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Aplicação do Teto Constitucional às empresas estatais (PEC 58/16): avanço ou retrocesso?

A PEC 58/16 apresentada ao Senado Federal tem o objetivo de submeter os empregados e dirigentes das empresas públicas e sociedades de economia mista ao teto constitucional remuneratório do serviço público, que equivale ao subsídio, em espécie, de ministro do STF, atualmente no valor de R$ 33.763,00.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Atualizado às 09:42

A PEC 58/16 apresentada ao Senado Federal tem o objetivo de submeter os empregados e dirigentes das empresas públicas e sociedades de economia mista ao teto constitucional remuneratório do serviço público, que equivale ao subsídio, em espécie, de ministro do STF, atualmente no valor de R$ 33.763,00.

A referida PEC é de autoria do senador Dário Berger (PMDB/SC) e de relatoria do senador Ataídes Oliveira (PSDB/TO). Segundo o primeiro parlamentar, as justificativas que sustentam a referida PEC, em substância, são: a) as políticas salariais das estatais estariam "incondizentes não só com a realidade estatal como também com a da atividade privada"; b) a extrema escassez de recursos públicos impõe o uso de todos os instrumentos possíveis para o seu resguardo; c) a cultura da "inesgotabilidade dos recursos públicos empurrou a gestão administrativa" dessas entidades aos limites da irresponsabilidade remuneratória; d) a PEC reviverá a interpretação do Texto Constitucional anterior à EC 19/98, conforme reconhecido pelo STF1.

Relator da matéria (senador Ataídes Oliveira) é favorável a modificação que se propõe a PEC, pois, consoante seu Relatório, são: a) "irreais [os] padrões remuneratórios praticados no âmbito de empresas públicas e sociedades de economia mista, principalmente no plano federal"; b) há escassez óbvia de recursos públicos; c) é necessário findar a percepção generalizada da inesgotabilidade dos recursos públicos2.

A PEC ainda será analisada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania antes de seguir para o Plenário do Senado Federal.

O teto constitucional está disciplinado no art. 37, inciso XI, da CF, cuja redação, em essência, submete a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos integrantes dos Poderes da República e das esferas da Federação ao teto geral que corresponde ao subsídio mensal, em espécie, de ministro do STF (há ainda menção a subtetos).

Havia dúvida se o teto remuneratório previsto no dispositivo precitado se aplicaria às empresas estatais (como são tradicionalmente chamadas as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias). Eram as seguintes as interpretações possíveis à época: o art. 173, §1º, II, CF impõe às empresas estatais o regime jurídico próprio das empresas privadas, razão pela qual as estatais estariam excluídas da incidência do teto; lado outro, por integrarem a Administração Pública Indireta estariam as aludidas entidades submetidas ao teto. Mediante a ADI-MC 1.033/DF (DJ de 16.09.94), o STF assentou a questão para fixar que o teto do art. 37, XI, CF se impunha às empresas estatais.
Nada obstante, com a promulgação da EC 19/98 houve inserção do §9º ao art. 37 CF

nos seguintes termos: "O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do DF ou dos municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral."

O constituinte derivado adotou o critério da dependência financeira para definir quais as empresas estatais se sujeitam à regra do teto remuneratório. Esse mesmo critério foi acolhido pela LC 101/00, lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ao dispor que a empresa estatal dependente é a "empresa controlada que receba do ente controlador recursos financeiros para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital, excluídos, no último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária." (art. 2º, inciso III, LRF)3.

As despesas de custeio são aquelas necessárias à manutenção das atividades das empresas e nelas estão incluídas as despesas de pessoal, material de consumo, serviços de terceiros e as destinadas a atender a obras de conservação e adaptação de bens imóveis (arts. 12, §1º, e 13 da lei 4.320/64).

Diante desse contexto, após a EC 19/98 e alguns influxos normativos da LRF, pode-se entender que somente as empresas estatais dependentes de recursos orçamentários e financeiros decorrentes da entidade política controladora (União, Estados, DF e municípios) estão submetidas ao teto remuneratório do art. 37, XI, CF. As demais entidades dessa natureza, por serem independentes sob o aspecto orçamentário e financeiro, podem pagar salários aos seus empregados e dirigentes em valores superiores ao teto.

A PEC 58/16 retoma a ideia anterior à EC 19/98 ao conferir ao § 9º do art. 37 a seguinte redação: "O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista e suas subsidiárias."

Em consonância com a inspiração que permeia a PEC, há na doutrina quem critique a redação atual do §9º ao art. 37 CF. Segundo José dos Santos Carvalho Filho, esse dispositivo "permite o pagamento de salários muito superiores aos padrões de mercado em entidades administrativas, nas quais, como é sabido, impera frequentemente o mais deslavado nepotismo4."

Ocorre que a modificação no Texto Constitucional a que se propõe a PEC pode provocar efeitos indesejáveis nas atividades das empresas estatais, notadamente relacionados à perda de capital humano (atratividade e retenção) para empresas concorrentes do setor privado e ao decréscimo de eficiência igualmente afivelado à evasão de pessoal com expertise técnica nas diversas áreas de atuação das estatais.

Os empregados e dirigentes das empresas estatais não gozam da estabilidade prevista no art. 41 CF, que é cristalino ao dispor que somente serão estáveis "os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo", desde que atendidos os requisitos constitucionais. As regras de aposentadoria aplicáveis são as que disciplinam o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), consoante os arts. 201 e 202 CF.

Ora, não sendo reconhecida a estabilidade e a aposentadoria pelo Regime Próprio de Previdência Social (art. 40 CF), a atratividade principal dos empregados e dirigentes das estatais tende a ser o salário a ser percebido, que deve ter por parâmetro os valores praticados no mercado.

Uma empresa estatal que é independente orçamentária e financeiramente da entidade política controladora que autorizou sua criação pode (e deve) ter política salarial atrativa e condizente com o patamar remuneratório de mercado, notadamente àquelas que atuam em regime de concorrência com as empresas do setor privado.

Noutras palavras, a empresa estatal que não depende de repasses do Tesouro para cobrir suas despesas de custeio não pode estar limitada à incidência de teto remuneratório, sob pena de ter seu o melhor capital humano cooptado por outras empresas que remunerem os seus empregados e administradores com elevados salários do mundo corporativo. Trata-se de lógica remuneratória voltada à atratividade e à retenção de pessoas com expertise técnica.

Não se defende que sejam pagos "supersalários" a empregados e dirigentes de empresas estatais, mas salários estimulantes e parametrizados pelo mercado, com vistas a permitir ganho de competitividade com as empresas do setor privado. Perderá em eficiência, por evasão de pessoal qualificado, a empresa estatal que não adotar política salarial em padrões nivelados com o nicho de mercado em que atua.

Ora, as justificativas apresentadas pelo autor e relator da PEC para subsidiá-la parecem não se sustentar. Primeiro, porque dificilmente alguém defenderia a tese da "inesgotabilidade" de recursos públicos, que, como se sabe, são parcos e estão cada vez mais contingenciados, principalmente em época de crise econômica. Entretanto, esse fato (crise ou escassez de recursos) não autoriza medidas prejudiciais à atividade das empresas estatais, que tenderiam a agravar a situação dessas entidades. Segundo, se o problema for mesmo o pagamento de salários em patamar superior aos parâmetros do mercado (algo que demandaria pesquisa empírica cuidadosa para confirmar essa assertiva), que a modificação no texto do §9º do art. 37 seja para incluir no dispositivo regra nesse sentido, isto é, que imponha expressamente o parâmetro dos salários praticados pelo mercado, apesar de se entender que essa previsão, prima facie, seja desnecessária haja vista que está implícita no Texto Constitucional ao fixar que as empresas estatais estão submetidas ao regime jurídico próprio das empresas privadas (art. 173, §1º, II, CF).

Essa PEC, apesar de tratar de matéria distinta, parece estar na contramão da recente lei 13.303/16 - estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias -, que, entre outras medidas, estabeleceu (art. 17 e incisos), em tema de qualificação para ocupar cargos de membros de conselho de administração, diretor, inclusive presidente dessas entidades, a necessidade de comprovar reputação ilibada, notório conhecimento, experiência profissional, formação acadêmica compatível e não incidir nas hipóteses de inexigibilidade da LC 64/905.

Percebe-se que o legislador, na lei 13.303/16, preocupou-se com o ingresso de pessoas efetivamente qualificadas nos altos cargos das empresas estatais ao impor relevantes e essenciais requisitos. Em consequência, o salário desses profissionais deve estar em alinho com o do setor privado de referência. Submeter empregados e dirigentes de estatais autossuficientes (estatais independentes) ao teto remuneratório constitucional pode comprometer o binômio "atratividade" e "retenção" de talentos necessários à condução dos "negócios" estatais, especialmente em regime de concorrência com as empresas do setor privado. Logo, em vez de ingresso de técnicos e administradores qualificados, conforme os critérios normativos da lei 13.303/16, haverá evasão de pessoas com expertise técnica.

Espera-se que essa PEC seja objeto de maiores discussões nas comissões por que passará e nas sessões do Plenário das Casas do CN para que sejam sopesados esses pontos, e alguns outros que certamente surgirão, antes de se reformar o texto atual do §9º do art. 37. Entende-se que caso a PEC seja aprovada haverá retrocesso e agravamento da situação das empresas estatais do Brasil.

Aguarda-se ainda que o constituinte derivado não se olvide de que as regras novas devem corrigir distorções efetivamente existentes, mas sempre de forma equilibrada e com suficientes debates em torno das variáveis que impliquem a reforma do Texto Constitucional, e, ainda, sem se descuidar da eficiência que norteia a Administração Pública (art. 37, caput), da qualidade técnica que deve igualmente orientar as atividades das empresas estatais e das possíveis consequências negativas que podem decorrer de mudanças irrazoáveis.
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1.Disponível em: clique aqui. Acesso em 15.01.2017.
2.Disponível em: clique aqui. A
cesso em 15.01.2017.
3.Caso a estatal seja dependente, há inteira submissão à LRF; se independente orçamentária e financeiramente, está sujeita aos princípios da gestão fiscal responsável do art. 1º, §1º, LRF, por se enquadrar no conceito de empresa controlada do art. 2º, II, LRF: "sociedade cuja maioria do capital social com direito a voto pertença, direta ou indiretamente, a ente da Federação".
4. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 27. ed., São Paulo: Atlas, 2014, p. 764.
5.Trata-se de regra digna de encômios por ter o objetivo de coibir algo antigo e prejudicial que é o aparelhamento das estatais brasileiras por governos e partidos políticos, consequência de um patrimonialismo brasileiro igualmente vetusto que revela a má distinção ou confusão entre o "espaço" público e o "espaço" privado.

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*André Luis Nascimento Parada é Auditor Federal de Controle Externo do TCU e Assessor de Ministro-Substituto do TCU. Advogado.

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