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STJ e o conceito de "insumo" para fins de créditos de PIS e COFINS: desta vez será político?

Keli Campos de Lima

A nova sistemática busca centralizar os direitos fundamentais ponderando os interesses e princípios na concretização do Direito.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Atualizado às 09:04

Por meio do RESp 1.221.170/PR, em julgamento sob a sistemática de recurso repetitivo o STJ aprecia novamente o conceito de insumo para fins de apuração dos créditos de PIS e COFINS.

Espera-se, ansiosamente, que desta vez a decisão pacificará as diversas discussões travadas no âmbito administrativo e judicial em razão das restrições impostas pela Secretaria da Receita Federal no que tange ao conceito de "insumo", uma vez que a legislação não traz esta definição.

Em síntese, as leis 10.637/02 e 10.833/03 ao instituírem a sistemática de apuração não-cumulativa do PIS e da COFINS, respectivamente, possibilitaram ao contribuinte o aproveitamento de créditos em relação a alguns insumos, custos e despesas incorridas pagas a pessoas jurídicas, elencados no art. 3º dos referidos diplomas legais, mas não disciplinaram o que seria o conceito de "insumo".

Por sua vez, a Emenda Constitucional 42/03, ao criar a regra da não-cumulatividade para as contribuições incidentes sobre o faturamento, além de não trazer a imperatividade de que estas seriam não cumulativas, assim como fez em relação ao IPI e ICMS1, deixou brechas ao permitir que a legislação infraconstitucional pudesse definir os setores empresariais que estariam sujeitos à não-cumulatividade - artigo 195, §12º da CF/88.

Logo, ante as várias interpretações do dispositivo do texto constitucional e das leis 10.637/02 e 10.833/03 surgiram entendimentos divergentes acerca do conceito de insumos para fins de aproveitamento de créditos, por parte da Receita Federal, dos Contribuintes e dos Órgãos Julgadores.

A primeira interpretação, mais restritiva, frise-se, surgiu a partir da das Instruções Normativas 247/02, 358/03 e 404/04, da Secretaria da Receita Federal do Brasil, considerando como insumos somente matérias-primas, produtos intermediários, materiais de embalagem e quaisquer bens que se desgastem, danifiquem ou percam suas propriedades físicas ou químicas, em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação (exceto ativo imobilizado) e serviços prestados por Pessoa Jurídica brasileira, aplicados e/ou consumidos na produção e/ou fabricação ou na prestação de serviços.

Os Contribuintes, por sua vez, sustentam o posicionamento no sentido de que a regra da não-cumulatividade deve ser aplicada de forma ampla e irrestrita como, em princípio, determinaria o § 12 do artigo 195 da CF/88. Logo, a partir da interpretação análoga da legislação do Imposto de Renda acerca do conceito de custos e despesas, entender ia-se como insumo todos os custos e despesas relacionados ao serviço prestado ou ao processo produtivo dos produtos, sob pena de não realizar a regra da não-cumulatividade.

Por fim, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF se posiciona no sentido de que para conferir o direito de crédito é necessária a análise da essencialidade da despesa no cálculo da receita.

Estes três posicionamentos foram construídos em grandes disputas administrativas e judicias ao longo dos últimos 14 anos e até então o posicionamento do STJ é no mesmo sentido do CARF, ou seja, através da análise do critério da essencialidade e relevância, não podendo ser considerados como insumos as despesas normais que não se incorporam aos bens produzidos ou não se aplicam na prestação de serviço.

Neste novo julgamento, a tendência é que estes critérios de essencialidade e razoabilidade favoráveis aos contribuintes se mantenham, afastando as restrições impostas pela Receita Federal por meio de Instruções Normativas, já que se computam quatro votos favoráveis aos Contribuintes e um a favor da Receita Federal.

A decisão final que deve ocorrer ainda em 2017 é classificada hoje como uma das mais importantes para as empresas de todo o país e representará um impacto de mais R$50 bilhões nos cofres públicos, segundo divulgado pela procuradoria da Fazenda Nacional em 2015.

Embora com votos já favoráveis aos contribuintes, não se pode fechar os olhos para o fato de que este impacto aos cofres públicos e a queda de arrecadação gerada com eventual derrota da União, tem grande influência nos julgamentos proferidos pelos Tribunais Superiores que decidem demandas jurídicas não apenas pautados pela literalidade dos textos legais, mas também e, com grande relevância, pela influência de fatores políticos, sociais e econômicos.

A influência de tais fatores, não implica necessariamente à ilegalidade e inconstitucionalidade dos jugados, afinal com o advento da Constituição de 1988, inaugurou-se em nosso ordenamento jurídico um sistema hermenêutico voltado para a valorização da Constituição e seus Princípios Fundamentais, primando para a prevalência do Estado Democrático de Direito. E nesta perceptiva do direito tributário, este novo modelo de interpretação - neoconstitucionalista - deve primar pelo equilíbrio entre os direitos do contribuinte e o ente arrecadador.

Contudo, embora seja a decorrência lógica do direito tributário, a arrecadação deixa de ser o foco, passando o contribuinte, como titular dos direitos fundamentais, ser o sujeito promotor do desenvolvimento e da riqueza com fim de se atingir uma tributação justa. Neste contexto, os Princípios Constitucionais, como o da legalidade, não-confisco, segurança jurídica, boa-fé e confiança assumem a força normativa obrigatória, seja na elaboração das normas pelo legislativo na execução pelo executivo, seja na aplicação destas normas pelo Judiciário.

Logo, não mais se admite uma hermenêutica livre aplicada tão somente de acordo com o viés político ou econômico. A nova sistemática busca centralizar os direitos fundamentais ponderando os interesses e princípios na concretização do Direito. O sistema de interpretação tradicional abstrato do texto normativo abre espaço para uma interpretação concreta, de acordo com a temática apresentada à luz da Constituição e seus Princípios, cabendo ao interprete a valoração e ponderação das especificidades de cada caso.

Assim, como operadores do Direito, cumpre-nos acreditar que as regras constitucionais basilares de nosso ordenamento jurídico prevalecerão neste julgamento sem qualquer possibilidade de modificação jurisprudencial danosa ao contribuinte, primando pela segurança jurídica como efetivação da proteção da confiança e da boa-fé objetiva na preservação do Direito.

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1 Artigos 153, § 3º inciso II e 155, § 2.º inciso I, ambos da Constituição Federal.
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*Keli Campos de Lima é advogada da Coutinho, Lacerda, Rocha Diniz & Advogados Associados.

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