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Frank has a cold

Fiquei impressionada em ler na sexta-feira, dia 6 de janeiro, que uma magistrada usou a CF e o CC para "fundamentar" que a ética jornalística limita a liberdade de imprensa.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Atualizado às 10:34

Quem lê jornais e revistas desde a década de 50 talvez não se lembre, mas, nem sempre as reportagens eram como são (ou deveriam ser) hoje. Nos anos 60, um grupo de americanos inovou ao criar o conceito de "New Journalism", o Novo Jornalismo em tradução literal que nada mais é do que uma boa reportagem, bem apurada e muito bem escrita como se literatura fosse.

Deste movimento, muitos nomes se destacaram mundialmente. Sabe "Bonequinha de Luxo", o filme da Audrey Hepburn? É baseado em um conto de um dos maiores jornalistas desta época, Truman Capote, que também escreveu "A Sangue Frio" (a história de como ele trabalha foi contada em Capote e Philip Seymour Hoffman ganhou o Oscar de melhor ator por interpretar o papel título).

Todos são excelentes, mas o meu favorito é o Gay Talese. Ele nos ensina até hoje como uma boa reportagem é feita: sujando os sapatos. Seu livro sobre o The New York Times, "O Reino e o poder", é uma das melhores obras do jornalismo e da literatura.

Em termos de reportagem, são raros os que chegam ao nível dele que inovou ainda mais que seus colegas quando publicou "Frank Sinatra has a cold". Gay Talese tinha que fazer um perfil do Frank Sinatra, mas, vejam só, o cantor não queria conceder uma entrevista. Como o repórter é mestre na arte de sujar sapatos, lá se foi ele e entrevistou todo mundo (repito: TODO MUNDO) menos o Frank Sinatra. O título, algo como "Frank Sinatra está resfriado" criou um alvoroço quando chegou às bancas (para os jovens, é aquele lugar onde vendiam jornais. Jornais, ah, vocês sabem o que são jornais!). "Sinatra resfriado é como Picasso sem tinta e uma Ferrari sem combustível", escreveu.

Uma reportagem não necessariamente tem que ouvir o outro lado porque muitas vezes não tem outro lado para contar. Ou não queria contar, como foi o caso de quem cantou "New York, New York". E reportagem, é bom dizer, difere de nota que, por definição, é um texto curto. A nota pode ser opinativa- a reportagem não.

Uma reportagem não pode (ou pelo menos não deve) oferecer juízo de valor. Deve simplesmente trazer os fatos apurados de maneira equilibrada. Reportagem e matéria se equivalem em conceito.

Fiquei impressionada em ler na sexta-feira, 6, que uma magistrada usou a CF e o CC para "fundamentar" que a ética jornalística limita a liberdade de imprensa. Cláudio Abramo ensinou que a "ética do jornalista é a ética do cidadão" em seu livro póstumo, "A Regra do Jogo". Pelo que ando lendo por aí, a ética do cidadão anda bem ruim já que ela praticamente não existe no jornalismo, ofício que exerço como formada (jovens: na época a gente estudava e se graduava em Comunicação Social) há 19 anos (eu sei que não parece, comecei cedo). Vide, por exemplo, o recente caso do juiz Luis Valois e da ministra Luciana Lóssio.

Nunca cogitei em ensinar um padre a rezar uma missa e muito menos uma juíza a decidir. Mas, como jornalista e estudante de Direito, fiquei incomodada com o fato de uma representante do Juizado Especial Cível tentar ensinar um veículo como Migalhas o princípio da boa-fé objetiva relacionando-o à liberdade de imprensa. Como bem expressou, "cuide ela de distribuir a Justiça, que cuidamos nós de distribuir as migalhas".

No que entendo, bem que ela poderia fazer como Frank na matéria de Gay Talese: "ele simplesmente sorriu e prosseguiu".

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*Ivy Farias, 35 anos, é jornalista e estudante de Direito da UMC/ Campus Villa-Lobos-Lapa.

                                                                 

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