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A eleição presidencial como causa de suspensão de processo criminal

Este texto analisa a questão referente à eleição para Presidente da República, como causa suspensiva dos processos criminais em curso contra o presidente eleito, referentes a atos praticados antes da diplomação do mandato presidencial.

terça-feira, 30 de maio de 2017

Atualizado às 07:37

No atual cenário conturbado pelo qual atravessa o país, vários fatos ocorridos na arena política vem sendo constantemente judicializados.

Exemplos recentes, são os casos envolvendo a decretação de prisões de Deputados Federais e Senadores (
Ação Cautelar 4039), bem como o impedimento para que os sucessores eventuais do Presidente da República, listados na CF1, possam assumir o cargo presidencial se porventura forem réus em processos criminais, perante o STF (ADPF 402 MC-REF).

Outra questão candente, que até o momento está fora do radar da mídia e das discussões acadêmicas em geral, diz respeito aos efeitos jurídicos que seriam produzidos, na hipótese de algum dos Réus nas diversas ações penais em curso (referentes aos escândalos atuais que vem assolando o país) ser eleito ao cargo de Presidente da República.

Neste breve texto, não será analisada a polêmica envolvendo a tese sobre a realização de eleições diretas (aberta a votação em todo o país mediante voto de todos que estejam habilitados a votar) ou indiretas (a ser realizada apenas pelos parlamentares com assento no Congresso Nacional), se houver nova vacância do cargo de Presidente da República. Apenas para contextualizar, essa temática se refere à discussão se, nesta situação, seria aplicável o comando constitucional inscrito no art. 81, §1°2. Ou se, pelo contrário, seria aplicado o
Código Eleitoral, art. 224, §4°3, com redação dada por lei veiculada em 2015. A pacificação deste dilema, passará pela apreciação dos mecanismos de resolução das antinomias, dentre os quais os critérios hierárquico, especialidade e cronológico.

Esta questão, todavia, não interfere na análise que se pretende sobre o assunto principal deste trabalho. Posto que pouco importa, para a produção de efeitos jurídicos-penais, se a eleição presidencial for realizada de forma direta ou indireta.

Voltando ao tema central, tem-se que, muitas expectativas estão sendo geradas em torno do desfecho dos julgamentos definitivos, dos processos criminais de maior destaque no cenário nacional, como é o caso da intitulada Operação Lava Jato.

Entretanto, estas expectativas (ou parte delas), poderão ser frustradas se, ilustrativamente, alguma das autoridades (ou ex-autoridades) envolvidas, vier a ser eleita Presidente da República.

Explica-se. Pegue-se, por exemplo, a situação do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Que ostenta a posição jurídica de réu, ou de investigado, em vários procedimentos penais em curso. Até este momento, não há nenhum impeditivo legal a que o ex-Presidente seja candidato (em eleição direta ou indireta), e eleito Presidente da República. Tal impeditivo somente passaria a existir se, pelo menos, já houvesse condenação transitada em julgado, ou pelo menos condenação proferida por Órgão Judicial Colegiado (Tribunal).
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Desta forma, se o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva se candidatar, e vier a ser eleito, seja na hipótese de nova vacância do cargo presidencial, seja em eleições regulares em 2018, e assumir o cargo, todos os processos criminais em tramitação, bem como as respectivas investigações, no que refere ao até então candidato a Presidente da República, deverão ser paralisados. Até o final do mandato presidencial.

Esta é a inteligência que se extrai da CF, art. 86, §4°: ...§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções...

A redação do preceito constitucional, é bem verdade, não é tão esclarecedor como deveria. Mas a Corte Suprema, já teve a oportunidade de se debruçar sobre questão assemelhada, e sedimentou o entendimento segundo o qual, não é permitido instaurar procedimentos penais, ou dar sequência a estes procedimentos, por atos estranhos ao exercício do cargo presidencial, tenham sido praticados antes, ou durante o mandato, in verbis:

"O que o art. 86, § 4º, confere ao Presidente da República não é imunidade penal, mas imunidade temporária à persecução penal: nele não se prescreve que o Presidente é irresponsável por crimes não funcionais praticados no curso do mandato, mas apenas que, por tais crimes, não poderá ser responsabilizado, enquanto não cesse a investidura na presidência. Da impossibilidade, segundo o art. 86, § 4º, de que, enquanto dure o mandato, tenha curso ou se instaure processo penal contra o Presidente da República por crimes não funcionais, decorre que, se o fato é anterior à sua investidura, o Supremo Tribunal não será originariamente competente para a ação penal, nem consequentemente para o habeas corpus por falta de justa causa para o curso futuro do processo. Na questão similar do impedimento temporário à persecução penal do Congressista, quando não concedida a licença para o processo, o STF já extraíra, antes que a Constituição o tornasse expresso, a suspensão do curso da prescrição, até a extinção do mandato parlamentar: deixa-se, no entanto, de dar força de decisão à aplicabilidade, no caso, da mesma solução, à falta de competência do Tribunal para, neste momento, decidir a respeito." (HC 83.154, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 11-9-03, DJ de 21-11-03)

"O art. 86, § 4º, da Constituição, ao outorgar privilégio de ordem político-funcional ao Presidente da República, excluiu-o, durante a vigência de seu mandato - e por atos estranhos ao seu exercício -, da possibilidade de ser ele submetido, no plano judicial, a qualquer ação persecutória do Estado. A cláusula de exclusão inscrita nesse preceito da Carta Federal, ao inibir a atividade do Poder Público, em sede judicial, alcança as infrações penais comuns praticadas em momento anterior ao da investidura no cargo de Chefe do Poder Executivo da União, bem assim aquelas praticadas na vigência do mandato, desde que estranhas ao ofício presidencial." (Inq 672-QO, julgamento em 16-9-92, DJ de 16-4-93)

A prevalecer este entendimento, em sendo eleito Presidente da República o candidato que até então respondia a processo criminal, ou era investigado por meio de inquérito policial, todos estes procedimentos de persecução penal, obrigatoriamente, terão que ser sustados. Até o término do mandato.

Significa que, por mais que estejam sendo criadas grandes expectativas em torno destes julgamentos, abrangendo autoridades (ou ex-autoridades) do alto escalão, se algum destes réus for eleito Presidente da República, todos os procedimentos deverão ficar suspensos, até o término do mandato. Sendo que, se ao final do mandato, for reconduzido ao cargo por meio de reeleição, mais uma vez todos os trâmites de persecução penal deverão permanecer suspensos. Ou seja, a sustação seria pelo período de quatro, ou oito anos, dependendo de haver ou não reeleição.

E o prazo de prescrição para o exercício da pretensão punitiva? Continuaria a fluir, nada obstante os trâmites processuais penais devessem ficar inertes? A CF não aborda expressamente o assunto, e nem mesmo a legislação processual penal.

Mas, a STF, no precedente acima reproduzido, sinalizou que aplicaria ao caso de suspensão do processo penal contra o Presidente da República, a mesma norma regulamentadora da suspensão do processo-crime deflagrado contra Parlamentares Federais. Que determina que, enquanto perdurar a suspensão do processo criminal perante o STF, também ficará suspenso o curso do prazo prescricional (enquanto durar o mandato).5

Note-se que, pelo nosso sistema normativo vigente, a eleição para o cargo de Presidente da República parece ser o único meio que algumas ex-autoridades tem no momento, de conseguir escapar, momentaneamente, de uma possível condenação criminal.

O que conduz a uma profunda reflexão acerca do fato de que, alguns dos réus nas ações penais de grande repercussão na nação, podem estar almejando ascender ao posto de Chefe da Nação, não pela consciência cívica de querer fazer o bem para o país. E sim como forma de conseguir escapar, ainda que transitoriamente, de uma condenação criminal, que para alguns casos parece ser inevitável.

Daí a importância de que todos cumpram com seu dever de cidadão, e fiquem atentos ao cenário que está se descortinando no horizonte da política nacional.

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1 CF, Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do STF.

2 CF, Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga. § 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

3 Código Eleitoral, Art. 224, § 4o A eleição a que se refere o § 3o correrá a expensas da Justiça Eleitoral e será: I - indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato; II - direta, nos demais casos.

4 Lei Complementar 64/90, Art. 1º São inelegíveis: I - para qualquer cargo:... e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes...

5 CF, Art. 53... § 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o STF dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. § 4º O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora. § 5º A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato.
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*Sérgio de Oliveira Netto é Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University - Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE (SC).

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