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Reforma trabalhista: a sobreposição do negociado sobre o legislado

A batalha entre o capital e o trabalho vem sendo travada ao longo da história com intenso passionalismo, mas é chegada a hora de tratar das relações de trabalho de forma racional.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Atualizado às 07:55

Desde que veio à tona o teor da conversa mantida entre um empresário e o Presidente da República, o país mergulhou em profunda crise política, deixando praticamente sobrestadas as importantes discussões que tinham por finalidade a recuperação da economia e a retomada do crescimento.

A confusão havida na reunião da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado no dia 23/5/17, que tratava da reforma trabalhista, não deixou dúvida acerca da dificuldade da retomada dos debates.

Claro que o acompanhamento das atividades da Operação Lava-Jato e o esclarecimento do envolvimento do Presidente Michel Temer são indispensáveis para o futuro da República, mas é importante envidar esforços para impedir que a discussão acerca da reforma trabalhista arrefeça.

Não se trata de defender a legitimidade ou a continuidade deste ou daquele governo ou partido político, mas, sim, de avançarmos em tema de grande relevância para a economia do país.

Aliás, a batalha entre o capital e o trabalho vem sendo travada ao longo da história com intenso passionalismo, mas é chegada a hora de tratar das relações de trabalho de forma racional.

O cenário atual é absolutamente distinto do longínquo ano de 1943, no qual foi publicada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Atualmente, o trabalhador tem o domínio da informação na tela de seu smartphone e os meios de produção são automatizados, havendo acirrada competição com o mercado internacional, falando-se, até, na extinção de algumas profissões no futuro em razão da substituição do trabalho humano pela inteligência artificial.

Considerando este contexto, era necessária a revisão da legislação trabalhista, o que vem sendo discutido há bastante tempo e foi concretizado pela aprovação da Câmara dos Deputados do substitutivo ao PL 6.787/
16.

Isto não significa, no entanto, que tenha havido supressão dos direitos dos trabalhadores ou sua precarização.

Inicialmente, é preciso destacar que direitos básicos dos trabalhadores, como, por exemplo, jornadas de trabalho de oito horas diárias e de 44 horas semanais, 13º salário, férias com 1/3, FGTS, repousos semanais remunerados, adicionais, licença-maternidade, aviso prévio e seguro-desemprego não foram objeto da reforma e permanecem exatamente como previsto pela legislação vigente. Aliás, a modificação tratou expressamente de proibir sua flexibilização através da negociação coletiva.

Por outro lado, as valiosas garantias previstas pelos artigos 9º e 468 da CLT, que consagram a nulidade dos atos e das alterações contratuais lesivas aos empregados, também não foram objeto da reforma, sendo mantidas, pois, tais proteções aos empregados.

Nem mesmo o estabelecimento de não existência de vínculo de emprego na contratação do trabalhador autônomo, com ou sem exclusividade, pode ser considerado prejudicial, uma vez que o parágrafo único do art. 442 da CLT, com a redação que lhe foi dada pela lei 8.949/94, já previa a inexistência de relação de emprego entre as cooperativas e seus associados e quanto a estes e aos tomadores de serviço daquelas. Relativamente a este tema, inúmeras ações tramitaram na Justiça do Trabalho, que não exitou em reconhecer a natureza empregatícia naqueles casos em que comprovada a existência de fraude.

Muito embora alguns itens do texto aprovado pela Câmara dos Deputados sejam passíveis de crítica - tais como a inexistência de responsabilidade solidária ou subsidiária por débitos e multas entre empregadores da mesma cadeia produtiva e a adoção de conceitos subjetivos para a graduação do valor das indenizações por dano extrapatrimonial -, no geral é bastante positiva, especialmente por consagrar a soberania do negociado sobre o legislado.

Há forte rejeição ao PL pelas centrais sindicais, mas a polêmica mais parece advir da extinção do imposto sindical e da supressão da atuação dos sindicatos em determinados atos, uma vez que não houve extinção de quaisquer direitos do trabalhador. Além disso, embora não tenha retirado das entidades de classe suas prerrogativas, instituiu a possibilidade da criação das chamadas comissões de empregados nas empresas com mais de 200 (duzentos) funcionários, regulamentando o art. 11 da CF.

Tais comissões terão como atribuição intermediar o diálogo entre empregados e empregadores, o que poderá implicar em certa concorrência, ainda que política, com os próprios sindicatos e até mesmo conflitar com os interesses dessas entidades.

Embora haja rejeição à reforma, a mesma assegura:

 sobreposição das negociações coletivas sobre a própria lei naquilo que for pactuado quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;

 banco de horas individual;

 intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;

 adesão ao Programa Seguro-Emprego, de que trata a lei 13.189, de 19 de novembro de 2015;

 plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;

 regulamento empresarial;

 representante dos trabalhadores no local de trabalho;

 teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;

 remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;

 modalidade de registro de jornada de trabalho;

 troca do dia de feriado;

 identificação dos cargos que demandam a fixação da cota de aprendiz;

 enquadramento do grau de insalubridade;

 prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;

 prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;

 participação nos lucros ou resultados da empresa.

Dado o taxativo rol de possibilidades previstas pelo art. 611-A do texto da reforma, dispensável era normatizar as matérias sobre as quais não seria admitida a negociação coletiva. De todo o modo, certamente para que não houvesse quaisquer interpretações equivocadas, a reforma tratou no art. 611-B de elencar os temas que não podem ser objeto de negociação coletiva, estabelecendo em 29 incisos que os principais direitos do trabalhador não podem ser flexibilizados.

Dispondo expressamente que o negociado se sobrepõe ao legislado naquelas matérias que expressamente discrimina, a reforma confere soberania ao que foi negociado segundo os interesses e as características particulares de cada mercado e de cada atividade profissional. Flexibiliza, portanto, as relações de trabalho para que se adequem ao momento histórico e econômico.

Em verdade, confere segurança jurídica, impedindo que entendimentos jurisprudenciais anulem em ações individuais a efetiva vontade expressada pelos firmatários dos acordos e das convenções coletivas.

O texto, tal qual aprovado pela Câmara dos Deputados, estabelece que a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitando o estabelecido no art. 104 do Código Civil e balizando sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

Aqui a reforma se mostra acertada não só porque privilegia a negociação coletiva, mas, também, porque permite aos empregadores a certeza do fiel cumprimento de todas as obrigações que lhe incumbem, impedindo, como ocorre hoje, a formação de passivos imprevisíveis advindos das decisões judiciais que anulam cláusulas normativas anos após sua vigência.

Permite, também, que através de negociação coletiva seja pactuada cláusula que reduza o salário ou as jornadas de trabalho, assegurando proteção aos trabalhadores contra dispensa imotivada durante o período de vigência do instrumento coletivo. Considerando as incertezas do cenário econômico, a inovação permite que em períodos de toda a sorte de dificuldade, as partes assegurem o prosseguimento das atividades empresariais e a manutenção dos próprios postos de trabalho.

Dada a soberania que foi atribuída aos instrumentos normativos, o Ministério do Trabalho e Emprego lançou em 9/5/17 o Portal das Relações do Trabalho,
dando publicidade às informações sobre todas as entidades sindicais que atuam no país, inclusive acerca dos valores que elas arrecadam. A medida é extremamente saudável em época de incentivo à transparência e compliance, mas resta aguardar a votação do texto da reforma pelo Senado Federal.

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*Ana Luisa Mascarenhas Azevedo é advogada especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho no escritório Sperotto Advogados Associados.

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