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Igrejas fora da lei

Taís Amorim de Andrade Piccinini

Sigo torcendo (e intercedendo) para que "vire moda no Brasil as igrejas estarem legais diante da lei".

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Atualizado às 09:44

Atuo na área de direito eclesiástico desde 2002. O início dessa jornada - como todo início costuma ser, era ainda limitado e mais focado em análises e estudos do movimento cotidiano de uma entidade religiosa, a fim de conseguir dirimir as necessidades das igrejas e poder relacioná-las e adequá-las à nossa legislação pátria.

Por volta do ano de 2008 minha atividade profissional passou a ser quase que exclusiva para essa área. Comecei a escrever artigos específicos e em 2010 surgiu a ideia de publicar um livro com todo o conteúdo que eu vinha reunindo e aplicando no meu dia a dia, em prol das entidades que atendia. Esse livro (manual prático de direito eclesiástico) foi publicado, já está em sua segunda edição (revisada) e até o momento vendeu por volta de 4000 exemplares.

Desde então, venho ministrando cursos e palestras, dando assessoria a igrejas e entidades que entendem a importância de estarem regulares diante da lei.

São, portanto, 15 anos estudando e aplicando esse tema e questões atinentes, na minha rotina profissional. Ao longo desses anos, foram diversos os atendimentos feitos, incontáveis perguntas respondidas, um sem-número de orientações dadas. Nos 18 capítulos do meu livro, aponto questões práticas e necessárias para o bom e correto funcionamento de uma entidade religiosa: desde o estabelecimento de um estatuto adequado, a forma de lidar com voluntários, pastores, funcionários, membros. até orientação no âmbito tributário, para regularização de fluxo financeiro e contábil.

Mas, por mais que muitos e muitos pastores acessem essas informações, participem dos cursos, busquem assessoria jurídica, fazendo um panomorama destes anos de trabalho até aqui, confesso que me sinto triste: uma boa parte das igrejas atendidas limitam-se a apenas ajustar seu estatuto (muitas vezes visando apenas a proteção da igreja ou da própria diretoria), sem, contudo, observar outros necessários ajustes, tão importantes quanto, como: organização contabil, relação com voluntários e funcionários, remuneração pastoral e por aí vai.

Sim, há ainda aquelas igrejas que erram pela falta de conhecimento, mas há também aquelas que, mesmo conhecendo, não colocam em prática. E isso, nem sempre é porque a igreja nao é idônea. É porque, simplesmente, não dão a devida importância para tal questão.

E nesse cenário, como advogada mas também pastora evangélica, me pergunto: onde a igreja no brasil pretende chegar??? Reclamamos de uma "perseguição", nos manifestamos nas redes sociais pedindo para o povo votar contra a consulta pública que pretende estabelecer um projeto de lei para acabar com a imunidade tributária nas igrejas, mas sequer cuidamos da regularização legal das nossas igrejas!!!!

Quer saber?

Temos liberdade em excesso no nosso país.

Não há controle, não há fiscalização suficiente para pressionar as entidades para que mantenham uma boa e ajustada administração. A verdade é que poucas (muito poucas) sofrem as consequências de uma gestão indevida e nesse ambiente de impunibilidade, eu vejo cada vez mais igrejas desajustadas diante da lei!

Dia desses, uma estagiária que trabalha em meu escritório enviou no grupo de WhatsApp da equipe uma matéria que citava que uma igreja tinha sido condenada a pagar 10 mil reais de indenização a um vizinho, por ter causado incômodo pelo excesso de barulho. E ela (que atua na nossa área de abertura e regularização/alvarás/licenças) mandou a matéria com o comentário: ".se a moda pega."

Aquela menção me incomodou! Se a moda pega, quantas igrejas seriam condenadas? Ora, "se a moda pega" me parecia dizer: são muitas igrejas que excedem o barulho e seriam muitas as condenações!!

E minha reação foi responder: "deveria virar moda as igrejas se regularizarem e se manterem em ordem diante da lei!"

Amo meu trabalho.

Recebi essa missão; entendo como um chamado e cumpro, profissionalmente, esse árduo mister por que Deus assim me ordenou.

Confesso que é mais fácil (e muito mais rentoso!) Advogar para bancos, empresas (que era o que eu fazia antes).

Mas aceitei a missão, porque sei da minha responsabilidade no reino.

Ele me mandou "espalhar" meu conhecimento, aumentar meu leque de atuação para sarar outras igrejas também. (Porque eu sempre atendi a igreja da qual faço parte e por que ela cresce muito, eu poderia ficar apenas com ela como cliente). Deus me falou (e ainda me fala) de forma muito clara: "a igreja no brasil não sabe o que é perseguição". E é verdade. E o que eu concluo é que, antes que viva isso de fato, a igreja no Brasil precisa aprender o que é estar legal diante da lei.

E eu posso garantir: falta muito!


Tenho muita alegria e orgulho de ser filha, pastora e advogada de uma igreja que há anos atrás entendeu essa importância e investe para manter incólume sua administração. Mas minha alegria será ainda maior quando eu puder vislumbrar mais e mais igrejas vivendo essa mesma realidade.

Num misto entre a vontade de desistir dessa área e a convicção de que Deus me quer insistindo em ser instrumento para ajudar a ajustar legalmente a igreja brasileira, sigo torcendo (e intercedendo) para que "vire moda no Brasil as igrejas estarem legais diante da lei" e para que os versículos 13 a 16 de Pedro capítulo 2, então, passem a ser, de fato, observados:

"Sujeitai-vos, pois, a toda a ordenação humana por amor do Senhor; quer ao rei, como superior;
Quer aos governadores, como por ele enviados para castigo dos malfeitores, e para louvor dos que fazem o bem.
Porque assim é a vontade de Deus, que, fazendo bem, tapeis a boca à ignorância dos homens insensatos;
Como livres, e não tendo a liberdade por cobertura da malícia, mas como servos de Deus."

E que Deus tenha misericórdia de nós!

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*Taís Amorim de Andrade Piccinini é advogada especialista em Direito Eclesiástico e pastora da Igreja Bola de Neve Vila Velha/ES.





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