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A ética dos advogados e agentes da propriedade industrial e o conflito de interesses

Palestra proferida na sede da ASPI - Associação Paulista da Propriedade Intelectual, em 9/3/17.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Atualizado em 21 de março de 2017 17:42

O art. 19 do Código de Ética da OAB dispõe:

"Art. 19. Os advogados integrantes da mesma sociedade profissional, ou reunidos em caráter permanente para cooperação recíproca, não podem representar, em juízo ou fora dele, clientes com interesses opostos."

A propriedade industrial se insere em um ramo mais amplo do Di­reito, deno­mi­na­do pro­prie­da­de inte­lec­tual. Esta, por sua vez, ­inclui-se tra­di­cio­nal­men­te entre os direi­tos reais, dos quais o mais abran­gen­te é o direi­to de pro­prie­da­de, que se exer­ce sobre bens ima­te­riais.

Essa colo­ca­ção não é pací­fi­ca, pois mui­tos espe­cia­lis­tas do direi­to au­to­ral o incluem entre os direi­tos de per­so­na­li­da­de, como o di­rei­to à ima­gem e à pri­va­ci­da­de, e não entre os direi­tos reais. Po­rém, mesmo que se con­si­de­re que, pelo aspec­to patri­mo­nial, o direi­to de autor tam­bém seja uma forma de pro­prie­da­de sobre o fruto da cria­ção inte­lec­tual, sub­sis­te outra ver­ten­te dos direi­tos de autor, os deno­mi­na­dos direi­tos ­morais de autor, que, sem dúvi­da, se clas­si­fi­cam como direi­tos de per­so­na­li­da­de. Assim são o direi­to à inte­gri­da­de da obra, o direi­to de iné­di­to e o direi­to de ligar o nome à obra ou de tirá-la de cir­cu­la­ção, direi­tos esses que com­pe­tem ao autor como pes­soa e são de cará­ter ina­lie­ná­vel, impres­cri­tí­vel e irre­nun­ciá­vel.

Essa inter­fe­rên­cia com os direi­tos de per­so­na­li­da­de não se res­trin­ge aos direi­tos de autor, mas ocor­re tam­bém com os direi­tos do inven­tor, seja quan­to ao direi­to de iné­di­to (o inven­tor não pode ser obri­ga­do a reve­lar sua inven­ção), seja quan­to ao direi­to de ter seu nome de cria­dor men­cio­na­do na paten­te.

Mesmo as mar­cas e o nome comer­cial ou de empre­sa, que o Direi­to trata como uma forma de pro­prie­da­de, aden­tram os direi­tos de per­so­na­li­da­de quan­do for­ma­dos por nome ou ima­gem de pes­soa, ou por obras artís­ti­cas ou seus títu­los.

Assim, não pode­mos enca­rar a pro­prie­da­de inte­lec­tual exclu­si­va­men­te sob o ângu­lo dos direi­tos reais sobre bens ima­te­riais. Por outro lado, tais bens ima­te­riais são obje­to de negó­cios jurí­di­cos de alie­na­ção ou licen­ça de explo­ra­ção, maté­ria dos direi­tos obri­­ga­cio­nais. Nesse ramo do Direi­to, tam­bém se ­incluem as obri­ga­ções decor­ren­tes de atos ilí­ci­tos de vio­la­ção de segre­do indus­trial ou ­outros atos de con­cor­rên­cia des­leal.

Dessa forma, a pro­prie­da­de inte­lec­tual se acha pre­sen­te nas três cate­go­rias dos direi­tos sub­je­ti­vos: os direi­tos reais, os direi­tos de per­so­na­li­da­de e os direi­tos obri­ga­cio­nais.

Caso se restrinja, entre­tan­to, ape­nas à ver­ten­te patri­mo­nial des­ses direi­tos, a pro­prie­da­de inte­lec­tual irá con­sis­tir em direi­tos reais sobre bens ima­te­riais.

Entre os bens ima­te­riais, sobre­le­vam os que são fruto da cria­ção inte­lec­tual: os direi­tos de autor e os direi­tos do inven­tor, ou do autor de cria­ções indus­triais, na expres­são ado­ta­da pela Cons­ti­tui­ção de 1988.

O reco­nhe­ci­men­to legis­la­ti­vo rela­ti­vo aos direi­tos sobre as cria­ções inte­lec­tuais é fruto da Revo­lu­ção Fran­ce­sa, de 1789. No mesmo ano em que foi pro­mul­ga­da a Lei Cha­pel­ier, em 1791, que extin­guiu os pri­vi­lé­gios das cor­po­ra­ções de ofí­cios e con­sa­grou a li­ber­da­de de indús­tria, a Assem­bleia revo­lu­cio­ná­ria votou leis de pro­te­ção aos auto­res e aos inven­to­res.

Na dis­cus­são dos pro­je­tos, argu­men­ta­va-se ser a pro­prie­da­de sobre o fruto do tra­ba­lho inte­lec­tual a mais sagra­da das pro­prie­da­des, pois não resul­ta­va da ocu­pa­ção (como a pro­prie­da­de sobre a terra) e o autor tra­zia ao mundo uma obra antes ine­xis­ten­te.

Note-se, assim, que essa cate­go­ria de bens foi ins­ti­tuí­da com cará­ter niti­da­men­te con­cor­ren­cial, para subs­ti­tuir o sis­te­ma fecha­do das cor­po­ra­ções de ofí­cios.

Os direi­tos de autor e os direi­tos do inven­tor toma­ram rumos diver­sos: os direi­tos auto­rais pas­sa­ram a fazer parte do direi­to civil, sendo que sua tute­la não depen­de de for­ma­li­da­des de regis­tro ou de paga­men­to de taxas, e sua dura­ção é longa, inde­pen­den­te­men­te de explo­ra­ção da obra; os direi­tos sobre as cria­ções indus­triais fazem parte do direi­to comer­cial, sendo que sua tute­la depen­de da con­ces­são de um títu­lo pelo Esta­do (a paten­te), estão sujei­tos a taxas de ma­nu­ten­ção, seu prazo de pro­te­ção é mais curto e a lei esta­be­le­ce san­­ções para a não explo­ra­ção, como a licen­ça com­pul­só­ria e a cadu­ci­da­de por falta de uso. A Lei de Pro­prie­da­de Indus­trial brasileira, em vigor desde maio de 1996, esten­de essas san­ções para o caso de uso abu­si­vo das paten­tes ou abuso de poder eco­nô­mi­co.

Mais uma vez, res­sal­ta-se o cará­ter con­cor­ren­cial des­ses bens.

­Alguns tipos de cria­ção, como o ­design, o soft­wa­re, os cir­cui­tos inte­gra­dos e as varie­da­des vege­tais, pas­sa­ram a ser obje­to de leis espe­ciais, que lhes con­fe­rem um tra­ta­men­to sui gene­ris e que se preo­cu­pam com sal­va­guar­das que impe­çam sua explo­ra­ção de forma abu­si­va.

O suces­so do sis­te­ma de pro­te­ção à pro­prie­da­de indus­trial, median­te a con­ces­são de um títu­lo de exclu­si­vi­da­de con­fe­ri­do pelo Esta­do, fez com que ele se esten­des­se às mar­cas por meio do regis­tro. Criou-se, assim, um novo bem ima­te­rial, obje­to dessa forma espe­cial de pro­prie­da­de, embo­ra essa tute­la não seja, no caso, con­fe­ri­da em re­co­nhe­ci­men­to a um ato de cria­ção, mas para o fim de repri­mir a con­­cor­rên­cia des­leal. Esse direi­to com­pe­te ao empre­sá­rio, não ao autor. Dessa forma, as marcas passaram a inte­grar o qua­dro da pro­prie­da­de in­te­lec­­tual, ao lado dos direi­tos auto­rais e dos direi­tos sobre as cria­­ções indus­triais. Os direi­tos sobre os ­sinais dis­tin­ti­vos e sobre as cria­ções in­dus­triais com­põem a pro­prie­da­de indus­trial. No mundo mo­der­no, porém, as obras inte­lec­tuais são tam­bém obje­to do trá­fi­co comer­cial, por meio das indús­trias edi­to­rial, grá­fi­ca, fono­grá­fi­ca e de empre­sas de comu­ni­ca­ções e diver­sões, sujei­tan­do-se, em con­se­quên­cia, às nor­mas regu­la­do­ras da con­cor­rên­cia.

Assim, se os usuá­rios do sis­te­ma eram, ini­cial­men­te, os auto­res e os inven­to­res, hoje o usuá­rio prin­ci­pal é a empre­sa, que exige do Esta­do e dos orga­nis­mos inter­na­cio­nais uma pro­te­ção mais efi­cien­te para sua pro­prie­da­de inte­lec­tual, que passa a repre­sen­tar valor subs­tan­cial em seus ati­vos. Outro usuá­rio moder­no do sis­te­ma são os ins­ti­tu­tos de pes­qui­sa e as uni­ver­si­da­des, que vis­lum­bram obter do sis­te­ma ren­di­men­tos para cus­tear suas ati­vi­da­des. No Brasil, essas ins­ti­tui­ções ainda não estão apa­re­lha­das para pro­te­ger com efi­ciên­cia suas cria­ções e até mesmo suas mar­cas, quan­do se vol­tam ao mer­ca­do.

É natu­ral que assim seja, pois o cará­ter niti­da­men­te empre­sa­rial e con­cor­ren­cial desse ramo do Direi­to pare­ce ina­de­qua­do ao meio cien­tí­fi­co e, prin­ci­pal­men­te, ao ambien­te uni­ver­si­tá­rio. De ago­ra em dian­te, um pro­fes­sor uni­ver­si­tá­rio que quei­ra divul­gar, peran­te os meios aca­dê­mi­cos, o resul­ta­do de suas pes­qui­sas terá de pen­sar em soli­ci­tar uma paten­te, antes que um cole­ga, conterrâneo ou es­tran­gei­ro, faça-o, em pre­juí­zo de sua ins­ti­tui­ção. Essa ins­ti­tui­ção, por sua vez, terá de in­ves­tir recur­sos para reque­rer paten­tes para as in­ven­ções de seus pes­qui­sa­do­res e, prin­ci­pal­men­te, criar ser­vi­ços para divul­gar inter­na­men­te o novo espí­ri­to mer­can­ti­lis­ta que aden­tra as uni­ver­si­da­des.

Esses recur­sos são neces­sá­rios, ainda, para soli­ci­tar essas pa­ten­tes em ­outros paí­ses, se se tra­tar de uma inven­ção rele­van­te, caso con­trá­rio sua explo­ra­ção por ter­cei­ros nes­ses paí­ses será livre, sem nenhu­­ma com­pen­sa­ção pecu­niá­ria para o inven­tor e para a ins­ti­tui­ção.

Dessa forma, as uni­ver­si­da­des e os cen­tros de pes­qui­sas, par­ti­cu­la­res ou públi­cos, pas­sam tam­bém a ser agen­tes da glo­ba­li­za­ção da eco­no­mia, mesmo que con­tra o espí­ri­to con­ser­va­dor da tra­di­ção uni­ver­si­tá­ria.

Em 31 de dezem­bro de 1994, ­entrou em vigor, no Bra­sil, o de­cre­to 1.355, que pro­mul­ga o cha­ma­do acor­do TRIPs, ins­tru­men­to da glo­ba­li­za­ção da pro­prie­da­de indus­trial.

A lei bra­si­lei­ra de pro­prie­da­de indus­trial - lei 9.279, de 1996 -, incor­po­ra as nor­mas do acor­do inter­na­cio­nal a que o Bra­sil ade­riu. Todas as for­mas de pro­prie­da­de inte­lec­tual, incluin­do os cha­ma­dos seto­res emer­gen­tes, pas­sam a rece­ber tute­la em forma de pro­prie­da­de.

Esse novo espí­ri­to foi obje­to de aná­li­se em livro edi­ta­do em 1994, de auto­ria de Fred Wars­hofsky, sob o títu­lo The patent wars: the bat­tle to own the world's tech­no­logy.

A pro­prie­da­de inte­lec­tual se tor­nou a nova rique­za das ­nações, portanto é preciso adap­tar-se aos novos tem­pos.

De um lado, como usuá­rios do sis­te­ma, os cen­tros de pes­qui­sas neces­si­tam tomar cons­ciên­cia da com­pe­ti­ção e orga­ni­zar-se inter­na­men­te para esse fim. Do outro lado, estão os ­órgãos admi­nis­tra­ti­vos de con­ces­são de direi­tos de proprie­da­de inte­lec­tual: o INPI e os diver­sos ­órgãos des­cen­tra­li­za­dos de regis­tro de direi­tos de autor.

É pre­ci­so que o gover­no fede­ral se cons­cien­ti­ze de que o INPI não é mais um sim­ples órgão admi­nis­tra­ti­vo de regis­tros car­to­riais, mas um ins­tru­men­to de polí­ti­ca eco­nô­mi­ca nos novos tem­pos. Um ponto posi­ti­vo é o fato de o INPI ter apro­xi­ma­do-se fun­cio­nal­men­te do Cade para a repres­são do abuso do poder eco­nô­mi­co exer­ci­do por meio de direi­tos de pro­prie­da­de indus­trial. Mas o INPI neces­si­ta de urgen­te apoio do gover­no fede­ral para que possa exer­cer efi­cien­te­men­te sua rele­van­te fun­ção ­social e eco­nô­mi­ca, a começar pela instalação de sua sede legal em Brasília.

No entan­to, a pro­prie­da­de inte­lec­tual não se res­trin­ge à pro­prie­da­de indus­trial. O Bra­sil pos­sui um sis­te­ma sui gene­ris de regis­tro des­cen­tra­li­za­do de direi­tos de autor, com exce­ção dos direi­tos au­to­rais sobre pro­gra­mas de com­pu­ta­dor, que foram dele­ga­dos ao INPI pelo Con­se­lho Nacio­nal de Direi­to Auto­ral.

As ­demais face­tas do direi­to de autor, como os ­livros, as obras de belas-artes, o cine­ma, a arqui­te­tu­ra, acham-se dis­per­sas pelas mais varia­das ins­ti­tui­ções, dife­ren­te­men­te do que ocor­re em ­outros paí­ses que pos­suem um Copy­right Offi­ce ou uma Dire­cción Nacio­nal de Dere­cho de Autor. É fácil ima­gi­nar os abu­sos e as con­fu­sões que de­cor­rem desse sis­te­ma retró­gra­do.

A lei 9.279/96, em seu art. 241, de forma mais didá­ti­ca que impe­ra­ti­va, auto­ri­za "o Poder Judi­ciá­rio [...] a criar juí­zos espe­ciais para diri­mir ques­tões rela­ti­vas à pro­prie­da­de inte­lec­tual". Embo­ra não se deva abu­sar da cria­ção de juí­zos espe­ciais, é certo que o sis­te­ma emper­ra­rá se, no momen­to de dar efi­cá­cia ao direi­to, fica­rem as par­tes sujei­tas aos ris­cos e às demo­ras judi­ciais.

O Bra­sil se obri­gou, pelo acor­do TRIPs, a garan­tir a efi­cá­cia dos direi­tos de pro­prie­da­de inte­lec­tual, deven­do, por isso, moder­ni­zar os ­órgãos admi­nis­tra­ti­vos e judi­ciá­rios envol­vi­dos.

Do lado pri­va­do, para com­ple­tar o tripé, exis­te a figu­ra do agen­te da pro­prie­da­de indus­trial. Da mesma forma que, por prin­cí­pio cons­ti­­tu­cio­nal, o advo­ga­do é parte essen­cial para a apli­ca­ção da Jus­ti­ça, o agen­te da pro­prie­da­de indus­trial é ele­men­to essen­cial para o fun­cio­­na­men­to do sis­te­ma de pro­prie­da­de indus­trial/inte­lec­tual no Bra­sil.

É inú­til o INPI anun­ciar pela Voz do Bra­sil (outro res­quí­cio do en­tu­lho buro­crá­ti­co) que está à dis­po­si­ção dos usuá­rios para aten­dê-los sem a inter­me­dia­ção do agen­te da pro­prie­da­de indus­trial. Os que ex­pe­ri­men­ta­ram fazê-lo conhe­cem as conse­quên­cias.

O agen­te é um pro­fis­sio­nal que repre­sen­ta a parte peran­te o INPI e que deve­rá ter conhe­ci­men­to jurí­di­co e téc­ni­co. É uma ati­vi­da­de mul­ti­dis­ci­pli­nar, mas que se inse­re no âmbi­to da con­cor­rên­cia, que tisna todo o sis­te­ma da pro­prie­da­de inte­lec­tual.

É ver­da­de que exis­tem mui­tos pro­fis­sio­nais atuan­do nessa área sem a qua­li­fi­ca­ção téc­ni­co-jurí­di­ca neces­sá­ria. Em minha opi­nião de advo­ga­do e pro­fes­sor de direi­to, o exer­cí­cio dessa ati­vi­da­de deve­ria ser res­tri­to aos advo­ga­dos, asses­so­ra­dos por peritos engenheiros, quan­­do uma ação tem por obje­to uma paten­te.

Duran­te a vigên­cia do Códi­go da Pro­prie­da­de Indus­trial de 1971, a ati­vi­da­de de repre­sen­ta­ção peran­te o INPI este­ve aber­ta a todos. À época, essa aber­tu­ra foi pro­vi­den­cial, pois a ati­vi­da­de esta­va res­tri­ta a cer­tos gru­pos cor­po­ra­ti­vos que, como ver­da­dei­ros car­tó­rios, mono­po­li­za­vam o exer­cí­cio da pro­fis­são.

Outro cunho da Lei de 1971 foi seu enfo­que ten­den­cio­sa­men­te nacio­na­lis­ta, o que trou­xe como efei­to a pola­ri­za­ção dos usuá­rios do sis­te­ma. As empre­sas estran­gei­ras se con­cen­tra­ram jun­to a um peque­no núme­ro de escri­tó­rios que defen­diam seus inte­res­ses, mui­tas vezes legí­ti­mos. As empre­sas nacio­nais, sem pen­sar nos desa­fios da glo­ba­li­za­ção, pas­sa­ram a se ser­vir de peque­nos agen­tes, esco­lhi­dos exclu­si­va­men­te pelo cri­té­rio do menor preço (cri­té­rio esse uti­li­za­do pelos ­órgãos públi­cos de pes­qui­sas, por meio de con­cor­rên­cia).

Embo­ra o sis­te­ma inter­na­cio­nal de pro­prie­da­de indus­trial te­nha adap­ta­do-se aos novos desa­fios, esse ter­cei­ro pé do tripé per­ma­ne­ce tão anti­qua­do e con­ser­va­dor como se esti­vés­se­mos no iní­cio do sécu­lo pas­sa­do.

Obvia­men­te, mesmo que se moder­ni­ze o INPI, que se cen­tra­li­ze o regis­tro de direi­tos auto­rais e o Poder Judi­ciá­rio crie jui­za­dos espe­ciais, o sis­te­ma não pode fun­cio­nar se a repre­sen­ta­ção das par­tes peran­te o INPI não tiver cará­ter con­cor­ren­cial. Neces­si­ta­-se, nessa área, de uma Lei Cha­pel­ier, que acabe com as cor­po­ra­ções de ofí­cios.

A regra neces­sá­ria a ser ins­ti­tuí­da é que um agen­te de pro­prie­da­de indus­trial não possa aten­der empre­sas con­cor­ren­tes. Pare­ce ób­vio, mas não é assim.

O Ato Nor­ma­ti­vo INPI 142, de 25 de agos­to de 1998, que ins­ti­tuiu o Códi­go de Con­du­ta Pro­fis­sio­nal do Agen­te da Pro­prie­da­de Indus­trial1, esta­be­le­ce em seu item 9:

O Agen­te da Pro­prie­da­de Indus­trial ou os agen­tes inte­gran­tes da mesma socie­da­de pro­fis­sio­nal de Agen­tes da Pro­prie­da­de Indus­trial, ou reu­ni­dos em cará­ter per­ma­nen­te para coo­pe­ra­ção recí­pro­ca, não devem repre­sen­tar junto ao INPI, em um pro­ces­so espe­cí­fi­co, simul­ta­nea­men­te, clien­tes em con­fli­to de inte­res­se.

Quan­do a Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (Abapi) pre­pa­rou o ante­pro­je­to do Códi­go de Con­du­ta, não havia o tre­cho acima gri­fa­do. O texto reza­va que "o Agen­te [...] ou os Agen­tes [...] não devem repre­sen­tar junto ao INPI clien­tes em con­fli­to de inte­res­ses".

Inex­pli­ca­vel­men­te, no Ato Nor­ma­ti­vo foi acres­cen­ta­do: "em um pro­ces­so espe­cí­fi­co, simul­ta­nea­men­te". Esse acrés­ci­mo tor­nou abso­lu­ta­men­te inó­cua a proi­bi­ção da repre­sen­ta­ção em con­fli­to de inte­res­ses.

Ao que cons­ta, não houve ­nenhum pro­tes­to da Abapi con­tra esse acrés­ci­mo.

A pro­pó­si­to, lem­bro-me de um comen­tá­rio do velho pro­fes­sor Canu­to Men­des de Almei­da, que era minis­tro do gover­no Getú­lio Var­gas quan­do da edi­ção do Códi­go da Pro­prie­da­de Indus­trial de 1945. Ele me disse: "Veja na parte que cuida da pro­cu­ra­ção de estran­gei­ro que houve uma troca de pala­vras no cor­re­dor do Cate­te". Exa­mi­nan­do o texto do decreto-lei 7.903/45, encon­trei o art. 214, que esta­be­le­cia o seguin­te: "a pes­soa domi­ci­lia­da no estran­gei­ro, para depo­si­tar marca ou paten­te, deve­rá, desde logo, cons­ti­tuir pro­cu­ra­dor hábil, domi­ci­lia­do no país, que a repre­sen­te peran­te o Depar­ta­men­to Nacio­nal da Pro­prie­da­de Indus­trial".

O pará­gra­fo único desse arti­go, no entan­to, saiu com a seguin­te reda­ção: "O man­da­to, que pode­rá con­ter pode­res para rece­ber pri­mei­ras cita­ções, será arqui­va­do no Depar­ta­men­to, na forma do dis­pos­to no arti­go pre­ce­den­te".

Evi­den­te­men­te, trocou-se deve­rá por pode­rá, isso foi devi­da­men­te cor­ri­gi­do nas leis sub­se­quen­tes, pois o texto daque­le pará­gra­fo tal como foi publi­ca­do tor­nou-se, tam­bém, abso­lu­ta­men­te inó­cuo.

A con­cen­tra­ção de repre­sen­ta­ção de par­tes em con­fli­to de inte­res­ses não prejudi­ca somen­te as par­tes repre­sen­ta­das, que, nor­mal­men­te, até des­co­nhe­cem o fato, por­que os ­órgãos de clas­se ten­tam coi­bir o dis­clo­su­re, sob a ale­ga­ção de que o envio de comu­ni­ca­ções ao mer­ca­do é falta de ética, o que é muito cômo­do para man­ter o sta­tus quo. Essa con­cen­tra­ção, na ver­da­de, inibe o desen­vol­vi­men­to de agen­tes de pro­prie­da­de indus­trial con­cor­ren­tes que aten­dam a par­tes que competem no mercado.

Em suma, impe­de o desen­vol­vi­men­to do setor de ser­vi­ços, que cons­ti­tui um ele­men­to essen­cial para que todo o sis­te­ma de pro­prie­da­de indus­trial bra­si­lei­ro fun­cio­ne.

Nem se diga que essa é uma ques­tão que deve ser resol­vi­da no mer­ca­do, median­te a com­pe­ti­ção entre as empre­sas de ser­vi­ços con­cor­ren­tes. A con­cen­tra­ção da ati­vi­da­de em pou­cas mãos, median­te o arti­fí­cio de aten­di­men­to em con­fli­to de inte­res­ses, fere as nor­mas da con­cor­rên­cia e impe­de que o sis­te­ma des­lan­che para a moder­ni­da­de.

O INPI em sua resolução 4/2013 dispôs em seu art. 9º:

"Art. 9º O agente da propriedade industrial ou os agentes integrantes da mesma sociedade profissional de agentes da propriedade industrial, ou reunidos em caráter permanente para cooperação recíproca, não devem representar junto ao INPI, em um processo específico, simultaneamente, clientes em conflito de interesse."

Já a ABAPI em seu Código de Ética de 2013 preferiu omitir-se acerca do tema.

Finalmente, o art. 5º do Código de Ética da ASPI dispôs corretamente:

"Artigo 5º - Constitui infração a este Código os seguintes procedimentos:

[...]

(ii) atender clientes em conflito de interesses; e"

______________

*Newton Silveira é advogado, mestre em Direito Civil, doutor em Direito Comercial e professor senior na pós-graduação da Faculdade de Direito da USP. Sócio do escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados.

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