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A exclusão do PIS e da Cofins da base de cálculo do ICMS pelo STF: possíveis implicações no RE 609.096

Espera-se que, quando da análise do referido RE 609.096 e, portanto, quando da nova (porém, não recente) discussão quanto ao conceito e alcance da expressão "faturamento", o STF faça o necessário "distinguishing" entre as instituições financeiras e as entidades previdenciárias.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Atualizado em 1 de junho de 2017 08:51

A discussão envolvendo o conceito jurídico-constitucional de faturamento, previsto no artigo 195, inciso I, alínea "b", da Constituição Federal, como uma das bases de cálculo para as contribuições destinadas ao financiamento da seguridade social, já é antiga entre os eminentes ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

O seu início se deu no ano de 1993, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 150.755, oportunidade em que, por maioria, restou vencedor o voto proferido pelo ministro Sepúlveda Pertence (Redator p/ acórdão), no sentido de que a receita bruta, tal como prevista no decreto-lei 2.397/87 ("receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços, de qualquer natureza") corresponderia ao conceito de faturamento.

Após o referido julgamento, novos debates ocorreram, a exemplo do julgamento do RE 150.764 (Redator p/ acórdão min. Marco Aurélio, DJ 2/4/93), bem como do julgamento da ADC nº 1/DF (rel. min. Moreira Alves, DJ 16/6/95), quando foi declarada a constitucionalidade do art. 2º da LC 70/91, que prevê como base de cálculo da Cofins "...o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza."

Posteriormente, no ano de 2005, a abrangência do conceito de faturamento foi novamente apreciada pelo Plenário do STF, que, ao julgar os RE's 346.084 (DJ 1/9/06 - rel. p/ acórdão min. Marco Aurélio), 357.950, 358.273 e 390.840 (todos DJ 15.08.06 - rel. min. Marco Aurélio) decidiu pela inconstitucionalidade do § 1º, do artigo 3º da lei 9.718/98. Tal dispositivo ampliava o conceito de faturamento equiparado à receita bruta previsto na redação original do artigo 195 da Carta Federal (anterior à Emenda Constitucional 20 de 1998) para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvidas e da classificação contábil adotada.

Nos casos acima aludidos, definiu-se, então, que a expressão "faturamento" deve ser interpretada como o sinônimo de receita bruta, a qual corresponde ao produto das vendas de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços, a exemplo do que se constata da ementa do RE 346.084:

"CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PIS - RECEITA BRUTA - NOÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº. 20, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº. 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada."

Após 2005, diversas foram as controvérsias enfrentadas pelo STF abrangendo o tão citado termo "faturamento". A mais recente ocorreu em 9/3/17 e em 15/3/17, quando, em sede de repercussão geral, o Plenário daquela Corte Constitucional decidiu tema complexo relacionado à inclusão do ICMS (Imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços) na base de cálculo do PIS e da Cofins (RE 574.706), cujo acórdão ainda não foi publicado.

Nesta ocasião, prevaleceu o entendimento da ministra Cármen Lúcia, relatora do recurso interposto pelo contribuinte, no sentido de que o valor daquele imposto estadual, por não constituir receita do contribuinte, não guarda expressa a definição constitucional de faturamento para fins de apuração da base de cálculo das aludidas contribuições.

Apesar de o resultado deste julgamento não ter se dado de forma unânime (6 x 4 pelo provimento do RE), parece-nos que um ponto se mostrou comum entre a maioria dos eminentes ministros daquela Corte Suprema: o fato de que a definição acerca do conceito de faturamento permanece a corresponder, essencialmente, como o produto da venda de mercadorias e de serviços, além de ser proveniente de atividades tipicamente comerciais.

Para a ministra Cármen Lúcia (relatora) que, ao proferir seu voto, utilizou-se do histórico da legislação e da jurisprudência sobre o tema constantes do voto do ministro Cesar Peluso, nos supracitados RE's 346.084 (DJ 1/9/06 - rel. p/ acórdão min. Marco Aurélio), 357.950, 358.273 e 390.840 (todos DJ 15/8/6 - rel. min. Marco Aurélio): "...faturamento também significa percepção de valores e, como tal, pertence ao gênero ou classe receita, mas com a diferença específica de que compreende apenas os valores oriundos do exercício da 'atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços' (venda de mercadorias e de serviços)."

O ministro Edson Fachin, que neste julgamento inaugurou a divergência, partiu da premissa de que "o conceito jurídico de faturamento se traduz na somatória das receitas resultantes das atividades empresariais, e não apenas da venda de bens, mercadorias ou serviços correspondentes à emissão de faturas...".

Já o ministro Ricardo Lewandowski, que acompanhou a tese vencedora, manifestou-se no sentido de que "...o faturamento sempre foi entendido pela doutrina e mesmo pela prática comercial como receita oriunda da venda de mercadorias ou da prestação de serviço. Pergunte-se isso a qualquer pessoa que passe na rua, qualquer indivíduo que se dedique à mercancia...".

O ministro Marco Aurélio, que adiantou seu voto para acompanhar o entendimento manifestado pela relatora, reportou-se ao voto proferido no RE 240.785, em que assim restou consignado: "O conceito de faturamento diz com riqueza própria quantia que tem ingresso nos cofres de quem procede à venda de mercadorias ou à prestação de serviços...".

O ministro Gilmar Mendes, embora tenha votado no sentido de negar provimento ao recurso do contribuinte, reconheceu que "...o fato gerador [do faturamento] ocorre com o aperfeiçoamento do contrato de compra e venda ou de prestação de serviços, ou seja, com a entrega do produto ou a efetiva prestação de serviços...".

E por fim, o ministro Celso de Mello, ao utilizar a definição do doutrinador José Antônio Minatel e acompanhar o voto da relatora, registrou que "...receita é ingresso, mas ingresso qualificado pela sua origem, caracterizando a entrada definitiva de recursos que, ao mesmo tempo, remunere e é proveniente do exercício da atividade empresarial...".

Percebe-se dos trechos do julgamento acima mencionados, os quais foram obtidos a partir das manifestações orais e dos votos lidos pelos eminentes ministros da Suprema Corte, nas referidas sessões ocorridas nos dias 9/3/17 e 15/3/17¹, que, de acordo com o recente entendimento manifestado pela maioria dos ministros do STF, a expressão "faturamento", constitucionalmente prevista, é compreendida num contexto relacionado à prática comercial de vender mercadoria e/ou de prestar serviço, possuindo, assim, cunho nitidamente empresarial.

Importante se faz notar que é de grande relevância essa reafirmação do Plenário do STF quanto ao conteúdo histórico do conceito de "faturamento", uma vez que, por certo, irá refletir no julgamento (ainda pendente) do RE 609.096, em que se discutirá a (in)exigibilidade do PIS e da Cofins sobre as receitas financeiras ou operacionais das instituições financeiras (repercussão geral - tema 372).

Embora este último caso envolva instituição financeira (tem-se como parte recorrida o Banco Santander), os processos judiciais que versam sobre a exigibilidade do PIS e da Cofins das entidades fechadas de previdência complementar têm sido sobrestados em razão de tal leading case dos bancos.

Vale o registro de que, ao opinar sobre o caso das instituições financeiras, a Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestou-se pelo provimento do recurso, sob o argumento de que "...a definição de faturamento, conforme jurisprudência consolidada na Corte Suprema, é sinônimo de receita bruta, o que não alterou com a declaração de inconstitucionalidade do §1º do art. 3º da lei 9.718/98".

Porém, em parecer complementar, a PGR advertiu que, por ocasião do julgamento do citado RE 609.096, será necessário fazer a distinção entre as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional e as entidades fechadas de previdência complementar, uma vez que estas "...são entidades sem finalidade lucrativa, organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem exercício de atividade comercial ou empresarial...", tendo concluído que "...no caso das entidades fechadas de previdência complementar não há que se falar em faturamento, porque toda a atividade, custeada exclusivamente por contribuições dos seus próprios participantes, volta-se à garantia dos benefícios previdenciários do mesmo universo de participantes...".

Tal como defendido por aquela PGR, as entidades fechadas de previdência complementar, por lei (LC 109/01, art. 32), têm como única atividade a gestão de planos de benefícios previdenciários de aposentadoria.

Aliás, foi em razão dessa natureza jurídica das entidades fechadas de previdência complementar que o STJ revisou a súmula 321 e editou a súmula 563, afastando expressamente a incidência do Código de Defesa do Consumidor para os contratos celebrados no âmbito de tais entidades previdenciárias.

Os recursos geridos pelas entidades fechadas de previdência complementar (contribuições de participantes e patrocinadores), que resultam dos aportes daqueles que financiam o plano previdenciário (patrocinadores e participantes) são destinados integralmente à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas do plano previdenciário, nos termos do art. 18 da LC 109/01.

Portanto, a entidade fechada de previdência complementar, a exemplo da FUNPRESP-Judiciário ou da FUNPRESP-Executivo, é mera gestora de tais recursos previdenciários.

Além disso, ante a ausência de finalidade lucrativa (art. 31 da LC 109/01), bem como por haver impedimento legal de exercer qualquer atividade que não a gestão de planos de benefícios, menos ainda de atividade de cunho empresarial ou comercial, nos fundos de previdência privada fechada inexiste a figura do "faturamento" ou a figura de "receita", na medida em que os recursos que nela ingressam decorrem de contribuições patronais e dos participantes.

Logo, às entidades fechadas de previdência complementar somente compete administrar, sem qualquer finalidade lucrativa, planos de benefícios de natureza previdenciária.

Some-se a tais considerações o teor do art. 69, §1º, da LC 109/01, que dispõe, de forma expressa, que sobre as contribuições previdenciárias não deve incidir tributação de qualquer natureza. Essa não incidência de tributação alcança todas as contribuições vertidas para o plano previdenciário, incluindo os valores indispensáveis à própria gestão desse mesmo plano de benefícios, em interpretação harmônica com o citado art. 18 da mesma LC 109.

Veja-se, por tudo aqui exposto, que, em que pese tratarem de situações jurídicas diversas, mostra-se valioso o precedente referente ao RE 574.076, já que, no julgamento deste recurso, reforçou-se, uma vez mais, a tese de que o ato de "faturar" ou de "auferir receita" (base de cálculo para a PIS e à Cofins) está relacionado com atividade típica do campo mercantil, que não pode ser confundida, de forma alguma, com a atividade realizada pelas entidades fechadas de previdência complementar.

Assim, espera-se que, quando da análise do referido RE 609.096 (PIS-Cofins das instituições financeiras) e, portanto, quando da nova (porém, não recente) discussão quanto ao conceito e alcance da expressão "faturamento", o STF faça o necessário "distinguishing" entre as instituições financeiras e as entidades previdenciárias (tal como defendido pela Procuradoria-Geral da República), a fim de que se analise tal base de cálculo do PIS e da Cofins à luz das atividades exercidas pelas referidas entidades de previdência que, repise-se, não possuem qualquer caráter empresarial, ou seja, não possuem faturamento.

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1 O julgamento do citado Recurso Extraordinário se encontra disponível para reprodução, no site youtube.com, no canal do STF, nos seguintes links:
Pleno - Inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins é inconstitucional (1/2)
Pleno - Inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins é inconstitucional (2/2)
Pleno - Suspenso julgamento sobre inclusão de ICMS na base de cálculo de PIS e Cofins (1/2)
Pleno - Suspenso julgamento sobre inclusão de ICMS na base de cálculo de PIS e Cofins (2/2)

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*Izabella Alves Saraiva é advogada do escritório Reis, Tôrres, Florêncio, Corrêa e Oliveira Advocacia, com sede em Brasília/DF.

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