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O planejamento tributário como uma ferramenta de gestão

O planejamento tributário é uma importante ferramenta para reduzir custos e aumentar a rentabilidade dos negócios

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Atualizado às 09:39

O planejamento tributário é uma importante ferramenta para reduzir custos e aumentar a rentabilidade dos negócios, porém, os órgãos administrativos estão muito atentos e criteriosos com os procedimentos que visam reduzir a carga tributária. Para ilustrar essa afirmação, vale analisar um recente julgado do CARF no qual o órgão compreendeu como lícita a segregação de empresas do mesmo grupo econômico. Mas antes, é necessário estudar os conceitos aplicados pelo Conselho.

O sucesso empresarial no século XXI está ligado a uma variada gama de questões além da boa técnica de produção ou fornecimento de mercadorias e serviços. Obviamente, o desenvolvimento de boas mercadorias ou a prestação de serviços de excelência são a base da evolução empresarial. Mas, também é importante analisar outros fatores que podem influenciar substancialmente o desenvolvimento econômico.

É de conhecimento comum que alguns tributos compõem diretamente os preços das mercadorias e serviços. Com isso, o planejamento tributário vem se destacando como uma importante forma de otimizar as atividades empresariais.

A redução da carga tributária pode aumentar a rentabilidade do negócio pela via da redução do preço oferecido no mercado e aumento das vendas, ou simplesmente pelo aumento da lucratividade com base na redução dos custos de produção ou prestação de serviços.

O conceito de planejamento tributário pode ser entendido, em síntese, como o conjunto de práticas lícitas que viabilizam a execução das atividades empresariais com a menor carga tributária possível. Basicamente, estão fora desse conceito (i) os atos ilícitos e (ii) os incentivos fiscais de fomento a determinados setores.

O planejamento tributário não é uma tarefa fácil. Exige alto conhecimento da legislação e das atividades empresariais exercidas. Isso porque o direito tributário, regido pelos princípios da legalidade e da tipicidade, possui inúmeras regras específicas para cada setor.

O princípio da legalidade tributária limita o ente tributante que somente pode cobrar tributos instituídos e regulamentados por lei. Isso significa que os fatos não previstos na lei como geradores de tributação não podem ser tributados até que a lei o determine como gerador de tributação.

O princípio da tipicidade norteia o legislador no sentido de que a lei tributária deve estipular especificamente quais fatos estão sujeitos a quais condições de tributação (base de cálculo, alíquotas, qualificação do contribuinte, tipo de mercadoria, tipo de serviços etc.).

A partir dos princípios da legalidade e da tipicidade, podemos observar que o Brasil possui incontáveis normas tributárias determinando as características das operações, dos serviços, das mercadorias, dos contribuintes etc. no sentido de conferir um tratamento tributário específico, previamente determinado, para cada fenômeno que ocorre no mundo social.

São tantas normas que muitas vezes os contribuintes se confundem, aplicando uma norma quando o Fisco entende que deveria se aplicar outra. Outras vezes os contribuintes interpretam as normas tributárias de formas diferentes e, por isso, envolvem-se em processos administrativos e/ou judiciais para consolidar um entendimento juridicamente seguro.

Além dos erros de aplicação das normas e das diferenças interpretativas conferidas às leis tributárias, muitos contribuintes praticam atos simulados e fraudes com o objetivo de reduzir a carga tributária. Esses casos são mais complicados, visto que a legislação tributária permite a aplicação de multas de até 150% do tributo suprimido em razão de fraude, e a legislação penal prevê pena de reclusão pelo cometimento de crime contra a ordem tributária.

De fato, o planejamento tributário não é tarefa fácil. O mau planejamento pode gerar multas graves e até mesmo levar o contribuinte para a cadeia, caso se verifique elementos de fraude. Por outro lado, o bom planejamento tributário pode reduzir consideravelmente os custos de uma atividade empresarial e produzir efeitos muito positivos.

Também não existem fórmulas preestabelecidas para se alcançar a redução da carga tributária nos moldes legais. Cada atividade possui características muito específicas de ciclo produtivo, logística, métodos de prestação de serviços, materiais utilizados como insumos etc.

O que se sabe é que existem inúmeros julgados favoráveis e desfavoráveis ao contribuinte quando o assunto é planejamento tributário. Dentre a maioria deles, percebe-se uma constante preocupação dos órgãos fiscalizadores no sentido de que não é possível realizar o citado conjunto ordenado de atos, juridicamente possíveis no direito privado, se o objetivo desse planejamento for única e exclusivamente a redução de tributos.

Da jurisprudência, inclusive internacional, infere-se que o planejamento tributário é válido quando possuir metas distintas da redução de tributos. A doutrina norte-americana nomeou esse entendimento de "business purpose"; que no Brasil é conhecida por teoria do propósito negocial.

A teoria do propósito negocial, desenvolvida nos Estados Unidos ainda no início do século XX, afirma que o planejamento tributário não pode abusar das formas jurídicas previstas na legislação. Isso significa que mesmo que a estrutura jurídica adotada pelo contribuinte seja legal, não será válida, para fins tributários, caso o conjunto de atos não possua uma razão econômica em si, diversa da economia de tributos.

Pode soar estranho tal entendimento se confrontado com o princípio da livre iniciativa garantido pela CF. É de se questionar a possibilidade de as autoridades fiscais desconsiderarem um conjunto de atos jurídicos válidos no âmbito civil, sujeitas inicialmente a certas condições tributárias, para conferir-lhe uma tributação mais onerosa.

É que para as autoridades fiscais, a substância do negócio jurídico deve prevalecer sobre as formas. Não pode o contribuinte realizar uma série de atos complexos e declarar, por meio de formas e documentos, também complexos, atos jurídicos de natureza diferente daquela que realmente é. A realidade prevalece sobre as formas documentais.

Com vistas a evitar atuações abusivas dos contribuintes que possuem a capacidade criativa de gerar documentos em série com o objetivo de dissimular atos jurídicos que não ocorreram na realidade é que o legislador criou a norma antielisiva prevista no parágrafo único, do art. 116 do Código Tributário Nacional. Esse dispositivo autoriza os órgãos fiscalizadores a desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.

Portanto, não adianta o contribuinte criar um conjunto de documentos com o intuito de pagar menos imposto se as operações realizadas por ele não se sustentarem no mundo jurídico tributário.

Por outro lado, bons especialistas do ramo podem analisar as atividades do contribuinte e enxergar formas jurídicas viáveis de se reduzir a carga tributária, orientando-o a produzir a documentação correta para apresentar ao fisco em casos de questionamentos.

Um exemplo disso é que muitos gestores procuram os especialistas com o objetivo de separar as atividades sociais de uma empresa em empresas distintas e, com isso, obter o direito de aproveitar créditos de tributos não cumulativos e/ou reduzir a base de cálculo de imposto de renda de pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro líquido apurados no regime de lucro real em razão da criação de uma etapa de circulação entre as empresas, que antes era unificada.

Existem inúmeros julgados que não consideram essa operação válida para fins tributários porque os atos jurídicos visaram apenas a redução da carga tributária e não possuem fundamentos econômicos em si. Em termos técnicos, carecem de propósito negocial.

Por outro lado, recentemente o CARF proferiu uma decisão favorável aos contribuintes (acórdão nº 3302003.138) no sentido de que é possível empresas do mesmo grupo econômico atuarem separadamente e acarretar as reduções tributárias citadas.

No caso, em análise, uma empresa produzia mudas e cultivava árvores para produzir madeira, e a outra empresa comprava essas madeiras para processar e industrializar celulose e outros produtos.

Os auditores fiscais da Receita Federal desconsideraram as operações de compra e venda entre as empresas do mesmo grupo, glosaram créditos de PIS e COFINS, glosaram a dedução das despesas das bases de cálculo de IRPJ e CSLL, aplicaram a multa de 150% e requereram responsabilidade solidária dos gestores. Por fim, noticiaram o seu entendimento ao Ministério Público para apurar ocorrência de crime contra a ordem tributária.

Para os fiscais, não seria possível ocorrer compra e venda de materiais entre empresas do mesmo grupo econômico, e assim, caracterizaram as etapas produtivas das empresas como se fossem apenas uma empresa, sem direito a crédito de PIS e COFINS e sem direito de dedução das despesas da base de cálculo do IRPJ e CSLL. No auto de infração alegaram simulação sujeita ao controle antielisivo do art. 116, p.ú. do CTN e indícios de crime contra a ordem, tributária, previstos na lei 8137/90.

Entretanto, o contribuinte recorreu ao CARF e conseguiu reverter a decisão garantindo o seu direito de se creditar de PIS e COFINS e de deduzir as despesas das bases de cálculos do IRPJ e CSLL. A multa de 150% foi cancelada e como não se constituiu o crédito tributário, a materialidade para eventual ação penal do MP também foi desconstituída. Para o CARF, as empresas possuem atividades próprias e distintas umas das outras e contam com vários elementos que permitem a segregação das atividades também para fins tributários.

Em suma, o CARF percebeu que as empresas, apesar de serem do mesmo grupo econômico, possuem vidas próprias, autonomia e existência operacional, e por isso, o planejamento tributário está provido de propósito negocial. A decisão declara que a redução da carga tributária é um interesse legítimo do contribuinte uma vez que não pode ser compelido a percorrer o caminho mais oneroso quando lhe é possível dispender menos.

Essa análise pormenorizada dos elementos jurídicos e fáticos que permitem as empresas a planejar e definir métodos de produção e prestação de serviço é muito específica e carece alto nível de compreensão da legislação tributária para que o planejamento seja proveitoso.

Diante da força tributária estatal, resta aos empresários convocar seus especialistas para construir uma estrutura lógica e jurídica para os seus negócios, alinhando estratégias de mercado, logística, tecnologia, etc., às estratégias contábeis, financeiras e tributárias e de gestão. Tudo isso, dentro da legalidade, para se mitigar os riscos e para que os resultados dos esforços sejam positivos.

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*Marcos Camilo M. da Costa é advogado tributarista especializando em Finanças e Gestão de Negócios.

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