MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O impacto da lei 13.429/17 sobre os termos de ajustamento de conduta firmados com o Ministério público do trabalho

O impacto da lei 13.429/17 sobre os termos de ajustamento de conduta firmados com o Ministério público do trabalho

A questão é bastante controversa, já que sequer há consenso sobre a natureza jurídica do TAC e se o mesmo está ou não albergado pela regra da imutabilidade dos atos jurídicos perfeitos.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Atualizado às 07:19

Com a publicação da lei 13.429/17, que é considerada como o marco legal regulatório sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros, novas regras passaram a vigorar com relação à terceirização no Brasil.

Até a entrada em vigor da lei 13.429/17, a lacuna legislativa sobre a terceirização no Brasil era suprida pela jurisprudência do TST, especificamente pelo enunciado da Súmula 331. O principal regramento imposto pela Súmula em questão é (ou era) a proibição da terceirização da chamada atividade-fim pelas empresas tomadoras dos serviços.

O problema é que o conceito de atividade-fim, mesmo após anos de vigência da Súmula em questão, jamais foi resolvido quer pela jurisprudência quer pela doutrina. A imprecisão e subjetividade do que seria atividade-fim ou não levou as mais diversas interpretações por parte de advogados, pesquisadores, juízes, auditores fiscais do trabalho e, em especial, procuradores do trabalho.

Aqui vale destacar o importante papel do ministério público do trabalho (MPT), já que o mesmo, por força de sua atuação institucional, celebrou com diversas empresas Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) impondo a proibição da terceirização nas atividades-fim destas.

Contudo, a proibição de terceirização da atividade-fim, até então imposta pela jurisprudência, não foi incluída no marco legal regulatório. Logo, apesar de a lei não ter sido expressa em autorizar a terceirização da atividade-fim, a mesma também não a proíbe, o que nos leva a crer pela sua possibilidade, quer pelo princípio da legalidade (art. 5º, inciso II, CF), quer pela leitura atenta de outros artigos da mesma lei, em especial o seguinte trecho: "não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante" (nova redação dada pelo art. 1º da lei nº 13.429/17 ao art. 4º-A, §2º da lei 6.019/74).

Esse fato levanta relevantes questões. É possível a revisão das cláusulas dos TACs para adequação à nova ordem jurídica vigente? Qual a repercussão jurídica da lei 13.429/17 nos TACs firmados entre as empresas e o MPT contendo cláusula de proibição de terceirização de atividade fim?

A questão é bastante controversa, já que sequer há consenso sobre a natureza jurídica do TAC e se o mesmo está ou não albergado pela regra da imutabilidade dos atos jurídicos perfeitos. O TST, entretanto, julgando um Recurso de Revista em Ação Revisional de Cláusula de Termo de Ajustamento de Conduta posicionou-se quanto à possibilidade de revisão das cláusulas do TAC quando a alteração do estado de fato ou de direito autoriza assim o justifica, com fundamento no art. 501 do CPC c/c o art. 769 da CLT. Vejamos:

RECURSO DE REVISTA. NÃO REGIDO PELA LEI 13.015/14. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULA DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. PRETENSÃO DE ADEQUAÇÃO À COMPREENSÃO JURISPRUDENCIAL PREVALECENTE. REVISTA DE BOLSAS E PERTENCES DE TRABALHADORES. CLÁUSULA QUE AMPLIA OS PARÂMETROS DEFINIDOS PELA JURISPRUDÊNCIA. PRETENSÃO EMPRESARIAL PROCEDENTE. OFENSA AO ART. 471, I, DO CPC/73 (ART. 505, I, DO CPC/2015). CONFIGURAÇÃO. 1. A Recorrente celebrou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) perante o ministério público do trabalho, no ano de 2004, comprometendo-se a não "(...) realizar revistas íntimas, assim entendidas aquelas que importem qualquer tipo de contato físico e/ou exposição de parte do corpo ou objetos pessoais". Com base na jurisprudência que se consolidou em momento posterior a respeito da proteção patrimonial das empresas, nas relações travadas com seus empregados, propôs a Recorrente a presente Ação Revisional de Cláusula de TAC, postulando a substituição da cláusula I do TAC acima transcrita. Decretada a improcedência da pretensão nas instâncias ordinárias, articula a empresa, em seu recurso de revista, a ofensa aos artigos 471, I, do CPC e 769 da CLT, e 5º, II, XXII, XXXV e LIV, da CF, além de dissenso jurisprudencial. 2. Nas relações jurídicas de trato sucessivo, entre as quais se inserem as constituídas por meio da celebração de um TAC em que previstas obrigações de fazer e não fazer com efeitos permanentes e prospectivos, a alteração do estado de fato ou de direito autoriza a retificação do quanto ajustado, com fundamento no art. 471 do CPC de 1973 (atual art. 501 do CPC de 2015) c/c o art. 769 da CLT. Nesse cenário, se a jurisprudência consolidada no âmbito deste TST, após intensos debates acerca da questão jurídica suscitada - ausência de dano moral em razão de revistas íntimas, realizadas de forma impessoal e discreta, sem contato físico ou exposição da intimidade do trabalhador -, consolidou-se em sentido diverso do que orientou a celebração do TAC, revela-se perfeitamente cabível a revisão do quanto convencionado, assegurando-se a isonomia e a segurança jurídica aos envolvidos e preservando-se a unidade de sentido da ordem jurídica, especialmente no caso concreto, em que postulam incidência, de forma aparentemente antagônica, os incisos X e XXII do artigo 5º da CF. Esta Corte Superior já fixou o entendimento de que o procedimento de revista aos pertences dos empregados, sem contato físico, de forma impessoal e genérica, sem caráter discriminatório e sem exposição da intimidade do trabalhador, não configura ato ilícito (CC, arts. 186 e 187). Se o teor da cláusula firmada com o Parquet dissente parcialmente dessa orientação, precisamente no capítulo em que veda a revista em bolsas, mochilas e sacolas dos empregados, não se pode preservar sua eficácia, sob pena de ofensa ao art. 471, I, do CPC (art. 505, I, do CPC/2015). Recurso de revista conhecido e parcialmente provido. 2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. O TRT condenou a Recorrente ao pagamento dos honorários advocatícios, consignando que a lide não deriva da relação de emprego. Nos termos do item III da Súmula 219 TST, "São devidos os honorários advocatícios nas causas em que o ente sindical figure como substituto processual e nas lides que não derivem da relação de emprego". Sendo essa a hipótese dos autos, não há falar em ofensa ao artigo 5º, II, da Constituição Federal Recurso de revista não conhecido. (RR - 1030-74.2010.5.08.0001 , Relator Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 16/11/2016, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/12/2016)

Diante desse relevante e atual precedente do TST, que entendeu pela possibilidade de revisão dos termos de um TAC para ajustá-lo a uma nova diretriz jurisprudencial daquela Corte, não nos parece razoável não se admitir a possibilidade de revisão das cláusulas de um TAC quando a edição de uma nova Lei assim o justificar.

A possibilidade nos parece mais evidente no caso da revisão das cláusulas de proibição da terceirização da atividade-fim se levarmos em conta que à época da assinatura dos TACs sequer havia norma legal que regulasse a matéria. Logo, com a entrada em vigor da lei 13.429/17, entendemos justificável e necessária a revisão do convencionado entre as empresas e o MPT.

_______________

* Ciro Ferrando de Almeida é advogado e professor, especialista em processo do trabalho.


AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca