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Cirurgia fetal e o dever de cobertura pelos planos de saúde

Na legislação brasileira, o feto, desde a concepção, é considerado um sujeito de direitos, tendo garantido, dentre outros, o direito à saúde.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Atualizado em 19 de maio de 2017 09:08

Atualmente, uma das questões mais controvertidas no direito à saúde é se o convênio médico tem o dever legal de cobrir a cirurgia fetal intrauterina. Nesse contexto, cumpre inicialmente esclarecer que na legislação brasileira, o feto, desde a concepção, é considerado um sujeito de direitos, tendo garantido, dentre outros, o direito à saúde.

No Brasil, a cirurgia fetal é uma realidade e muitos bebês já foram salvos graças a esta técnica. Com efeito, muitas doenças podem ser percebidas ainda no pré-natal, como exemplo, anencefalia, espinha bífida, hidrocefalia, problemas torácicos, tumores de pulmão, entre muitos outros casos. E, devido ao avanço da medicina, a terapêutica contra estas patologias pode iniciar ainda no útero, por meio de procedimento cirúrgico.

Não raras as vezes, a cobertura da cirurgia uterina é negada pelo plano de saúde sob os seguintes motivos: falta de previsão no Rol de Procedimentos da ANS, exclusão contratual ou necessidade de cumprimento de carência.

Contudo, caso a cirurgia seja considerada urgente e imprescindível para salvar problemas futuros relacionados a saúde do bebê, o convênio médico ou o seguro saúde deve garantir o custeio do procedimento, vez que faz parte do pré-natal cuja finalidade é a de proteger a integridade física e bem-estar do feto e da mãe.

Nesse sentir, a negativa de cobertura à cirurgia fetal é abusiva nos termos legislação brasileira, notadamente do Código de Defesa do Consumidor, posto que o plano de saúde não pode colocar em risco o próprio objeto do contrato que é justamente assegurar a preservação da vida e da saúde de seus beneficiários a fim de preservar os princípios da dignidade da pessoa humana e a função social do contrato.

O TJ/SP, ao enfrentar o tema, tem entendido que, além de ser um dever contratual, a negativa de cobertura para cirurgia fetal configura restrição de direito fundamental inerente ao contrato firmado entre o consumidor e a empresa de saúde. Vale colacionar:

"Serviços médicos e hospitalares. Diagnóstico de má formação fetal. Prescrição médica positiva à intervenção cirúrgica (cirurgia intrauterina corretora de mielomeningocele - Síndrome de Arnold Chiari II). Negativa de cobertura. Abusividade manifesta. Irrelevância de o procedimento não constar no rol da ANS. Listagem que serve de mera orientação, sem nenhum conteúdo numerus clausus. Exclusão de cobertura que não convalesce, sob pena de implicar na concreta inutilidade do negócio protetivo.
Necessidade de preservação da saúde da paciente e do nascituro. Evidenciado o desequilíbrio contratual no exercício abusivo do direito por força da desigualdade material de poder. Prestadora que confunde boa-fé com interesse próprio. Menoscabo com o consumidor. Quebra do dever de lealdade.
Interpretação que fere a boa-fé objetiva e contrapõe se à função social do contrato (arts. 421 e 422 do Cód. Civil). Incidência dos arts. 4º, "caput", 7º, 46, 47 e 51, IV, do CDC. Cobertura devida.
Apelação digital nº 1013762-48.2014.8.26.0011, 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Des. Relator: Romulo Russo, DJ 08/11/2016"

Cabe ainda mencionar que a cirurgia dentro do útero pode evitar problemas futuros dos bebês e, por consequência, gerará menos gastos ao plano de saúde que não terá de arcar com o tratamento médico após o nascimento. E o melhor, a cirurgia fetal, quando indicada, possibilita a preservação da vida com saúde e dignidade da criança, um direito constitucional resguardado desde a concepção.

Portanto, se houver indicação médica que justifique a cirurgia fetal, a fim de evitar futuros prejuízos à saúde do feto, o custeio e cobertura deve ser garantido pelo plano de saúde.

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*Adriana Maia Marques é advogada do escritório Vilhena Silva Advogados.

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