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E se o presidente Temer cair, haverá eleições?

A minirreforma eleitoral de 2015, que veio com a edição da lei 13.165/15, trouxe a expressa opção do legislador pela realização de eleição direta para os cargos majoritários, como é o de presidente da República, no caso de a vacância do cargo, por decisão da Justiça Eleitoral, ocorrer com seis meses, ou mais, do final do mandato.

terça-feira, 6 de junho de 2017

Atualizado às 08:21

O Brasil passa por sua pior crise, dentre tantas outras que pareciam ser a mais avassaladora, até então. Mas parcela considerável dos políticos brasileiros parece não ter limites em sua ousada criatividade no aspecto da criminalidade e desvio de recursos que deveriam ser aplicados para atender às necessidades do povo.

A atual crise ética, financeira e política traz importantes reflexões sobre a ainda frágil democracia brasileira. A onda interminável de descobertas de absurdos desvios de recursos públicos para satisfação de despesas pessoais ou de campanha eleitoral de agentes políticos detentores de elevados cargos da República, dentre outras finalidades igualmente espúrias, generaliza aquilo que se entremostrava, em princípio, desvio de conduta ética de um pequeno grupo.

Assim, os variados tipos de mensalões, de dimensões astronômicas, infelizmente acabam por se tornarem "fichinha", "café pequeno", diante das descobertas novas.

Hoje o presidente Temer pode ser retirado do Poder por três hipóteses: 1. por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, caso seja cassada a chapa Dilma-Temer por abusos na campanha eleitoral de 2014; 2. por eventual condenação do Supremo Tribunal Federal (STF) em processo crime pelas ilicitudes denunciados pelo empresário da JBS e 3. por processo de impeachment, no caso dos congressistas entenderem que o presidente não tem mais condições de se manter no comando dos destinos do país.

Não se afasta, ainda, a possibilidade do próprio presidente renunciar ao cargo.

No primeiro caso, se o TSE cassar o mandato do presidente da República, deverão ser realizadas eleições diretas, se a cassação ocorrer até seis meses do fim do mandato, ou eleições indiretas, se a vacância do cargo acontecer no prazo menor que seis meses do final. É o que estabelece o art. 224, § 4º, incs. I e II, do Código Eleitoral, com a redação dada pela lei 13.165/15.

Nas duas outras hipóteses (condenação pelo STF ou impeachment), bem ainda, na eventual possibilidade de renúncia, a eleição deve ser indireta, com base no art. 81, § 1º, da Constituição Federal (CF/88).

Mas há divergência sobre a diferenciação acima referida. É que muitos entendem, ao contrário do que tem decidido o TSE, que haveria inconstitucionalidade da atual redação do art. 224 do Código Eleitoral, propondo que deve prevalecer, em qualquer hipótese, a eleição indireta prevista no art. 81, § 1º, da CF/88.

Alguns argumentam que a ideia da eleição direta seria uma tentativa de blindar o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, que, segundo pensam, teria chance de ser eleito numa eventual eleição direta, o que atrairia o foro por prerrogativa de função, afastando-o das garras do juiz Sérgio Moro, que preside o processo da Lava-Jato.

De fato, não parece absurda essa tese de conspiração engendrada ou articulada pelos até agora derrotados de esquerda, tanto que o Senador Lindbergh Farias, relator da PEC - Proposta de Emenda à Constituição 67/16 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, chegou a "apresentar um substitutivo (relatório paralelo ao do autor do projeto), com mudanças que, teoricamente, permitiriam eleição direta já em 2017, caso Temer deixe o Palácio do Planalto até o fim de dezembro"¹, mas a ideia não teria vingado, em síntese, por conta do princípio da anualidade eleitoral (CF, art. 16).

A minirreforma eleitoral de 2015, que veio com a edição da lei 13.165/15, trouxe a expressa opção do legislador pela realização de eleição direta para os cargos majoritários, como é o de presidente da República, no caso de a vacância do cargo, por decisão da Justiça Eleitoral, ocorrer com seis meses, ou mais, do final do mandato, e apenas na hipótese dela acontecer dentro do exíguo prazo de menos de seis meses finais do mandato ser pelo processo indireto.

Porém, o art. 81, § 1º, da Constituição, estabelece procedimento diferente, ou seja, prevê eleição pelo Congresso Nacional, isto é, eleição indireta. Confira:

Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

§ 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

§ 2º - Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.

Diante da ausência de ressalva na Constituição, há parcela significativa de estudiosos que não admitem outra forma de eleição que não seja a indireta, o que significa, para eles, a inconstitucionalidade do art. 224 do Código Eleitoral, que agora prevê aquelas duas hipóteses de eleição, direta ou indireta, a depender do tempo que falta para o término do mandato.

Ocorre que o TSE parece não ter esse entendimento, até porque, em recentíssima decisão que cassou o governador do Amazonas (que é também cargo majoritário, como é o caso de presidente da República), determinou a realização de eleições diretas. Trata-se do Recurso Ordinário 224.661, em que decidiu o TSE:

3. Determinação de realização de novas eleições diretas para governador do Amazonas, na forma do art. 224, §§ 3º e 4º, do Código Eleitoral e dos precedentes desta Corte (ED-REspe 139-25). (Destaquei)

(RO - Recurso Ordinário 224.661 - MANAUS - AM, Acórdão de 4/5/17, relator(a) min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 1/6/17)

No referido julgado, o TSE se reportou ao RESPE - Recurso Especial Eleitoral 139-25, que tem o seguinte conteúdo decisório:

2. A determinação da realização de nova eleição na hipótese em que o candidato eleito tem o registro de sua candidatura indeferido não é inconstitucional, pois privilegia a soberania popular e a democracia representativa.

3. A decisão da Justiça Eleitoral que indefere o registro de candidatura não afasta o candidato da campanha eleitoral enquanto não ocorrer o trânsito em julgado ou a manifestação da instância superior, nos termos do art. 16-A da lei 9.504/97.

4. As decisões da Justiça Eleitoral que cassam o registro, o diploma ou o mandato do candidato eleito em razão da prática de ilícito eleitoral devem ser cumpridas tão logo haja o esgotamento das instâncias ordinárias, ressalvada a obtenção de provimento cautelar perante a instância extraordinária.

5. Na linha da jurisprudência desta Corte, consolidada nas instruções eleitorais, a realização de nova eleição em razão da não obtenção ou do indeferimento do registro de candidatura deve se dar após a manifestação do Tribunal Superior Eleitoral.

Então, caso o presidente Temer venha a ser cassado pelo TSE, as novas eleições devem ser diretas, ou seja, pelo povo, e não pelos parlamentares, e deve ocorrer após a referida decisão, a não ser que ele interponha algum recurso, caso encontre fundamento para tanto.

Não se deve iludir, contudo, pensando em solução rápida, pois a cultura brasileira de litigiosidade, de levar tudo à apreciação do Judiciário, deverá imperar, uma vez mais, especialmente em assunto tão importante para a vida institucional do país, o que, ao que tudo indica, faria se arrastar ainda mais a tão grave crise econômica, que infelizmente acaba por onerar cada vez mais os menos abastados, talvez, fazendo fechar empresas e aumentar o desemprego, salvo se houver um gesto nobre de renúncia, diante da infâmia já descoberta, inclusive com fartas provas.

Mas, gesto nobre da classe política, sinceramente não creio.

Concluindo, apesar de considerar que o TSE não faz uma avaliação de acordo com a Constituição, porque entendo que a doutrina prevalecente está com a razão, pois, de fato, a Constituição não prevê qualquer exceção à eleição pelo congresso Nacional (art. 81, § 1º, da CF), infelizmente sou obrigada a pensar casuisticamente, sem apego à precisão do ordenamento jurídico, que a solução que deve ser dada pelo TSE não seria a pior.

Ou seja, melhor que o povo participe das novas eleições, caso haja coragem da Justiça Eleitoral decidir pela cassação de Temer, do que a opção dada pela Constituição de eventual escolha do próximo presidente da República pelo Congresso Nacional, que tem expressiva quantidade de seus membros envolvidos, igualmente, em escândalos tão escabrosos quanto o do presidente que deve ser afastado da vida pública, digo, apeado do Poder, porque, se prevalecer o mesmo entendimento do presidente do STF no julgamento do impeachment da ex-presidente Dilma, tira-se o presidente da República, mas preserva-se a possibilidade de exercício de funções públicas, ao contrário do que determina o art. 52, inc. I, parágrafo único, da Constituição.

Bem, mas essa última decisão absurda, que foi inventada pelo min. Ricardo Lewandowski, merece outro artigo.

Aliás, para infelicidade da democracia e do regime republicano, não são poucos os "causos" escabrosos de nossos políticos e outros agentes políticos que merecem ser esquecidos. Esquecidos esses tais homens "públicos", mas com atitudes nada republicanas, não os casos escabrosos de que foram autores, porque os erros e absurdos jurídicos precisam ser lembrados, para que não se repitam.

Em apertada síntese, enquanto se mantenha o entendimento acerca da constitucionalidade do art. 224, § 4º, incs. I e II, do Código Eleitoral, caso sobrevenha cassação da chapa Dilma-Temer por parte do TSE, por acolhimento dos pedidos contidos na AIJE 194.358, a solução a ser dada deverá ser a convocação de novas eleições, as quais devem ser diretas se a vaga no cargo ocorrer até o prazo de seis meses antes do término do mandato, ou indiretas se acontecer no exíguo lapso menor que seis meses do final.

Por outro lado, caso ocorra eventual condenação por crime praticado durante o exercício do mandato, o que estaria sob a competência do Supremo Tribunal Federal, nesta hipótese específica, ou ainda, no caso de eventual processo político de impeachment, ou na remota hipótese de renúncia, em tese, a solução para a vaga no cargo de presidente da República seria bem outra, porque não haveria violação de norma eleitoral, o que sugere que a nova eleição, se for o caso, deve observar a regra constitucional, insculpida no art. 81, § 1º, da Constituição, ou seja, eleições indiretas a serem realizadas somente com os membros do Congresso Nacional.

E que Deus nos proteja!

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1 Senado: CCJ aprova diretas se Presidência vagar até 1 ano antes do fim do mandato. Acesso em 1º de junho de 2017.

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*Gisele Nascimento é advogada, especialista em Direito Civil e Processo Civil ("Lato sensu") e em Direito do Consumidor.





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