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FAST-FOOD: O próximo alvo da indústria das indenizações?

Fernando Eduardo Serec e Antonio Marzagão Barbuto Neto

Recentemente, uma nova modalidade de litígio tem encontrado grande repercussão na imprensa americana, uma vez que, assim como as demandas judicias ajuizadas contra a indústria do tabaco, também envolve uma das maiores indústrias daquele país, a indústria da fast-food.

sexta-feira, 29 de agosto de 2003

Atualizado às 06:26

FAST-FOOD: O próximo alvo da indústria das indenizações?

 

Fernando Eduardo Serec

 

Antonio Marzagão Barbuto Neto*

 

Ações judiciais movidas contra os fabricantes de cigarro, pleiteando indenizações por danos à saúde decorrentes do consumo de tal produto, surgiram nos EUA e foram rapidamente incorporadas ao nosso cotidiano forense. Recentemente, uma nova modalidade de litígio tem encontrado grande repercussão na imprensa americana, uma vez que, assim como as demandas judicias ajuizadas contra a indústria do tabaco, também envolve uma das maiores indústrias daquele país, a indústria da fast-food.

 

Trata-se de ações movidas por pessoas que sofrem de obesidade contra grandes redes de fast-food. Essas empresas estão sendo acusadas de veicularem propaganda enganosa sobre os produtos por elas comercializados, tais como hambúrgueres, refrigerantes e batatas fritas, uma vez que deixariam de informar acerca dos riscos associados ao consumo de referidos alimentos, fato que teria sido responsável pela obesidade de seus consumidores, além de outros problemas de saúde a ela associados.

 

Ainda que a primeira das demandas judiciais dessa natureza tenha sido rejeitada por um Juiz do Estado de Nova Iorque sob o argumento de que "não cabe ao Direito protegê-los (autores) contra seus próprios excessos", o presente artigo se propõe justamente a corroborar tal decisão, à luz das disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mais especificamente à luz das disposições que tratam da propaganda enganosa por omissão.

 

Essa modalidade de propaganda enganosa ocorre quando o fornecedor deixa de informar sobre um dado essencial relativo a seu produto ou serviço. Dados essenciais sobre produtos e serviços, por sua vez, referem-se às informações acerca das características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, bem como as informações sobre os riscos que os produtos ou serviços apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

 

Configura-se um "defeito de informação" toda vez que o fornecedor deixa de informar acerca dos riscos que seus produtos apresentam à saúde e segurança dos consumidores. O CDC responsabiliza o fornecedor pelas "informações insuficientes ou inadequadas" sobre a utilização e riscos de seus produtos ou serviços.

 

Ocorre, todavia, que a utilização de todo e qualquer produto implica um risco. A mais inocente agulha de costura pode causar danos ao consumidor que dela se utiliza. Isso não significa, entretanto, que o fabricante de agulhas deva informar que a utilização de seu produto pode causar danos à integridade física dos consumidores. Mas quais seriam, então, os riscos à saúde e segurança que devem, necessariamente, ser informados pelos fornecedores?

 

O próprio CDC encarregou-se de indicar a extensão desse dever de informar sobre os riscos ao dispor que produto defeituoso é aquele que "não oferece a segurança que dele legitimamente se espera". Dentre as circunstâncias que devem ser levadas em consideração na aferição do defeito relativo a um produto, destacam-se "os riscos que razoavelmente dele se esperam".

 

Verifica-se, portanto, que a legislação brasileira deixou para as "regras da experiência comum" a determinação acerca dos riscos que devem necessariamente ser informados. Tais regras funcionam como verdadeiro calibrador do dever de informar acerca dos riscos de determinado produto. Assim, apenas os riscos não revelados pela experiência comum, ou seja, apenas aqueles que razoavelmente não podem ser previstos devem ser informados.

 

Claro e evidente que uma agulha poderá causar danos ao consumidor. Isso não significa, entretanto, que seu fabricante deva informar sobre esse risco, uma vez que é razoavelmente esperado que uma agulha possa causar um dano àquele que a manuseia. Da mesma maneira, é razoavelmente esperado que uma pessoa que consuma batatas fritas em excesso venha a desenvolver algum problema de saúde. Não há, portanto, qualquer dever das redes de fast-food, assim como de qualquer fabricante de batatas fritas, de informar aos seus consumidores que o consumo excessivo de tal alimento pode causar obesidade.

 

Admitir-se o contrário seria o mesmo que negar o princípio da razoabilidade, de forma a dar uma interpretação absurdamente extensiva ao dever de informar sobre os riscos associado ao consumo de alimentos, fato que certamente causaria transtornos não só às redes de fast-food, como também a todo e qualquer restaurante, que se veria obrigado a alertar seus clientes de que o consumo excessivo de seus alimentos poderá causar danos à saúde.

 

Conclui-se, assim, que o litígio contra as grandes redes de fast-food não deverá ser incorporado à nossa realidade forense, uma vez que demandas dessa natureza encontram verdadeira barreira legal na disciplina do dever de informar do Código de Defesa do Consumidor.

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* Advogados do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

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