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A justiça na era do "copiar e colar"

A lei obriga os juízes a fundamentar suas decisões levando em conta os argumentos expostos pelas partes (art. 93, IX, da CF c.c. art. 141, do NCPC), mas garante a eles o livre convencimento racional durante a apreciação das provas produzidas nos autos (art. 371, do NCPC).

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Atualizado às 09:43

A lei obriga os juízes a fundamentar suas decisões levando em conta os argumentos expostos pelas partes (art. 93, IX, da CF c.c. art. 141, do NCPC), mas garante a eles o livre convencimento racional durante a apreciação das provas produzidas nos autos (art. 371, do NCPC). Ao julgar o juiz é convocado a aplicar a lei aos fatos expostos e demonstrados pelos litigantes. É óbvio, portanto, que dois juízes podem divergir tanto quanto ao conteúdo da norma (interpretação) quanto sobre os acontecimentos relevantes para a solução da demanda (valoração das provas).

A individualidade de cada juiz também se infiltra nas decisões através dos seus hábitos discursivos e estilo de escrita. Cada pessoa tem uma história pessoal e intelectual distinta das demais. As verdades de uma geração geralmente são questionadas por outra. Quais são as possibilidades de dois juízes proferirem decisões idênticas em casos semelhantes? Nenhuma.

O uso dos computadores, porém, está produzindo um efeito oposto. As duas decisões abaixo foram proferidas em casos semelhantes por juízes distintos. Um dos processos é digital o outro é físico. A primeira decisão data de 25 de janeiro de 2015, a segunda foi proferida em 30 de novembro de 2016.

Não existe qualquer diferença entre os dois despachos. As modificações são irrelevantes, pois os detalhes de cada caso sequer foram especificamente discutidos pelos desembargadores. Estamos, portanto, diante de uma perigosa e ilegal uniformização de decisões mediante o artifício de "copiar e colar" modelos.

Os cidadãos em cujos processos estas decisões foram proferidas são operários. Eles são os "menos iguais" cujos recursos ao STJ podem ser sumariamente descartados pelo TJ/SP. O mesmo tratamento, porém, não é dado aos processos envolvendo os "cidadãos de bem", aqueles cujo cabedal econômico e familiar acarreta uma maior atenção dos desembargadores durante a prolação das decisões.

Ao julgar o HC 128.880 SÃO PAULO, o ministro Gilmar Mendes concedeu liminar no HC dando um puxão de orelha no magistrado que usou um modelo pré-pronto sem discutir os detalhes do caso em que proferiu a decisão. Quem vai puxar a orelha do presidente da Seção de Direito Público do TJ/SP? O CNJ? Veja a matéria na íntegra aqui.

Carmem Lúcia atribuiu sigilo às delações envolvendo líderes do PMDB e do PSDB. Os vazamentos de informações contra líderes do PT em situação análoga foram legitimados em razão da ausência de punição dos responsáveis. É evidente que Carmem Lúcia não vai "copiar e colar" os procedimentos e decisões dados por aqueles que ajudaram a imprensa a denegrir Lula e Dilma Rousseff vazando informações sigilosas. Todavia, isto significa apenas a confirmação do padrão duplo aqui questionado. A duplicidade neste caso ocorrerá justamente pela punição que será imposta aos servidores que vazarem informações contra Michel Temer, José Serra, Aloysio Nunes e outros membros da quadrilha que assaltou o poder em 2016.

"Muita saúva e pouca saúde, os males do Brasil são". É preciso atualizar esta frase de efeito. "Muito copiar e colar e pouca justiça, os males do Brasil doravante serão."

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*Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado.

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