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O decreto lei 911/69, promulgado sob a égide do Regime Militar, é inconstitucional?

Considerações acerca da constitucionalidade do decreto lei 911/69.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Atualizado às 07:15

Não rara às vezes, em que o magistrado, ao deparar-se com a ação de busca e apreensão, oriunda de contrato de alienação fiduciária, ou, ainda, ação de reintegração de posse, decorrente de contrato de arrendamento mercantil de automóvel, ao apreciar a medida liminar, equivocadamente, em controle difuso de constitucionalidade, indefere a medida liminar, sob o argumento de que o decreto lei 911/69 é inconstitucional.

O fazem, sobretudo, sob o argumento de que o referido diploma legal fora editado sob a égide do regime militar, estando, portanto, em confronto com os princípios da Constituição Cidadã.

Todavia, tais decisões olvidam para o fato, notório, eis que já decorreram, no presente ano, de 2017, quase três décadas de regime democrático, sob a égide da Constituição Cidadã, que a Carta Magna, recepcionou o decreto lei 911/69, sendo, portanto, plenamente válida as suas disposições.

Não obstante, tais decisões, alegam que as ações de busca e apreensão, sob a égide do referido diploma legal, violam os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, o que, por óbvio, não se pode conceber, haja vista a natureza cautelar, própria da ação, que preenchendo os requisitos legais para tanto, vale-se do procedimento especial para reaver a garantia.

Ademais, o novo Código de Processo Civil, permite a apresentação de reconvenção na própria contestação, o que tornou o instituto da alienação fiduciária amplamente permeável aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa. Assim, o artigo 343 Caput do CPC/2015:

Art. 343. Na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.

Todavia, e não menos importante, a fim de evitar qualquer dúvida acerca da constitucionalidade do decreto lei 911/69, sobreleva mencionar que o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela constitucionalidade do referido diploma legal:

Trata-se de agravo de instrumento de decisão que inadmitiu recurso extraordinário interposto com fundamento no artigo?. 102, III, a e b, da Constituição Federal, contra acórdão o qual extinguiu o processo sem resolução de mérito por entender que o decreto-lei 911/69 não foi recepcionado pela Carta Constitucional de 1988.2. No RE, a parte agravante alega ofensa ao artigo 97 da Constituição Federal, sustentando, em síntese, o seguinte: a) constitucionalidade do decreto-lei 911/69. B) ofensa à cláusula da reserva de plenário pela declaração de inconstitucionalidade do decreto-lei 911/69 por órgão fracionário do Tribunal de origem. [...] Portanto, o decreto-lei 911/69 foi recepcionado pela Constituição Federal com exceção, exclusivamente, da parte que prevê a equiparação do devedor fiduciante ao depositário infiel para efeito de cominação da prisão civil, ficando afastada a extinção do processo. 4. Ante o exposto, com fundamento no art. 544, § 4º, do Código de Processo Civil (redação anterior à lei 12.322/10), conheço do agravo e, desde logo, dou provimento ao recurso extraordinário para anular o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo a fim de que se proceda a novo julgamento, afastando-se a preliminar de carência de ação apontada no acórdão recorrido. (Supremo Tribunal Federal. AI: 822578-MG Min. Ellen Gracie, j. 5 de maio de 2011).

Ademais, as alterações ocorridas pelo advento da lei 10.931/04, dentre outras mudanças, já autorizava o devedor a contestar amplamente a Ação de Busca e Apreensão, não se falando, como já dito anteriormente, em cerceamento de defesa ou limitação ao contraditório.

Outrossim, o fato da nova redação autorizar a venda do bem, decorridos 5 (cinco dias) após a execução da liminar, também não fere qualquer princípio constitucional, uma vez que, no mesmo dispositivo legal, o artigo 3º, parágrafo 6º, prevê o pagamento de multa correspondente a 50% (cinquenta por cento) do valor originalmente financiado, caso haja improcedência do pleito inaugural e o bem já tenha sido vendido; sem prejuízo de devolução do valor de venda do bem. Deste modo:

Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2º do art. 2º, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário. (Redação dada pela lei 13.043, de 2014)

§ 6º Na sentença que decretar a improcedência da ação de busca e apreensão, o juiz condenará o credor fiduciário ao pagamento de multa, em favor do devedor fiduciante, equivalente a cinquenta por cento do valor originalmente financiado, devidamente atualizado, caso o bem já tenha sido alienado. (Redação dada pela Lei 10.931, de 2004)

Ou seja, a própria legislação prevê a penalidade, amparando, deste modo, os interesses do devedor fiduciante. Portanto, não há que se cogitar a inconstitucionalidade do decreto-lei 911/69, pois se trata de questão já pacificada no entendimento jurisprudencial hodierno, em que pese, ainda, pontuais decisões equivocadas em juízos de primeira instância.

Por fim, tomar o decreto lei 911/69 como instrumento inquisitorial a serviço das instituições financeiras, haja vista suas disposições, que propiciam a retomada da garantia, é tão estéril quanto se colocar contra as disposições legais que regem a dissolução do vínculo conjugal, sob a alegação de que tais disposições levam ao divórcio.

O decreto lei 911/69, auxilia as instituições financeiras na mesma proporção em que, um dos cônjuges, ante o descumprimento das obrigações matrimoniais pelo seu companheiro, busca divorciar-se. Sob esta perspectiva, seria correto bradar contra a disposição que possibilita a dissolução da união conjugal? Parece-nos que não. Da mesma forma, não cabe se posicionar contra o decreto lei 911/69, haja vista ser este, o instrumento pela qual as instituições financeiras retomam a garantia ante o descumprimento do contrato pelo financiado.

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*Nelson Olivo Capeleti Junior é bacharel em direito pela Faculdade Cenecista de Joinville. Aprovado no XX Exame de Ordem. Analista Jurídico na Schulze Advogados Associados.

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