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Dois erros não fazem um acerto

Frise-se que a posição que aqui se externa se dá pelo ainda controverso cenário de investigação de provável edição do áudio gravado da conversa com o Presidente da República em exercício por seu interlocutor.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Atualizado às 07:20

A OAB, por meio do Presidente do Conselho Federal, sr. Cláudio Lamachia, pedirá o impeachment do Presidente da República, sr. Michel Temer (que a propósito não me agrada). Assim o fará com base em um áudio reconhecidamente não periciado pela própria acusação, a Procuradoria-Geral da República.


Ao que os fatos mais recentes estão a indicar, o áudio vazado por um único veículo de comunicação da imprensa - que, em tempo, já havia participado no vazamento ilegal de áudios da ex-Presidente da República, sra. Dilma Rousseff, quando em pleno exercício do cargo - foi editado. Não se sabendo ainda se pelo colaborador notoriamente premiado, ou se pelo Ministério Público Federal.

Esse cenário deveria ser o suficiente para que a OAB agisse com maior cautela, haja visto o seu dever legal de defender a Constituição da República e a ordem jurídica do Estado democrático de Direito, nos termos do art. 44, I, da lei Federal 8.906/94. O açodamento no pedido de impeachment de um Presidente da República em exercício com base no ainda nebuloso cenário atual, em 24 de maio de 2017, é, em minha leitura, um novo grande erro da Ordem dos Advogados do Brasil, como já o fora igualmente o pedido de impeachment da ex-Presidente da República, rejeitado em condições vergonhosas pelo ex-Presidente da Câmara Federal, sr. Eduardo Cunha.

É papel precípuo da OAB defender a advocacia. É talhada para isso, e talvez seja esse um dos motivos pelo qual tem recentemente, sempre na minha leitura, agido tão mal quando se coloca no papel da acusação, ou de uma espécie não legislada de Corregedoria-Geral da República. Está a OAB na iminência de cometer grande erro, e que abre um precedente terrível contra a própria advocacia em um sem número de processos em que os advogados brasileiros atuam. O panorama indica, contudo, que muito possivelmente também esse pedido de impeachment será rejeitado pela Presidência da Câmara Federal.

Frise-se que a posição que aqui se externa se dá pelo ainda controverso cenário de investigação de provável edição do áudio gravado da conversa com o Presidente da República em exercício por seu interlocutor. Não pelo simples fato de ter havido uma gravação, que é legal conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. (RE 583937 QO-RG, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 19/11/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-10 PP-01741 RTJ VOL-00220-01 PP-00589 RJSP v. 58, n. 393, 2010, p. 181-194)

Melhor andaria a OAB se combatesse os excessos cometidos pela bem-vinda, e que se quer que continue frutuosa, Operação Lava Jato. É preocupante que a lei venha por ela sendo violada em casos infelizmente não raros, como notoriamente se vê, e que a OAB não aja firme e publicamente em defesa do sacramental direito à ampla defesa e ao contraditório. O jurista alemão Rudolf von Jhering escreveu ainda no final do Século XIX, em "A Luta pelo Direito", que uma violação do direito individual de alguém é, ao mesmo tempo, uma violação ao direito em abstrato, que a todos é assegurado. Dito de outro modo: a violação do direito de defesa hoje de uma pessoa A é, ao mesmo tempo, uma violação a nosso potencial direito de defesa amanhã.

Uma democracia começa a correr enorme risco quando advogados e jornalistas são perseguidos. Infelizmente, estamos neste preocupante ponto. Em Curitiba, foi autorizado o grampo em escritório de advocacia, por alguns meses. Em Brasília, acaba de ser divulgado diálogo travado entre jornalista e sua fonte, no qual não há suspeita de conteúdo criminoso. Por isso, é preciso coragem nos dias correntes para agir, em defesa da Constituição da República e da ordem jurídica do Estado democrático de Direito, contra o senso comum e eventuais maiorias formadas. É esse o papel da advocacia e da OAB.

Lembremos do poema escrito pelo clérigo alemão Martin Niemöller no Século passado, em tradução para o português:

"Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.

Como não sou judeu, não me incomodei.

No dia seguinte, vieram e levaram

meu outro vizinho que era comunista.

Como não sou comunista, não me incomodei.

No terceiro dia vieram

e levaram meu vizinho católico.

Como não sou católico, não me incomodei.

No quarto dia, vieram e me levaram;

já não havia mais ninguém para reclamar..."

______________

*Gabriel Rocha Furtado é chefe do Departamento de Ciências Jurídicas na UFPI, professor de Direito Civil na UFPI, doutorando e mestre em Direito Civil na UERJ.

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