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Responsabilidade da empresa licitante - Divergência no objeto social

A responsabilidade dos sócios e administradores de empresas quando ocorrer divergência entre o objeto social e o objeto licitado para fornecimento à administração pública.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Atualizado em 12 de maio de 2017 08:58

Muitos devem ser os cuidados ao licitar e contratar com a administração pública, ainda mais em tempos cujos critérios têm sido examinados com olhos atentos pelos tribunais do país diante da avassaladora constatação de erros nas contratações mediante licitações e seus consequentes casos de improbidade administrativa.

Um dos pontos que merecem muita atenção refere-se ao objeto social da pessoa jurídica participante do certame. Este deve obrigatoriamente abranger e ser condizente com o objeto licitado, conforme entendimento do Tribunal de Contas da União.

Em recente acórdão proferido pelo TCU (acórdão 759/17), cuja leitura dos fatos se faz interessante, o Tribunal reafirmou o entendimento pacificado de que: "A administração deve abster-se de convocar licitantes cujo ramo de atividade econômica seja incompatível com o objeto da licitação realizada". Entendimento este já esposado no acórdão 67/00 do Plenário e no acórdão 1.021/07 - Plenário em que o rel. min. Marcos Vilaça assenta o entendimento de que "inviável a habilitação de licitante cujo objeto social é incompatível com o da licitação".

No caso em análise pelo TCU, a empresa havia sido aberta em dezembro de 2012 com atuação no ramo de papelaria e, posteriormente, contratada mediante dispensa de licitação para fornecimento de gêneros alimentícios em fevereiro/13. Assim, o Tribunal condenou seus sócios ao pagamento de multa prevista na lei 8.443/92.

A obrigatoriedade de apresentação dos documentos constitutivos da empresa licitante na fase de habilitação está prevista no artigo 28, III da lei 8.666/93, valendo frisar que a lei elenca a apresentação de "ato constitutivo, estatuto, ou contrato social em vigor (...)", ou seja, o termo "ato constitutivo" é gênero, já que o ato constitutivo em si, a depender do tipo societário, é espécie.

Já a obrigatoriedade da atividade empresarial ser condizente com o quanto conste no ato constitutivo da empresa decorre da lei 6.404/76, que dispõe sobre as sociedades por ações, assim dispondo:

"Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes.

§ 1º Qualquer que seja o objeto, a companhia é mercantil e se rege pelas leis e usos do comércio.
§ 2º O estatuto social definirá o objeto de modo preciso e completo."

A referida legislação, publicada anteriormente à Constituição Federal, foi recepcionada não somente pela CF/88 como também pelo Código Civil, e de acordo com o entendimento da 3ª Turma do STJ deve-se fazer a aplicação subsidiária da Lei das Sociedades Anônimas (lei 6.404/76) às sociedades limitadas para suprir as lacunas da sua regulamentação legal. (STJ - REsp: 1.396.716 MG 2013/0253770-4, relator: ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 24/3/15, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/3/15).

Importa frisar que mencionada legislação prevê em seu artigo 158, II a responsabilização civil do administrador pelos prejuízos que causar quando este proceder com violação da lei ou do estatuto, assim, denota-se que este deve agir dentro do quanto definido nos atos constitutivos.

Da mesma forma, esses entendimentos foram reprisados no Código Civil, de forma que em seu artigo 46, I prevê a determinação para que o registro das pessoas jurídicas declare "a denominação, os fins, a sede o tempo de duração e o fundo social, quando houver" e no artigo 50 prevê a responsabilização dos administradores ou sócios da pessoa jurídica em caso de "abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade".

Não obstante, a lei 8.934/94 que dispõe sobre o registro público de empresas mercantis também determina em seu artigo 35, III que não poderão ser arquivados "os atos constitutivos de empresas mercantis que, além das cláusulas exigidas em lei, não designarem o respectivo capital, bem como a declaração precisa de seu objeto, cuja indicação no nome empresarial é facultativa", demonstrando-se assim a relevância da definição clara e precisa do objeto da empresa.

Em que pese a existência de correntes doutrinárias opostas ao entendimento acima explanado, o juízo que tem prevalecido nos Tribunais de Contas e Tribunais de Justiça é o "princípio da especialidade da personalidade jurídica das pessoas jurídicas" esse princípio "restringe a atuação das pessoas jurídicas aos limites do objeto social".

Assim, deve adotar-se cautela quando da participação em certames, sendo necessária a análise da coerência do objeto social com o objeto licitado, e se necessário, proceder com a adaptação do contrato social ou ato constitutivo da empresa requerendo-se eventuais autorizações regulatórias, se o caso.

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*Sarah Ponte é advogada do escritório Correia da Silva Advogados.

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