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Gravação ambiental do presidente Temer. Nulidade. Quebra da cadeia de custódia da prova.

Alexandre de Abreu e Silva

Apenas conhecer a fonte inicial da prova não é suficiente, é necessário que se conheça a integralidade da cadeia de custódia.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Atualizado às 08:02

A gravação ambiental de diálogo do delator Joesley Batista com o presidente Temer é o tema do momento.

O delator entregou por meio de mídia removível pen drive o conteúdo da gravação realizada à Procuradoria da Geral da República (PGR). A partir deste áudio a PGR solicitou a abertura de Inquérito para investigar o presidente.

A defesa do presidente da República questiona a integridade do conteúdo do áudio apresentado e solicitou que o material fosse encaminhado para exame pericial.

A perícia pretendida atestará o conteúdo do material através da transcrição da conversa, analisando o áudio segundo a segundo, bem como, verificará edições, identificando eventuais elementos indicativos de alterações ou adulterações nos registros de áudio. Será analisado se o conteúdo original captado foi ou não modificado.

Os experientes e conceituados peritos da Polícia Federal solicitaram à PGR que também lhe fossem enviado o equipamento gravador do áudio, haja vista, que a boa prática em análise forense de vestígios multimídia recomenda que haja o exame conjunto entre os registros de áudio e o equipamento gravador.

O equipamento gravador por sua vez estaria no exterior na posse e guarda do delator, conforme informou seu advogado, mas que o mesmo estaria providenciando sua remessa ao Brasil com imediata entrega à Polícia Federal para o desenvolvimento dos trabalhos periciais.

A gravação ambiental do presidente da República pelo delator foi realizada em 7/3/2017, sendo que o áudio em formato digital (pen drive contendo 1 pasta com 4 arquivos) foi entregue a PGR em 7/4/2017, conforme consta do Inquérito/STF 4483. O aparelho gravador, contudo, ficou na posse do delator, que inclusive o levou para o exterior.

Este aparelho gravador chegará ao Brasil sabe-se lá por qual meio e será entregue para exame pericial do Instituto Nacional de Criminalística (INC), órgão central de Criminalística da Polícia Federal.

A Polícia Federal recebeu apenas cópia do áudio em formato digital, sem o aparelho gravador, que inclusive deve conter a gravação original, porque o delator o levou para o exterior.

Então, sobre o aparelho gravador que será remetido pelo delator do exterior para a Polícia Federal perguntamos: Esse aparelho gravador permanece intacto? Está funcionando nas mesmas condições quando da captação ambiental realizada? Por quem foi manuseado desde então? Foi lacrado? Onde e sob quais condições foi guardado? Foi submetido a algum tipo de intervenção? Teve seu funcionamento e programação alterados? Teve algum componente substituído? Foi acessado por algum técnico especializado? É o mesmo aparelho gravador utilizado na captação ambiental da conversa com o presidente Michel Temer? Contém o áudio original intacto? Foram realizadas outras gravações neste aparelho?

Estas respostas não poderão ser obtidas porque houve quebra da cadeia de custódia da prova que será periciada. O aparelho gravador permaneceu há mais de 40 dias na posse do delator e não foi custodiado.

Assim sendo, ainda que apresentado o aparelho gravador a posteriori para análise pericial, temos que a falta de custódia do mesmo quando da apresentação dos áudios à PGR pelo delator compromete a idoneidade e integridade da prova [ausência da fonte de origem devidamente custodiada].

O exame de verificação de fonte visa analisar se um registro de áudio foi gerado a partir de um determinado equipamento gravador. Dentro desse contexto, a disponibilização do suposto instrumental que produziu o registro do áudio ambiental para os peritos criminais é fundamental para analisar a sua origem. Contudo, a falta de custódia deste aparelho coloca sob suspeita a idoneidade da prova.

Ao final temos uma cópia do áudio em formato digital entregue a PGR, portanto, presume-se, devidamente custodiada, e um aparelho gravador do áudio ambiental em posse do delator, isso implica dizer que a cadeia de custódia da prova a ser periciada foi estraçalhada.

Segundo Machado1 (2009), "cadeia de custódia é procedimento preponderante e de suma importância para a garantia e transparência na apuração criminal quanto à prova material, sendo relato fiel de todas as ocorrências da evidência, vinculando os fatos e criando um lastro de autenticidade jurídica entre o tipo criminal, autor e vítima".

No que diz respeito à preservação das informações coletadas a cadeia de custódia possibilita documentar a cronologia das evidências, quem foram os responsáveis por seu manuseio, garantir a inviolabilidade do material, lacrar as evidências, restringir acesso, tudo isso visando à perda da confiança do elemento (com)probatório, seja em qual área for.

No caso concreto o aparelho gravador deveria ter sido entregue pelo delator à PGR conjuntamente com o áudio em formato digital (pen drive), de sorte a evitar quaisquer questionamentos sobre a integridade da prova. Não há como separar o áudio em formato digital entregue a PGR do seu aparelho gravador. A prova em questão é um todo (aparelho e áudio), até porque o áudio foi extraído do aparelho. Não sabemos inclusive se o referido áudio original da gravação ambiental permanece armazenado de maneira íntegra no referido gravador.

Como bem assinalaram os juristas Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa, no artigo 'A importância da cadeia de custódia para preservar a prova penal'2, "a preservação das fontes de prova, através da manutenção da cadeia de custódia, situa a discussão no campo da "conexão de antijuridicidade da prova ilícita", consagrada no artigo 5º, inciso LVI da Constituição, acarretando a inadmissibilidade da prova ilícita". Os autores destacam ainda que o zelo e a justa ponderação e condicionamento de validação das provas e fontes de prova em face da higidez da cadeia de custódia se justifica para impedir a manipulação indevida do arcabouço de convencimento, visando sempre à melhor decisão judicial.

Não há como o juiz pautar seu convencimento em uma prova que não se conhece a(s) fonte(s), ou que mesmo conhecendo a fonte esta não foi devidamente custodiada para preservar sua integridade.

Segundo o magistério de Geraldo Prado (2014)3, no atual processo penal é de suma importância que se possa verificar "a estrita legalidade da obtenção e preservação dos meios de prova - isto é, da escrupulosa legalidade do acesso às fontes de prova e da manutenção destas fontes em condição de serem consultadas, oportunamente, pelas partes".

Entretanto, apenas conhecer a fonte inicial da prova não é suficiente, é necessário que se conheça a integralidade da cadeia de custódia.

Geraldo Prado (2014), acredita ser a cadeia de custódia um instrumental que visa assegurar a integridade dos elementos de prova.

Mas não é só isso. A preservação da fonte da prova não diz respeito apenas à integridade da cadeia de custódia (como enuncia o art. 245, § 6º, do
CPP
quando fala da apreensão da coisa, por exemplo), mas à impossibilidade de utilização da prova pela defesa ou acusação e, portanto, refere-se ao comprometimento do contraditório.

Portanto, quando um ato de investigação é levado a cabo, necessário, para admissibilidade no processo, a preservação da originalidade da evidência, justamente por surgir ao arguido o direito de conhecer o fato histórico na sua integralidade; do contrário, ter-se-ia a perda da cadeia de custódia da prova, com a consequente inadmissibilidade no processo.

Ademais, a prova digital é dotada de efemeridade, precariedade, não durabilidade, instabilidade, imaterialidade, complexidade e até mesmo pulverização, o que torna, pela extraordinária dificuldade intrínseca à espécie, inviável determinar, com rigor, que dados foram acrescentados, modificados ou suprimidos, não sendo possível portanto, demonstrar "prejuízo", confrontando eventual "prova íntegra" com "prova alterada" [pela perda da originalidade], sendo, assim, a falta de custódia adequada da prova a ser periciada e a quebra da cadeia de custódia da prova, a torna inadmissível no processo dentro do contexto das nulidades.

A gravação ambiental realizada tem prova única [áudio e aparelho gravador]. São indissociáveis. O aparelho gravador do áudio não foi custodiado. Não foi entregue pelo delator conjuntamente com o áudio à PGR em 7/04/2017, e sua entrega pelo delator às autoridades depois de 40 dias é atestado absoluto da quebra da cadeia de custódia da prova, o que implica na sua inadmissibilidade para fins processuais.

Imaginem o disparate, o delator faz pesadas e graves acusações contra a mais alta autoridade da República, e na sequência viaja para o exterior levando consigo a principal prova da acusação (aparelho gravador com áudio original). É estarrecedor.

Dentre os benefícios [inusitados] que o delator recebeu não consta que poderia levar para o exterior a essencial prova da acusação que fez ao presidente do seu país.

Portanto, essa gravação é nula pela falta e quebra da cadeia de custódia da prova. Neste sentido fazemos coro com os juristas Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa, onde "a consequência da quebra da cadeia de custódia (break on the chain of custody) deve ser a proibição de valoração probatória com a consequente exclusão física dela e de toda a derivada" 4.

Não podemos perder de vista que a legítima e necessária pretensão do Estado de investigar infrações penais e punir seus responsáveis deve harmonizar-se com as regras do Estado de Direito, com estrita observância do devido processo legal e dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Simples assim.

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1. MACHADO, Margarida Helena Serejo. A Regulamentação da Cadeia de Custódia na Ação Penal: Uma necessidade Premente. Corpo Delito, n.1, p. 18-23, Brasília, 2009.

2. 'A importância da cadeia de custódia para preservar a prova penal'.

3. PRADO, Geraldo. Prova penal e sistema de controles epistêmicos: a quebra da cadeia de custódia das provas obtidas por métodos ocultos. - 1º ed. - São Paulo: Marcial Pons, 2014.

4. 'A importância da cadeia de custódia para preservar a prova penal'.

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*Alexandre de Abreu e Silva é advogado criminalista e sócio do escritório Abreu Advogados Associados S/S com sede em Goiânia-GO.

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