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A colaboração premiada após a recente decisão do plenário do STF

A decisão proferida pelo plenário do STF é emblemática no sentido de trazer tranquilidade e segurança jurídica especialmente aos colaboradores, uma vez que os termos negociados à exaustão por suas defesas junto às autoridades competentes (especialmente o Ministério Público) serão respeitadas pelo Poder Judiciário.

terça-feira, 11 de julho de 2017

Atualizado em 10 de julho de 2017 10:25

Em recente decisão, o Plenário do STF fixou importantes entendimentos e orientações a respeito da aplicação e homologação de colaborações premiadas.

Dentre outras questões, o pleno do STF decidiu, por maioria de votos, ao seguir o voto do Ministro Edson Fachin, que "o acordo de colaboração homologado como regular, voluntário e legal deverá, em regra, produzir seus efeitos em face ao cumprimento dos deveres assumidos pela colaboração", possibilitando a aplicação do CPC no que diz respeito à possibilidade de anulação dos acordos firmados entre as partes - o Ministério Público e colaboradores premiados.

A decisão de fato é importante, pois o dispositivo da lei 12.850/13 ("Lei de Organização Criminosa"), que prevê a colaboração premiada, não é claro com relação aos limites de atuação do Ministério Público quando das negociações e celebração dos acordos de colaboração premiada, tampouco quanto ao efetivo papel do juiz.

Há previsão expressa, no art. 4º, no sentido de que poderá o Juízo, "a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos". Entretanto, não foram raros os casos em que os Juízos brasileiros negaram homologação aos acordos por não concordarem com seus termos.

A questão que ficava, portanto, era: poderia o Juízo concordar ou não com os termos e os benefícios estabelecidos entre as partes na colaboração premiada?

No notório caso da J&F (holding que controla a JBS Friboi), a imunidade penal foi concedida pelo Ministério Público aos colaboradores, com base no art. 4º, § 4º, da Lei de Organização Criminosa. Ou seja, há o comprometimento, por parte do Ministério Público, de não processar criminalmente os colaboradores que, por meio do acordo de colaboração premiada, confessaram a participação em diversos crimes.

No entanto, estes mesmos colaboradores devem contribuir para um ou mais dos seguintes resultados: (i) a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; (ii) a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; (iii) a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; (iv) a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; ou (v) a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Em razão da imunidade que foi concedida aos colaboradores da J&F, o acordo firmado foi severamente criticado pela opinião pública em geral, o que fez com que aflorasse o questionamento da possibilidade do Juiz homologador rever ou se imiscuir nos termos do acordo celebrado entre as partes. Contudo, em se verificando tal intervenção do Poder Judiciário, não se pode ignorar que a segurança jurídica do acordo celebrado entre as partes ficaria seriamente comprometida, uma vez que caberia ao Juízo concordar ou não com os seus termos.

Nesse sentido, no referido julgamento, o STF procurou trazer maior segurança jurídica aos colaboradores que optarem pela colaboração premiada, ao pacificar o entendimento de que não cabe ao Juízo (singular ou colegiado) interferir nos termos do acordo, mas, tão somente, verificar a sua (i) legalidade, (ii) regularidade, bem como o seu (iii) cumprimento por parte do colaborador.

Tal entendimento, inclusive, esclarece o disposto no art. 4º, § 6º, da lei 12.850/13, por meio do qual o Juízo fica impedido de tomar parte das negociações do acordo de colaboração, seja no tocante aos deveres do colaborador, seja no tocante aos benefícios oferecidos pelas autoridades competentes.

Sendo assim, uma vez preenchidos os requisitos legais do art. 4º, § 7º da lei supramencionada, em outras palavras, se o acordo é regular, legal e voluntário, deve o Juízo homologar o acordo, fazendo valer aquilo que foi acordado entre as partes. Vale dizer, o Juízo estaria, nas condições ora destacadas, impedido de fazer qualquer análise além daquela relativa aos requisitos de validade do acordo.

Claro ficou, ainda, quais são os limites dos benefícios que poderão ser concedidos e negociados com o colaborador: a própria Lei de Organização Criminosa. O limite, portanto, é a lei.

No caso dos executivos da J&F, caso se verifique que estes não eram os líderes de organização criminosa e que foram os primeiros a prestar colaboração a respeito aos fatos revelados, é possível e perfeitamente legal, assim, que o Ministério Público Federal deixe de oferecer denúncia contra os colaboradores, nos termos do art. 4º, § 4º, do referido diploma legal.

Destaca-se ainda, quanto aos acordos de colaboração premiada, que as declarações dos colaboradores não podem, sozinhas, fundamentar sentenças penais condenatórias, nos termos do § 16 do mesmo artigo; deve haver provas outras que corroborem as alegações.

Foi este o entendimento do TRF4 para reverter a decisão do Juiz Sérgio Moro e absolver em segunda instância o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Por maioria de votos, o Tribunal considerou que as provas contra ele eram insuficientes por se basearem apenas em colaborações premiadas, de modo que se colocou verdadeiro limite ao instituto.

Fato é que, após a decisão do plenário do STF, que objetivou resguardar a segurança jurídica dos acordos de colaboração premiada, resta clara a atuação e os limites do controle do Poder Judiciário no momento da homologação, que deve verificar a regularidade formal e material do acordo (momento da celebração, valor probatório, sigilo do acordo), da observância das leis aplicáveis (especialmente a lei 12.850/13) e da voluntariedade dos agentes, em observância ao art. 171, do Código Civil, igualmente aplicável ao acordo.

Trata-se, desta forma, de verdadeiro negócio jurídico, o qual deve ser celebrado sem qualquer tipo de vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo. Verificados os pressupostos legais e preenchidos os requisitos, tem-se que o acordo é válido e produz todos os seus efeitos, inclusive quanto aos benefícios oferecidos - desde que previstos em lei - cabendo ao Juízo homologar seus termos.

O que o STF reconheceu, na prática, é que cabe aos órgãos colegiados, num segundo momento e mediante provocação, analisar os acordos firmados, nos termos do art. 966, § 4º, do CPC, em caso de ação rescisória, quando for constatado qualquer tipo de ilegalidade ou descumprimento.

Portanto, diante do entendimento firmado, a decisão proferida pelo plenário do STF é emblemática no sentido de trazer tranquilidade e segurança jurídica especialmente aos colaboradores, uma vez que os termos negociados à exaustão por suas defesas junto às autoridades competentes (especialmente o Ministério Público) serão respeitadas pelo Poder Judiciário.

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*Luís Carlos Dias Torres é advogado criminalista do escritório Torres|Falavigna Advogados.





*Leandro Falavigna é advogado criminalista do escritório Torres|Falavigna Advogados.





*Paulo Tiago Sulino Muliterno é advogado criminalista do escritório Torres|Falavigna Advogados.


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