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Reclamação e a decisão transitada em julgado

Thiago Cássio D'Ávila Araújo e Rafael Pinheiro Dantas

A jurisprudência do STF está consolidada no sentido do não cabimento da Reclamação diante de decisão preclusa, isto é, contra a qual não tenha sido interposto, tempestivamente, o recurso cabível.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Atualizado às 08:22

§ 1º A redação da súmula 734 do Supremo Tribunal Federal (STF), aprovada em Sessão Plenária de 26/11/03, é de que "Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal". Bem antes, este já tinha sido o entendimento firmado no julgamento da Rcl 603 (rel. min CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, DJ de 12/2/99) e na Rcl 365 (rel. min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, DJ de 7/8/92).

§ 2º Em suma, o STF tem compreendido que a Reclamação não se presta a servir como sucedâneo recursal, nem como ação rescisória¹. A inocorrência do trânsito em julgado da decisão reclamada é considerada pressuposto negativo de admissibilidade da própria Reclamação². A jurisprudência do STF está consolidada no sentido do não cabimento da Reclamação diante de decisão preclusa, isto é, contra a qual não tenha sido interposto, tempestivamente, o recurso cabível³. O posicionamento do não cabimento da Reclamação diante da preclusão também é aplicável aos capítulos de sentença, i.e., quando estes não tenham sido impugnados pelo recurso cabível e pretenda o Reclamante atacá-los pela via da Reclamação4.

Novo CPC

§ 3º Todas estas diretrizes jurisprudenciais, espera-se, irradiar-se-ão para os demais Tribunais do país que agora, também, diante do novo Código de Processo Civil (NCPC), introduzido em nosso ordenamento jurídico pela lei 13.256, de 2016, processarão e julgarão Reclamações, como os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais de Justiça dos Estados e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Prevê o § 1º do art. 988, do NCPC, inclusive, que "A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir" 5. Perante estes tribunais de segunda instância, além da preservação da autoridade da decisão com eficácia inter partes, também caberá Reclamação, da parte interessada ou do Ministério Público, para "garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência" (NCPC, art. 988, inciso IV, com redação dada pela lei 13.256, de 2016).

§ 4º No novo CPC, consta do inciso I do § 5º do art. 988, com redação dada pela lei 13.256, de 2016, que é inadmissível a Reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada. Logo se vê, então, que se trata de positivação do conteúdo jurídico da súmula 734/STF. Entretanto, há que se fazer distinção importante: se a Reclamação for ajuizada antes do trânsito em julgado da decisão reclamada, mesmo que este, posteriormente, venha a acontecer, não haverá perda de objeto da Reclamação e, preenchidas as demais exigências jurídico-processuais, a mesma deverá ter seu mérito apreciado. O § 6º do art. 988 do NCPC vem em auxílio a esta interpretação, ao dispor que até mesmo "A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação".

§ 5º Antes mesmo do NCPC, já se havia consolidado no Plenário do STF que, em situação tal, a Reclamação deve ser julgada. Exemplificativamente:

"EMENTA: RECLAMAÇÃO. Ação constitucional julgada procedente. Decisão ofensiva à autoridade do acórdão da ADI 3.395. Trânsito em julgado no curso do processo da reclamação. Inaplicabilidade da súmula 734. Embargos recebidos como agravo. Improvimento deste. Admite-se reclamação contra decisão que só transitou em julgado após seu ajuizamento." 6

§ 6º Do ementário da jurisprudência do STF, precisamente da Reclamação 509, colhe-se a razão jurídica pela qual a Reclamação subsiste, mesmo diante do trânsito em julgado da decisão reclamada. É que, em sendo julgada procedente a Reclamação, o ato reclamado será desconstituído e, por conseguinte, todos os que lhe são posteriores. Assim, deixará de subsistir o próprio trânsito em julgado da decisão reclamada. Vejamos:

"EMENTA: I. Reclamação: subsistência à coisa julgada formada na sua pendência. Ajuizada a reclamação antes do trânsito em julgado da decisão reclamada, e não suspenso liminarmente o processo principal, a eficácia de tudo quanto nele se decidir ulteriormente, incluído o eventual trânsito em julgado do provimento que se tacha de contrário à autoridade de acórdão do STF, será desconstituído pela procedência da reclamação. II. Reclamação: improcedência. (.)". 7

§ 7º Observe-se bem que, no caso da ementa acima transcrita, a Reclamação teve seguimento para julgamento de mérito, mas foi tida por improcedente. A princípio, o voto do eminente relator, ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, havia sido no sentido de julgar prejudicado o expediente, dentre outros fundamentos, exatamente pela ocorrência superveniente do trânsito em julgado da decisão reclamada. Segue trecho de seu voto original: "Tenho, pois, como prejudicada a pretensão dos reclamantes, quer pela sentença proferida nos embargos à execução, que substituiu o ato atacado na reclamação, quer pelo trânsito em julgado".8 No entanto, em discussão no Plenário do STF, o min. MOREIRA ALVES afirmou que "A pendência da reclamação impede o trânsito em julgado" (i.e., da decisão reclamada). Disse ainda: "Sucede que ele ajuizou a reclamação antes, e, embora não tenha havido liminar, ele teria que ajuizar uma reclamação contra cada uma dessas decisões, para não haver trânsito em julgado. Aí ficaria quase impossível, porque desde o momento em que ele entra com uma reclamação, a meu ver, ele impede, com isso, que transite em julgado o que diga respeito ao objeto dessa reclamação, seja total ou parcial. Senão, ele terá que ajuizar uma reclamação cada vez que se julgarem os embargos. A pendência da reclamação impede o trânsito em julgado".9 O min. SEPÚLVEDA PERTENCE formulou, então: "V. Exa. acha que a pendência da reclamação deixa a coisa julgada que alhures se formar subordinada ao que se vier a decidir na reclamação". O min. MOREIRA ALVES ponderou: "Desde que, evidentemente, pelo menos parte do objeto continue em causa". O min. SEPÚLVEDA PERTENCE em seguida pontuou: "É uma inovação na construção da reclamação, onde sempre se teve por um dogma que a coisa julgada é inatacável".10 Concluindo, o Min. SEPÚLVEDA PERTENCE fez retificação de seu voto, na parte que toca ao seguimento da Reclamação, para proferir voto de julgamento de mérito, nos seguintes termos: "Sr. Presidente, a tese do Sr. Ministro Moreira Alves, que tendo a acolher, é no sentido de que, ajuizada a reclamação antes do trânsito em julgado da decisão reclamada ela é admissível, e não suspenso liminarmente o processo, o que nele se vier a decidir ficará desconstituído pela eventual procedência da reclamação. Acolho tais fundamentos para alterar a conclusão do meu voto, no sentido de conhecer da reclamação e julgá-la improcedente, ...".

§ 8º Diante dos precedentes da Suprema Corte acima abordados e, considerando-se, ainda, a interpretação que pode ser extraída dos §§ 5º e § 6º do art. 988 do NCPC, em havendo o trânsito em julgado posterior no processo que deu origem à Reclamação, esta não perde o objeto, merecendo ter seu mérito apreciado. Nesta situação, em sendo julgada procedente a Reclamação, o ato reclamado e os supervenientes deixarão de ter validade, incluindo-se o próprio trânsito em julgado ocorrido. Esse entendimento é aplicado ainda que não tenha havido liminar, na Reclamação, suspendendo a tramitação do processo no qual esteja inserido o ato reclamado.

A decisão interlocutória de oportunidade recursal diferida no tempo.

§ 9º Em relação às decisões interlocutórias de primeira instância, o novo CPC limitou as hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento, em rol do seu art. 1.015, além de outras hipóteses expressamente previstas no próprio NCPC ou em leis extravagantes. Note-se, porém, que se a decisão interlocutória não se encontrar no rol das hipóteses taxativamente previstas de agravo de instrumento, nem por isso ela será inatacável definitivamente. O que ocorre é que ela não poderá ser impugnada por agravo de instrumento, apenas isso. Também, não poderá ser discutida mediante o recurso de agravo retido, eis que este não existe no rol do art. 994 do novo CPC (isto é, o agravo retido deixou de existir com o advento do novo CPC). Sem prejuízo, tais decisões podem ser objeto de impugnação para a instância superior, em momento posterior à sentença, na forma do art. 1.009, NCPC, caput e parágrafos, in verbis:

"Art. 1.009. Da sentença cabe apelação.
§ 1º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.
§ 2º Se as questões referidas no § 1º forem suscitadas em contrarrazões, o recorrente será intimado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se a respeito delas."11

§ 10. No ponto, impende destacar especialmente a previsão contida no § 1º do art. 1.009 do NCPC, qual seja, não são cobertas pela preclusão as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento. Ou, pelo menos, não ocorrerá a preclusão até o fim do prazo de interposição do recurso de apelação ou da peça de contrarrazões onde estas questões devem ser abordadas pela parte, como determinado na redação do § 1º do art. 1.009 ("e devem ser suscitadas"), conjugado com o § 2º do mesmo dispositivo (no caso de contrarrazões à apelação). Não sobrevindo a alegação oportuna, em preliminar de apelação, ou nas contrarrazões feitas à apelação da parte adversa, aí sim, estará configurada a preclusão para a parte prejudicada pela decisão interlocutória que se revelara inatacável por agravo de instrumento. Embora, em se tratando de matéria que o Estado-juiz possa conhecer de ofício, tal ainda possa vir à tona, no curso da lide, no tribunal que julgará a apelação.

§ 11. Pois bem. Se a parte prejudicada por decisão interlocutória, contra a qual não couber recurso de agravo de instrumento, ajuizar Reclamação, no tribunal competente, antes do momento propício de oferecimento de apelação ou contrarrazões, de que trata o § 1º do art. 1.009 do NCPC, não há falar-se em preclusão que possa impedir o conhecimento desta Reclamação, por maior que seja o tempo transcorrido desde a intimação da parte da decisão interlocutória impugnada através desta Reclamação. Em assim ocorrendo, os efeitos da decisão proferida na Reclamação poderão, em caso de procedência desta, fazer o processo retornar ao momento anterior àquele em que proferida a decisão reclamada. Por outro lado, ultrapassada a fase prevista no § 1º do art. 1.009 do NCPC, se a parte não tiver impugnado, na apelação ou nas contrarrazões, a decisão interlocutória que não pôde discutir antes por agravo de instrumento, aí sim, estará caracterizada a preclusão e, desse modo, não deverá ser conhecida a Reclamação posteriormente ajuizada.

§ 12. Uma situação merece destaque. Não havendo interposição de apelação ou oferta de contrarrazões na qual se aborde o ato interlocutório indiscutível por agravo de instrumento, estaria prejudicado o andamento da Reclamação previamente apresentada contra o mesmo? Ou, se não proposta a Reclamação antes da intimação para a prática do ato de que trata o § 1º do art. 1.009 do NCPC, seria possível o seu manejo se intentada dentro do prazo para apelar ou contrarrazoar, mesmo que a parte não venha a ofertar apelo nem contrarrazões, já que não ocorrido ainda o trânsito em julgado da decisão interlocutória a figurar como reclamada?

§ 13. Em linhas gerais, DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES assim opina:

"Questão interessante diz respeito à reclamação constitucional apresentada contra decisão judicial que não seja atacada por recurso, ou porque não existe recurso cabível ou porque a parte que poderia se valer do caminho recursal não o fez. Pergunta-se, nesse caso, haveria trânsito em julgado em razão da não interposição do recurso? O eventual trânsito em julgado prejudica a reclamação constitucional pendente de julgamento?
Apesar de existir doutrina que defende a existência de trânsito em julgado nesse caso, ainda que não sendo prejudicada a reclamação constitucional, inclusive em opinião referendada em decisão do Supremo Tribunal Federal, prefiro acreditar que a pendência da reclamação constitucional impede o trânsito em julgado, razão pela qual a não interposição de recurso contra a decisão não gera a consequência natural de tornar a decisão imutável e indiscutível e, por isso, não prejudica o andamento da reclamação constitucional."
12

§ 14. Avante, o autor manifesta-se com clareza acerca da hipótese de decisão não recorrida, como a que ora se discute: "Enquanto existir recurso pendente de julgamento contra a decisão impugnada em sede de reclamação constitucional, realmente não haverá sentido fixar um prazo para tal ação, mas, não sendo a decisão recorrida, a parte deve ingressar com a reclamação constitucional no prazo recursal, sob pena de perder o direito à reclamação, nos termos do art. 988, §5º, I, do novo CPC." 13 Entendemos da mesma forma.

§ 15. Mesmo não havendo a interposição do apelo ou a apresentação de contrarrazões em que se aborde a irresignação contra ato interlocutório da fase de conhecimento não atacável pelo agravo de instrumento, não estará prejudicado o andamento da Reclamação apresentada anteriormente à ocorrência da preclusão em si, quanto à decisão reclamada, isto é, desde que se tenha procedido dentro do prazo disponível para apelar ou oferecer contrarrazões à apelação, hipótese na qual não terá ocorrido, ainda, no momento do ajuizamento da Reclamação, a preclusão de que trata o § 1º do art. 1.009, NCPC. Estes raciocínios fazem sentido quando da procedência da Reclamação resulta a cassação da decisão reclamada e a consequente nulidade de todos os atos processuais que lhe são posteriores. Por exemplo, por usurpação de competência originária de Tribunal, a procedência da Reclamação ajuizada contra decisão de juízo singular de primeira instância que rejeitou (NCPC, art. 64, § 2º) alegação de incompetência absoluta do juízo. 14

_____________

1 STF, Rcl 23003 AgR, Relatora: Min. ROSA WEBER, 1ª Turma, julgado em 16/12/16.

2 STF, Rcl 20743 ED, Relator: Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma, julgado em 24/11/15.

3 Nesse sentido: "1. A propositura de uma reclamação pressupõe que a questão impugnada ainda possa ser revisitada. Não se admite o manejo da medida para reabrir pontos já acobertados pela preclusão. (...) 4. Agravo regimental a que se nega provimento" (STF, Rcl 2517 AgR, relator: min. ROBERTO BARROSO, 1ª Turma, julgado em 5/8/14). Do voto do Relator, constou: "o equívoco da parte que deixa de interpor o recurso cabível no momento oportuno não pode ser sanado com o ajuizamento de uma reclamação".

4 Neste sentido: STF, Rcl 13217 AgR, relatora: min. ROSA WEBER, 1ª Turma, julgado em 30/6/15. Ver também: STF, RE 666589, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, 1ª Turma, julgado em 25/3/14.

5 Grifos nossos.

6 STF, Rcl 5821 ED, Relator: Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 14/10/09. Grifos nossos. No mesmo sentido: "Embora o processo originário tenha transitado em julgado em 18/8/2011, tal fato não é prejudicial à continuidade da reclamação constitucional, uma vez que ajuizada antes do trânsito em julgado" (STF, Rcl 8934-ED, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 01/12/2011 - Grifos nossos).

7 STF, Rcl 509, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/1999. Grifos nossos.

8 Grifos nossos.

9 Grifos nossos.

10 Grifos nossos.

11 Grifos nossos.

12 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 1630. Grifos nossos.

13 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Op. cit, p. 1.631. Grifos nossos.

14 Decisões interlocutórias sobre competência não são impugnáveis por agravo de instrumento, apesar de parte da doutrina defender o cabimento deste recurso por aplicação extensiva, à hipótese, do inciso III do art. 1.015, NCPC, a nosso ver, equivocadamente, já que o dispositivo restringe-se a prever o referido recurso para a decisão de rejeição da alegação de convenção de arbitragem.

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*Thiago Cássio D'Ávila Araújo é professor de Direito e procurador federal da AGU em Brasília/DF.






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Rafael Pinheiro Dantas é procurador federal da AGU em Brasília/DF e Especialista em Direito Tributário.

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