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Novas formas de constituição da alienação fiduciária de bem imóvel em garantia alienação fiduciária condicional ou de propriedade superveniente

Do ponto de vista legal, a possibilidade da constituição da alienação fiduciária sobre a propriedade superveniente decorre, a uma, da aplicação de dispositivos legais expressos do Código Civil.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Atualizado às 12:19

O tema da alienação fiduciária é amplo e, conforme temos debatido em artigos anteriores, neste aniversário de 20 anos da lei 9.514/97, a necessidade de refletir sobre possíveis interpretações e novos desdobramentos quanto à aplicação da alienação fiduciária de bem imóvel em garantia é cada vez mais importante.

Nos últimos tempos temos assistido a efetivação da execução da garantia pelos cartórios extrajudiciais - assim como intervenções pouco palatáveis do Poder Judiciário e os sinais sugerem que vamos presenciar a retomada, neste ano e no próximo, dos investimentos no mercado imobiliário e, assim, a retomada da constituição da alienação fiduciária nas operações do mercado financeiro.

Entretanto, nesse atual cenário econômico, de disponibilidade patrimonial ainda restrita, uma questão recorrente vem sendo experimentada no mercado: como proceder se o devedor fiduciante pretende obter crédito - na maioria das vezes vinculado à quitação da dívida anterior - oferecendo em garantia imóvel já gravado com alienação fiduciária em decorrência de obrigação contraída em negócio anterior? Aí é que se encaixa o debate que pretendemos incentivar e trazer neste artigo.

Como solução para a situação, propomos a validade de constituição da alienação fiduciária da propriedade superveniente, por meio da qual, uma vez ocorrido o adimplemento da obrigação garantida pela alienação fiduciária anterior e, consequentemente, o cancelamento do seu registro, dar-se-á a alienação fiduciária da propriedade superveniente, tornando-a eficaz de pleno direito, transferindo ao credor fiduciário, de forma automática e imediata ao cancelamento, a propriedade resolúvel e a posse indireta do bem.

Os fundamentos legais e pragmáticos para tanto existem e nos parece que o percalço reside, como se verá adiante, na prática registrária.

Do ponto de vista legal, a possibilidade da constituição da alienação fiduciária sobre a propriedade superveniente decorre, a uma, da aplicação de dispositivos legais expressos do Código Civil, que tratam diretamente da propriedade superveniente e a eficácia, desde o registro, das garantias reais estabelecidas por quem não era dono, a chamada garantia real a "non domino", sob a condição suspensiva referente à retomada da propriedade pelo devedor (no caso, o fiduciante), e, a duas, de interpretação sistemática da lei, da análise conjunta de normas e princípios entre si aplicáveis em um ordenamento jurídico que deve ser desprovido de incompatibilidades.

É certo que o devedor fiduciante que transfere ao credor fiduciário a propriedade resolúvel do imóvel, retendo para si a posse direta, detém o direito de - uma vez paga a dívida e seus encargos - reaver a propriedade plena do imóvel. Esse direito, o direito eventual à propriedade plena, isto é, o direito à propriedade superveniente, é disponível conforme prevê a própria lei que o instituiu, ao determinar que o devedor fiduciante, com a anuência expressa do fiduciário, poderá transmitir os direitos de que seja titular sobre o imóvel objeto da alienação fiduciária em garantia, assumindo o adquirente as respectivas obrigações. Mas não necessariamente esse direito eventual precisa ser objeto de venda, com a sub-rogação do adquirente nas obrigações de devedor. Entendemos que o direito à propriedade superveniente, que é disponível, como se viu, pode ser, na qualidade de direito real, dado em garantia.

Ora, se o devedor fiduciário pode vender o seu direito à propriedade eventual, direito disponível com conteúdo econômico, pode também gravá-lo, mas terá que fazê-lo sob condição suspensiva: quitada a dívida, ocorre a consolidação da propriedade plena em nome do devedor fiduciante e imediata e automaticamente se constitui seu novo e subsequente desdobramento com a transferência da propriedade resolúvel ao novo credor fiduciário. Vejam que não falamos aqui na constituição de propriedade fiduciária sucessiva, mas sim em alienação fiduciária da propriedade superveniente, da qual o fiduciante vier a se tornar titular quando do cancelamento da propriedade fiduciária que se encontrava no patrimônio do credor anterior.

A constituição da alienação fiduciária da propriedade superveniente se mostra uma alternativa de constituição de garantia real sobre imóvel já onerado. Recomenda-se, no entanto, para sua plena eficácia, que haja vinculação com a quitação da dívida anteriormente garantida.

Estas questões foram objeto de debate na V Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal em maio de 2012, ocasião em que se publicou o Enunciado 506 regrando a concessão da alienação fiduciária sobre a propriedade superveniente nos seguintes termos: "Estando em curso contrato de alienação fiduciária, é possível a constituição concomitante de nova garantia fiduciária sobre o mesmo bem imóvel, que, entretanto, incidirá sobre a respectiva propriedade superveniente que o fiduciante vier a readquirir, quando do implemento da condição a que se estiver subordinada a primeira garantia fiduciária; a nova garantia poderá ser registrada na data em que convencionada e será eficaz desde a data do registro, produzindo efeito ex tunc".

O tema foi, também, objeto de debate no XL Encontro de Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, ocorrido em setembro de 2013, com a participação de especialistas no assunto, incluindo registradores, advogados e representantes de instituições financeiras.

Em ambas as ocasiões, ficou evidente a conclusão de que existem fundamentos legais que autorizariam a constituição da alienação fiduciária sobre a propriedade superveniente.

No entanto, a questão esbarra, como já dissemos, no âmbito registrário. Em decisão recente proferida no processo de dúvida suscitada pelo Cartório de Registro de Imóveis de São Bernardo do Campo/SP, a Primeira Instância do Poder Judiciário Paulista decidiu pela manutenção do óbice registrário por entender esta modalidade de constituição da alienação fiduciária em garantia não pode ser registrada por não ser título listado no rol taxativo previsto na lei de Registros Públicos.

De fato, um dos princípios mais expressivos do Direito Registrário e Notarial brasileiro é o princípio da legalidade, que impede o ingresso, no Cartório de Registro de Imóveis, de títulos inválidos ou imperfeitos. O objetivo, que deve sempre ser resguardado, é assegurar a concordância do mundo jurídico real com o mundo jurídico registral e a verificação da legalidade e da validade do título, seguida da efetivação de seu registro, se em conformidade com a lei.

Ocorre que o princípio da legalidade se desdobra em duas vertentes, complementares e indispensáveis entre si: a primeira, é a análise da taxatividade dos direitos inscritíveis no Registro de Imóveis, isto é, apenas podem ser registrados ou averbados os títulos que a lei assim determinar, e, a segunda vertente, que se refere ao controle da legalidade exercido pelo registrador na análise destes títulos, abrange aspectos extrínsecos e formais e também aspectos intrínsecos e materiais.

Nesta profundidade atingida pelo princípio da legalidade, o registro da alienação fiduciária da propriedade superveniente nos parece absolutamente possível: a lei de Registros Públicos elenca os títulos passíveis de registro, citando, como tais, a venda e compra, com e sem condição, e a alienação fiduciária. Desta forma, se após a constituição da propriedade fiduciária o fiduciante passa a deter a posição jurídica de titular do direito à propriedade superveniente, sob condição suspensiva, ainda que não detenha a propriedade fiduciária, a qual foi, temporariamente, transferida ao credor fiduciário, poderá ele, devedor, utilizar-se das hipóteses da lei e celebrar título por meio do qual se constitui, sob condição suspensiva, a alienação fiduciária como qualquer outro direito real que se constitui sob condição.

Esclarecidas estas questões atinentes ao direito que se dá em garantia e à forma por meio da qual esta garantia é constituída, resta esclarecer, de forma bastante sucinta, uma questão secundária, mas tão relevante quanto: o que ocorre quando houver o inadimplemento do devedor fiduciário.

Entendemos que, do ponto de vista do credor fiduciário da propriedade superveniente, faz sentido que o valor do crédito objeto da garantia seja destinado à quitação da obrigação garantida pela alienação fiduciária anterior. Isso porque, em havendo a excussão da garantia pelo primeiro credor fiduciário, observando-se as regras de preferência e concursos dos credores dispostas no Código Civil, restaria ao credor fiduciário da propriedade superveniente o direito de concorrer, em igualdade de condições com outros credores com garantia real, com eventual produto remanescente da venda do imóvel em leilão, que nem sempre se verifica. Na pior das hipóteses, em não havendo arrematantes, o credor fiduciário acaba por adjudicar o imóvel, ocasião em que restaria ao credor fiduciário da propriedade superveniente buscar reaver o crédito de outra forma, diante da perda do objeto da garantia. Ou seja, o direito do credor anterior é plenamente respeitado, e não é sequer afetado pela alienação fiduciária de propriedade superveniente.

Ainda, caso ocorra o inadimplemento da obrigação garantida pelo devedor junto ao credor fiduciário da propriedade superveniente, nos parece que este último se sub-rogaria na posição de devedor fiduciário da primeira alienação, assumindo o pagamento da dívida, tal como ocorre com os credores hipotecários de segundo grau.

Por estas razões, nos parece recomendável prever no título que constituir a alienação fiduciária da propriedade superveniente a possibilidade de quitação da dívida anterior diretamente pelo credor superveniente e, ainda, o vencimento antecipado das obrigações, uma vez que o direito eventual à propriedade superveniente se perde com a excussão da garantia pelo primeiro credor.

Claro que as reflexões acima merecem maior aprofundamento porque, como dito, não decorrem de previsão legal expressa e demandam interpretação sistemática. No entanto, o grau de maturidade jurídica que a discussão já alcançou e a necessidade econômica de aplicação de sua solução legitimam suficientemente, a nosso ver, o recebimento e registro junto aos Cartórios Extrajudiciais, de títulos que constituam alienação fiduciária da propriedade superveniente, principalmente para não excluir do rol de soluções um mecanismo que traz solução para uma situação recorrente e, ao mesmo tempo, respeita o direito de todos os envolvidos.
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*Marina Del'Arco é sócia da área de Direito Imobiliário de N,F&A Advogados.

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