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Stephen Hawking e a dificuldade do povo para discernir

Não nos referimos, aqui, nem à Física nem à Cosmologia, áreas em que o admirado e determinado cientista navega sua inteligência privilegiada. Admirado, porque trabalha com limitações corpóreas inimagináveis. Portador de "esclerose amiotrófica lateral", seus músculos não obedecem à sua vontade. Vive, contorcido, numa cadeira de rodas. Há alguns anos nem consegue falar. Para poder respirar submeteu-se a uma traqueotomia.

sexta-feira, 9 de junho de 2006

Atualizado em 8 de junho de 2006 13:53


Stephen Hawking e a dificuldade do povo para discernir


Francisco César Pinheiro Rodrigues*


Não nos referimos, aqui, nem à Física nem à Cosmologia, áreas em que o admirado e determinado cientista navega sua inteligência privilegiada. Admirado, porque trabalha com limitações corpóreas inimagináveis. Portador de "esclerose amiotrófica lateral", seus músculos não obedecem à sua vontade. Vive, contorcido, numa cadeira de rodas. Há alguns anos nem consegue falar. Para poder respirar submeteu-se a uma traqueotomia. Só não morreu, até agora, porque os músculos involuntários continuam funcionando. Respira, digere e até gera filhos. Um computador - adaptado por ele mesmo para emitir sons - fala por ele. Por enquanto, um ou alguns poucos dedos ainda o obedecem. Não fala, propriamente. Clica. Não obstante, seu cérebro funciona a toda velocidade. "Buracos negros',"Big Bang", física quântica e teorias unificadas - tudo isso expresso em alta matemática - é o jardim mental em que planta e colhe. Ele disse que gostaria de ser lembrado mais pelas suas pesquisas e descobertas do que pelas suas deficiências físicas. De minha parte, porém, mesmo que todas as suas teorias se comprovem inexatas, merecerá sempre minha aprovação - certamente emitida do além - só pela bravura com que enfrenta seu destino. Ele se contorce, mal conseguindo manter erguidas as pálpebras, mas o furacão não o derruba.


Mas o que tem S. Hawking com um site mais voltado ao universo jurídico?


É que, lendo, na Internet, o discurso de George W. Bush, na Academia Militar de West Point, no dia 27 último, lembrei-me que em algum lugar Stephen Hawking disse que se a humanidade não "providenciar", via engenharia genética, um aumento do cérebro humano - aumento, mesmo, na quantidade de neurônios ao nascer - a humanidade acabará "dominada", ou "controlada" pelo computador. O desenvolvimento da informática é contínuo e não depende de ocasionais e vantajosas mutações genéticas, como foi o caso da evolução do cérebro humano. Entre uma mutação e outra passam-se centenas de milhares de anos. Já existem computadores que derrotam campeões mundiais de xadrez. A inteligência artificial não é mais um devaneio científico. Mais um pouco e o computador adquirirá "consciência de si mesmo", a única coisa que nos distingui dos mamíferos mais inteligentes.


Hawking chega ao detalhe realista de admitir que se os bebês humanos nascerem com o cérebro, digamos, com o dobro do tamanho atual, com o dobro de neurônios, as mulheres serão obrigadas a dar à luz somente via cesariana, por ser estreito demais o conduto que leva o filho ao mundo exterior.


Qual a ligação disso tudo com o discurso de Bush? É que a fala do presidente americano em West Point é um claro exemplo de sua tranqüila certeza de que o homem de mediana instrução - até mesmo em países de quase zero nível de analfabetismo - não tem mais condições de acompanhar e entender claramente - sem um "tutor" mental - nem mesmo os fatos que ocorrem debaixo de seus narizes. A propaganda governamental é hábil. O cérebro atual não consegue digerir, no pouco tempo destinado ao lazer, a prodigiosa massa de informações, via jornais, rádio, revistas, livros, televisão e Internet, de modo a distinguir a verdade da mentira. O julgamento sobre os políticos fica comprometido. É o mesmo que um juiz de direito ouvir uma enfiada de alegações contraditórias, pronunciadas em grande velocidade, sendo obrigado a decidir no ato, sem tempo para meditar. A sentença - ou voto - será formalmente uma decisão, mas a chance de acerto, mínima. É o que ocorre nas decisões políticas atuais e nas escolhas de candidatos. Recheada de inverdades, ou meia verdades, a decisão popular é influenciada pelo sorriso, pelo tom de voz. E Bush sabe disso. Tem um jeitão simpático, acolhedor.


Goebbels, chefe de propaganda de Hitler, garantia que uma mentira repetida insistentemente acaba sendo tomada como verdade. E o próprio Hitler afirmava que é mais fácil acreditar numa grande mentira, do que numa pequena. O ouvinte pensa assim: "Não é possível que esse camarada esteja mentindo. Seria preciso muita cara de pau..." E essa madeira é o que não falta, com tanto desmatamento.


A democracia, para ter algum significado real, no momento de apoios e escolhas, depende de uma razoável compreensão, por parte do eleitor, do que se passa no campo político e social. Mas como o tempo para se informar é geralmente curto, e o cérebro, pequeno - afinal, o eleitor precisa ganhar a vida e se divertir - e os políticos sabem disso -, o resultado é que um chefe de estado, ou seu adversário, pode dizer as maiores barbaridades com a certeza de que apenas fração mínima dos ouvintes terá condições de perceber a inverdade. E para conquistar ou manter o poder não é preciso unanimidade. Daí a explicação da tranqüilidade com que poderosas corporações ou indivíduos nem se dão ao trabalho de contestar acusações fundamentadas, feitas por quase anônimos autores que examinam seus podres. Nem se dão ao trabalho de contestar, porque isso despertaria a atenção do público. Mesmo empresários e políticos plenamente culpados de desvios sabem que a simples negação do fato, com rosto sério, confunde a opinião pública. O eleitor não tem tempo para apurar, ele mesmo, onde está a verdade. Situado num mar de acusações e "respostas firmes", abstém-se de formar convicção e vota naquele que, pelo menos, beneficia seu bolso de eleitor. Se a economia do país vai bem, por que "esquentar a cabeça?" com questões éticas complicadas?"


No discurso de West Point o atual mandatário americano disse aos jovens e ingênuos alunos que a segurança da América depende de um "empurrão" ("push") agressivo para a democracia, especialmente no Oriente Médio. Golpeou a ambição nuclear do Irã - esquecido do imenso poder nuclear nos EUA, totalmente auto-liberado para inventar novas armas, para todos os fins - e teceu críticas sobre a falta de reformas políticas no Egito.


Para mostrar que é um "durão", o presidente frisou que "Isto é só o começo. O futuro pertence à liberdade e nós não descansaremos até que a promessa da liberdade alcance cada pessoa em cada nação. A guerra começou no meu relógio mas vai terminar no seu", disse ao cadete orador da turma. Como ele pode ter tanta certeza de que estará no governo por décadas à frente? E defendeu os ataques preventivos - segundo sua exclusiva conveniência, claro - assegurando que "não aceitaremos qualquer coisa menor que a completa vitória".


Em suma, o presidente deixou claro que "para defesa preventiva da América" e "libertação de outros povos" - sem consultá-los -, vai continuar invadindo ou coagindo - com diplomacia, pressão econômica e, se necessário, com força militar -, países petrolíferos do Oriente Médio. Um discurso "presentão' para as indústrias petroleiras e armamentistas americanas. Intimamente pensará: "Mesmo que 20% dos meus ouvintes percebam minha má-fé, isso não tem importância porque 80% pensarão que estou sendo sincero; ou ficarão pelo menos na dúvida. É o quanto basta. E, na verdade estou sendo sincero, do meu jeito, porque a América não pode continuar dependendo do petróleo estrangeiro. Sou um patriota e o resto do mundo que se dane. Alguns sempre vão me admirar".


George Washington, Jefferson, Lincoln e uma série de grandes políticos americanos - homens de bem, à semelhança de milhões de outros - devem estar neste momento rogando praga contra esse sucessor-trapalhão que teve a "sorte" de ver ruir duas imensas torres, em Nova Iorque, fornecendo-lhe a justificativa que aguardava para presentear condignamente seu pai, que com ele sempre foi paciente mas não teve a audácia de derrubar Saddam Hussein. As duas torres que não ruiriam, se de melhor consistência as vigas metálicas de sustentação e que derreteram com o calor. Um avião comercial, com tanques cheios, que se chocasse acidentalmente com qualquer das torres, teria causado o mesmo dano no edifício. Os terroristas - fanáticos sem juízo - conseguiram mais do que planejaram. E o presidente, então com baixa popularidade, utilizou a desgraça como combustível para o próprio crescimento político.


A humanidade, pelo visto, viverá inquieta enquanto a presidência dos EUA estiver nas mãos de um homem capaz de repetir, sem engasgar, afirmativas já desmoralizadas, como a existência, no Iraque, de armas de destruição em massa e suposto apoio a terroristas. Mesmo que nada tenha sido apurado, em termos de ameaça estrangeira, ele dirá que sabe mais que todos porque conversa com Deus e este nunca se engana.


O que aconteceu com você, América?
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* Membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo







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