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Termos dúbios no trato legal das limitadas

O título do código sobre o direito de empresa, criou-se ali uma pauta de referências e parâmetros aprisionadores, amarrando a nova limitada em regras às vezes ambíguas, tudo isso em confronto com os tempos de regência do simplório decreto 3.708/19.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Atualizado em 22 de novembro de 2016 09:37

O exercício da profissão de advogado tem nos revelado certa "zona de sombra" no trato legal das sociedades limitadas como detalhado no CC atual.

Já se disse, com razão, que em má hora se revogou o velho decreto. 3.708/19, que por quase um século regulou o tratamento das importantes sociedades por cotas de responsabilidade limitada, essas que representam cerca de 90% das pessoas jurídicas no país, e a quase totalidade das pequenas e meias empresas.

Sendo um tanto confuso o título do código sobre o direito de empresa, criou-se ali uma pauta de referências e parâmetros aprisionadores, amarrando a nova limitada em regras às vezes ambíguas, tudo isso em confronto com os tempos de regência do simplório decreto 3.708/19 de pouquíssimas, mas claras e essenciais normas permitindo à jurisprudência sabiamente criar os alicerces daquelas sociedades por tanto tempo.

A aplicação supletiva das regras da nova sociedade simples (artigo 1053) fica confrontada com a possível invocação estatutária (parágrafo único do artigo acima) da aplicação subsidiária da lei das anônimas, a qual tem norma própria especificando o principio de que a cada ação, salvo hipóteses estatutárias, corresponde a um voto.

Pois recentemente vimos contrato social de empresa limitada varejista onde se consignava quórum deliberativo, em certas hipóteses, fora daquelas dos incisos I e II do artigo 1076 do CC, que fixava voto de maioria de sócios "per capita", vale dizer, independente do número de cotas de capital detidas por cada um.

Ora, no artigo 1010 ao tratar da gestão das sociedades simples o código expressa o mandamento de que as decisões "serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor da cota de cada um".

Este comando reflete um conceito básico nessas formações societárias, de que os que têm maior aporte de capital tem maior peso decisório.

Nas regras atinentes às limitadas o artigo 1072 remete a tal artigo 1010 no trato das deliberações, o que deve nos convencer que a chamada "maioria de votos" deve se apurar "segundo o valor das cotas de cada um"

Contudo, no trato minudente-excessivamente minudente - das limitadas, o código no artigo 1076 assim especifica:

"Ressalvado o disposto no artigo 1.061 e no $ 1º do artigo 1.063 as deliberações dos sócios serão tomadas:

I pelos votos correspondentes, no mínimo, a ¾ do capital social, nos casos previstos nos incisos V e VI do artigo 1.071.

II pelos votos correspondentes a mais da metade do capital social, nos casos previstos nos incisos II, III, IV e VIII do artigo 1.071.

III Pela maioria dos votos dos presentes, nos demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevada"

O que se observa é que ao tratar do quórum necessário para as deliberações elencadas nos incisos I e II o código fala em ¾ ou metade, num e noutro caso, "do capital social", enquanto nos demais casos de deliberação, tratados no inciso III, o código se refere a "maioria dos presentes", denotando se referir a voto "por cabeça", pois que não se presume que a lei use palavras, ou mesmo expressões, vãs.

Afinal se a regra genérica seria de se contar a maioria social em função das cotas de capital, porque essa distinção nos termos dos incisos I e II e de outro lado III do artigo 1076?

Não se vê tratadistas se dedicando a esse necessário refino desta regra legal, ou melhor, do conjunto dessas regras de deliberação emprestada pelo código às sociedades limitadas.

Claro que o artigo 110 da lei das sociedades anônimas confere o direito de voto a cada ação ordinária embora advertindo no $ 1º que o estatuto pode prever limites ao numero de votos de cada acionista.

Assim, de um lado a sociedade simples tem no artigo 1010 consagrando o princípio "cada cota um voto" e a sociedade anônima também no referente às ações nos termos de sua lei de regência.

Mas, aqui não estamos a rigor necessitando de lei subsidiária, nem as normas da sociedade simples, nem a lei das companhias, pois que há uma regra própria para as limitadas, a qual pela sua enviesada redação parece excepcionar naquele particular o princípio, de resto excepcionável, como vemos no caso frequente das ações e, hoje admitidas, também cotas preferenciais, de que "a maioria é calculada em função do numero de cotas não no de sócios"(Tavares Borba, "Direito Societário", 10 Ed.Renovar, pág.142). Aliás o próprio autor mais adiante, na mesma obra (pág.143) fala sobre o artigo 1046 III do código que "as decisões serão adotadas pela maioria dos votos presentes", contrastando com as regras dos outros incisos que falam em "maioria do capital".

Assim, esses termos dúbios do CC permitem uma certa insegurança como se observa em estudos como o da Consultora Tributária e pós graduada pela universidade Mackenzie Kathia Lourenço de Farias que em trabalho bem recente no site, afirma, sobre as decisões inseridas no artigo 1076 do código, que cuida se ali de "maioria dos presentes", claro, se o contrato social não exigir maioria mais elevada.
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*João Luiz Coelho da Rocha é advogado e sócio do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados, e professor da PUC/RJ.


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