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Da (im)possibilidade de redução do valor da multa cominatória (astreinte) vencida no CPC/15: análise jurisprudencial

Carolina de Oliveira Leite Bezerra Cavalcanti e Isadora Dowsley Pinto Ribeiro

Faz-se necessário acompanhar qual será o posicionamento do STJ, no tocante à possibilidade, ou não, de redução do valor das astreintes vencidas na égide do CPC/15.

terça-feira, 28 de março de 2017

Atualizado em 24 de março de 2017 11:51

A multa cominatória, também conhecida como astreinte, é uma multa imposta pelo juiz em função da demora no cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer, com o principal objetivo de pressionar psicologicamente o devedor a cumprir com a prestação1 devida, sendo, portanto, um dos meios executivos de coação2, utilizados pelo Poder Judiciário, para efetivação das decisões judiciais. Possuindo caráter coercitivo, questiona-se a possibilidade, ou não, de redução do valor da multa cominatória vencida (=acumulada), sob a égide do CPC/15; tema que será analisado adiante, senão vejamos.

Conforme dispõe o art. 537, §1º, CPC/15, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que (i) se tornou insuficiente ou excessiva ou (ii) o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

Observa-se que, enquanto há previsão expressa sobre a possibilidade de redução do valor da multa vincenda, isto é, aquela que ainda irá vencer, não há previsão sobre a possibilidade, ou não, de redução do valor da multa vencida, o que suscita questionamentos e controvérsias sobre a matéria.

Na vigência do CPC/73, a jurisprudência admitia a possibilidade de modificação ou exclusão de astreintes, vencidas ou vincendas, alegando fatores como (i) vedação ao enriquecimento ilícito da parte destinatária da multa e (ii) dever de razoabilidade e de proporcionalidade entre o valor final da multa e o valor da obrigação principal3.

Frisa-se, ainda, que segundo entendimento majoritário do STJ, a decisão que arbitrava astreintes não precluia, tampouco fazia coisa julgada material, tendo em vista que era facultado ao magistrado impor esse meio de coerção, cabendo a este, da mesma maneira, a revogação da multa, quando a mesma se tornasse excessiva ou desnecessária4, em consonância ao art. 461, §6º, CPC/735.

Percebe-se, entretanto, que esse entendimento estimulava à inadimplência por parte dos litigantes, bem como não estava em congruência com a função primordial das astreintes, qual seja, a de dar efetividade à ordem emanada pelo Estado-Juiz6.

Na vigência do CPC/15, no entanto, percebe-se uma mudança gradativa desse entendimento jurisprudencial, uma vez que surgem precedentes elucidando que, independentemente da fase processual, estando as multas vencidas, estas não poderão ser modificadas ou excluídas, baseando-se na interpretação literal do art. 537, §1, CPC/15. De acordo com esta interpretação, apenas seria possível a redução no valor da multa vincenda, não podendo se falar, portanto, em redução do valor da multa vencida.

Corroborando com o afirmado, destaca-se recente decisão do TJRJ, no julgamento do AI 0039701-07.2016.8.19.0000, pelo qual firmou-se entendimento de que não é admissível a alteração de valor de multa já vencida, pois tal fato implicaria na redução do valor de um crédito já configurado do demandante, violando-se, assim, um direito adquirido, em conformidade com o art. 537, §1º, CPC/15. Nesse julgado, destacou-se, ainda, que não há como elucidar sobre enriquecimento ilícito, haja vista que, mesmo que eventualmente ocorra o enriquecimento do credor, este será causado pela demora do devedor em efetivar o comando contido na sentença judicial. O enriquecimento, então, é consequência de uma previsão contida em um provimento judicial. Há, assim, um meio válido; um adequado título jurídico, que fundamenta o enriquecimento. Inadmissível, portanto, que se considere ilícito7.

Nesse mesmo sentido, a 2° Turma do TJRS tem sido uníssona em afirmar a impossibilidade de redução de multa vencida8, colacionando, inclusive, lição de Marcelo Abelha9 para ratificar este entendimento, qual seja:

"É importante observar que a possibilidade de o magistrado, fundamentadamente, modificar o valor e a periodicidade da multa, e até mesmo excluí-la nas hipóteses descritas nos incisos do §1.º do art. 537, restringe-se apenas ao que não se referir ao passado, ou seja, apenas a situações vincendas, posto que para o passado já está acobertada pela preclusão, salvo se tiver sido objeto de impugnação recursal da parte. A expressão "modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la" deixa muito claro que não pode o juiz, sob pena de violar a segurança jurídica, mexer a seu bel prazer com a multa, ora colocando, ora tirando, como se fosse um joguete nas suas mãos. Apenas sobre as vincendas é que poderá revogar ou alterar o seu valor ou periodicidade."

Em suma, extrai-se que as alterações em torno das astreintes seriam permitidas apenas com eficácia ex nunc, ficando, pois, inatacáveis as multas já vencidas, ao passo em somente as multas vincendas se sujeitariam, segundo a literalidade do art. 537, §1º, CPC/15, a alterações ou exclusões.

Contudo, embora a vigência do CPC/15 tenha retomado e acirrado a discussão sobre a possibilidade, ou não, de redução do valor das astreintes vencidas, embasando-se, sobretudo, no disposto no art. 537, §1º, CPC/15 - o que já possui bastante efeitos práticos, frise-se - a jurisprudência ainda não se apresenta unânime em relação à matéria.

Isto porque, ainda há (na vigência do CPC/15) uma série de precedentes, defendendo a possibilidade de redução do valor da multa vencida, alegando, dentre outros motivos, que (i) a fixação de multa não faz coisa julgada material, de modo que pode ser revista a qualquer tempo, inclusive de ofício, quando se mostrar excessiva e não razoável, levando-se em consideração o proveito econômico perseguido na demanda, (ii) a multa tem natureza coercitiva, portanto quando atinge patamar exorbitante desvia-se da sua finalidade, causando enriquecimento ilícito do demandante, impondo-se a sua redução10, (iii) os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade devem orientar a fixação da penalidade11, (iv) a multa cominatória deve guardar relação com a obrigação principal do cumprimento de sentença, sob pena de a penalidade ser mais atrativa ao credor que a própria tutela específica12.

Com efeito, faz-se necessário acompanhar qual será o posicionamento do STJ, no tocante à possibilidade, ou não, de redução do valor das astreintes vencidas na égide do CPC/15, tendo em vista as inúmeras divergências sobre a questão; fato este que não pode prosperar em um sistema normativo que preza pela segurança jurídica.

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1 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 18ª ed., 2010, P. 256.
2 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller; 1998, p. 349-350.
3 Neste sentido: STJ - AgRg no AREsp: 363280 RS 2013/0204806-2, Relator: Ministro: João Otávio de Noronha; Data de julgamento:19/11/2013; T3 - Terceira Turma; Data de publicação: DJe 27/11/2013
4 Neste sentido: REsp 1333988/SP (2012/0133161-8), Min. Rel. Paulo de Tarso Sanserverino, Data de Julgamento: 09/04/2014, S2 - Segunda Seção, Data de Julgamento: 09/04/2014; Data de Publicação: DJe 11/04/2014; STJ REsp 1.019.455/MT (2007/0288196-5); Min. Rel. Massami Uyeda, Data de Julgamento: 18/10/2011, T3 - Terceira Turma, Data de Publicação: 15/12/2011
5 Art. 461,§6º, CPC/73: "o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva".
6 CHERIGHINI, Luis Maurício. Execução de astreintes no processo do trabalho. São Paulo, LTr, 2015, p. 31.
7 Neste sentido: TJ-RJ - AI 00397010720168190000, 2° Vara Cível; Relator: Alexandre Antônio Franco Freitas Câmara; Julgamento: 21/09/2016; Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 22/09/2016; TJ-PR AI 15426070; Órgão Julgador: 10° Câmara Cível; Relator: Guilherme Freire de Barros Teixeira; Julgamento: 18/08/2016; Publicação: 20/09/2016;
8 Neste sentido: Recurso Cível n° TJ-RS - Recurso Cível 71006033591, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Regis de Oliveira Montenegro Barbosa, Julgado em 19/05/2016; TJ-RS - Recurso Cível: 71006156038 RS, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Cleber Augusto Tonial, Julgado: 29/09/2016; TJ-RS - Recurso Cível 710059662634, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Luís Francisco Franco, Julgado: 28/07/2016.
9 Abelha, Marcelo. Manual de execução civil. Forense, 2015.
10 Neste sentido: TJ-MT - AI 00976310520168110000; Órgão Julgador: 1° Câmara Cível; Relator: Des. Sebastião Barbosa; Julgamento: 29/11/2016; Publicação: 05/12/2016.
11 Neste sentido: TRT-6 - AP 00003450320105060008; Órgão Julgador: Primeira Turma; Julgamento: 19/10/2016.
12 Neste sentido: TJ-PE AI 4251434; Órgão Julgador: 5ª Câmara Cível; Relator: José Fernandes Julgamento: 18/05/2016; Publicação: 15/06/2016.
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*Carolina de Oliveira Leite Bezerra Cavalcanti é acadêmica de Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

*Isadora Dowsley Pinto Ribeiro é acadêmica de Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Membro do Grupo de Estudo de Processo Civil da Faculdade de Direito do Recife (GEPro-FDR).

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