportunidade para repensar a ampla questão do tabaco, não apenas no que toca ao direito à indenização aos fumantes, mas também quanto à proibição da publicidade, adotada em diversos países, inclusive no Brasil, em que pesem as burlas que a indústria do tabaco vem praticando.

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*Adalberto Pasqualotto é advogado e professor de Direito do Consumidor na PUC/RS.

Alianca de Controle do Tabagismo

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