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Julgados recentes do TJ/SP desconsideram a boa-fé do terceiro adquirente quando da decretação de fraude à execução

O retorno ao entendimento de que a fraude à execução é verificada tão somente quando haja ação em curso, seria uma enorme involução ao ordenamento.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Atualizado em 5 de dezembro de 2016 07:28

Em maio do presente ano, pouco tempo após o início da vigência do CPC, advertíamos que a proteção do terceiro adquirente de boa-fé estava em xeque nos termos do atual CPC.

Segundo artigo publicado nesse rotativo, alertávamos que a súmula 375 do STJ1 poderia ser revogada a considerar nova redação estabelecida no art. 792, do CPC (clique aqui).

Também advertíamos que, embora a lei 13.097/15 (editada pouco antes do CPC/15) tenha consolidado a concentração dos atos na matrícula, determinando que não poderiam ser opostas situações jurídicas não constantes na matrícula do bem, o CPC/15 poderia reformular um entendimento doutrinário e jurisprudencial criado desde meados dos anos 90, do século passado.

Isso porque, o CPC/15, retomando a redação do CPC/73 (art. 593, inciso II), determina que é considerada fraude à execução "quando ao tempo da alienação ou oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo a insolvência" (art. 792, inciso IV).

Embora os incisos I, II e III do art. 792, reafirmem a ideia da súmula 375 e da lei 13.097/15, determinando que a fraude à execução requer registro da penhora e averbação de ato de constrição, o inciso IV põe tudo a perder, uma vez que, segundo o texto legal, bastaria uma simples ação em curso capaz de reduzir o devedor à insolvência para que fosse decretada a fraude à execução (desde que o alienante tivesse sido citado).

Em defesa da proteção ao terceiro adquirente de boa-fé, naquele texto, defendemos o teor da lei 13.097/15 e da súmula 375 do STJ. Além disso, aguardávamos os primeiros julgados para saber se a jurisprudência teria um enorme retrocesso ou corrigiria o que pensávamos ser, talvez, um erro técnico do legislador.

Fato é que no dia 28 de setembro, em evento realizado no Sinduscon-SP (CongressoJurídico), indaguei, na presença de muitos colegas, ao Des. Francisco Loureiro, qual seria a posição do TJ/SP a respeito da fraude à execução, a considerar a nova redação imposta pelo art. 792, inciso IV, do CPC/15. Para a nossa surpresa, o Des. Francisco Loureiro, um dos mais prestigiados desembargadores do TJ/SP, afirmou que, no entendimento dele, o atual código revogava a súmula 375 do STJ.

Ressalte-se que, embora a súmula 375 do STJ presuma a boa-fé do terceiro de adquirente quando não há registro na matrícula, referida presunção é relativa e, portanto, ainda que não haja qualquer informação a respeito de constrição sobre o bem, provando-se que o adquirente tinha conhecimento de algum apontamento, fica comprovada a má-fé e deve ser reconhecida a fraude à execução.

Somos defensores, portanto, da forma como foi construída a súmula 375, do STJ e da lei 13.097/15, que confere maior segurança às transações imobiliárias, além de determinar ao credor, uma conduta pró ativa para que realize averbação da ação executiva ou mesmo o imediato registro da penhora na matrícula do bem que pretende excutir.

O retorno ao entendimento de que a fraude à execução é verificada tão somente quando haja ação em curso (da qual o alienante tenha sido citado) em nossa opinião, seria uma enorme involução ao ordenamento.

Ocorre que, em recente pesquisa no TJ, com pesar, verifiquei recentes decisões que retomam a mesma ideia de julgados da década de 1970, desconsiderando o registro da penhora na matrícula do imóvel.

Refiro-me, por exemplo, ao julgado da lavra do Des. Vito Guglielmi, julgado no dia 27 de outubro de 20162. Segundo o julgado, que reformou decisão de 1º grau, basta ação em curso contra o devedor capaz de reduzi-lo à insolvência para que seja decretada a fraude à execução. O julgado desconsiderou o teor da súmula 375, do STJ.

Além disso, em outro julgado3, datado do dia 17 de novembro de 2016, o Des. Ruy Coppola afirmou que "para a caracterização da fraude à execução nestas hipóteses, mostra-se necessária a presença de dois requisitos fundamentais: a existência de ação em curso, com a citação válida do réu/executado e que a alienação ou oneração do bem conduza o devedor ao estado de insolvência". No que diz respeito à súmula 375, do STJ, o julgado afirma que "em se tratando de transferência gratuita de propriedade imóvel, não se aplica a súmula 375 do STJ, porquanto irrelevante, em tais hipóteses, perquirição quanto à boa-fé dos donatários".

Em acórdão da lavra do Des. Sérgio Shimura4, afirmou-se que a súmula 375 não tem caráter vinculante e que "a lei não exige necessariamente o conluio fraudulento. Basta que o executado aliene seus bens após a citação, cuja venda o reduza a insolvência". Por fim, assevera o julgado que "pela máxima de experiência, todo interessado na aquisição de imóvel deve pesquisar junto ao distribuidor cível da situação do imóvel ou do domicílio do alienante para constar se pende alguma demanda contra o alienante".

Advirto o leitor, contudo, que há esperança. Os julgados acima não refletem a jurisprudência aparentemente majoritária do Tribunal Paulista, que ainda possui inúmeras decisões5 reafirmando que a fraude à execução requer a observância do registro da penhora na matrícula do bem, presumindo a boa-fé do terceiro adquirente (presunção relativa, repita-se).

Nesses termos, na esperança de que a presunção de boa-fé prevaleça sob a presunção de má-fé, continuamos animados de que o atual CPC/15 não retroceda à construção doutrinária e jurisprudencial da súmula 375, do STJ.
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1 Súmula 375: "O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente".

2 TJ/SP, Agravo de instrumento nº 2102787-20.2016.8.26.0000, Rel. Vito Gugliemi, j. 27 de outubro de 2016.

3 TJ/SP, Agravo de Instrumento nº 2161835-07.2016.8.26.0000, Rel. Ruy Coppola, j. 17 de novembro de 2016.

4 TJ/SP, Agravo de Instrumento nº 2020018-52.2016.8.26.0000, Rel. Sergio Shimura, j. 11 de maio de 2016.

5 Nesses termos, Apelação 1066584-04.2015.8.26.0100, Rel. Tasso Duarte de Melo, j. 9 de novembro de 2016; Apelação 0000190-87.2016.8.26.0363, Rel., Melo Colombi. j. 17 de novembro de 2016; Apelação 0046534-34.2012.8.26.0114, Rel. Moreira Viegas, j. 10 de novembro de 2016.

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*Alexandre Junqueira Gomide é advogado do escritório Junqueira Gomide & Guedes Advogados Associados. Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e mestrando em Direito Civil pela faculdade de Direito da USP.



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