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O crime, a lei e a justiça no caso do acidente do helicóptero PP-LLS

Carolina C. Carvalho de Oliveira

A investigação foi arquivada pela justiça e os representantes da empresa de manutenção foram desindiciados por ausência de relação com o acidente em verdadeira aplicação do princípio do status libertatis e dignatis do cidadão.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Atualizado às 13:56

O acidente ocorreu no dia 2/4/15 e, logo após, o delegado de Carapicuíba iniciou a investigação pelo inquérito policial que culminou no indiciamento de 5 pessoas pelo suposto homicídio culposo, previsto no artigo 121, §3º do Código Penal.

Antes de se aprofundar na questão, importante relembrar que o crime investigado envolve o agente que lhe deu causa por imprudência, negligencia ou imperícia1, portanto, sem qualquer interesse no resultado ou risco de produzi-lo.

Pois bem.

A investigação policial focou-se no trabalho técnico a ser realizado pelo perito criminal do Instituto de Criminalística de São Paulo, apesar de ter colhido depoimentos divergentes acerca do ocorrido e, neste momento, a defesa passou a considerar a dificuldade que surgiria na busca pela verdade real, caso a perícia seguisse a linha da investigação aeronáutica, cuja nota oficial apontava para a responsabilidade da empresa de manutenção da aeronave em razão de suposta desconexão de uma cadeia de comando.

A defesa imbuída do conhecimento técnico de seus clientes e convicta da impossibilidade da causa apontada pela aeronáutica, requereu à autoridade policial uma análise pericial complementar apontando questionamentos para auxiliar a conclusão e elucidação do feito, mas, para a polícia, o caso já tinha sido solucionado e, assim como para a aeronáutica, a causa do acidente seria a falta de cuidado da manutenção realizada pela empresa.

Eis que surge quem fez a diferença. A Promotora de Justiça responsável pelo caso, no estrito cumprimento de seu dever legal, passou a analisar o caso, oportunidade em que tomou as rédeas da investigação em busca da verdade real exigida pelo direito penal.

Para tanto, foi realizada uma simulação em uma aeronave de mesmo modelo da acidentada, portanto, um EC-155, na presença de todos envolvidos e interessados (autoridade policial, fabricante, empresa de manutenção, perito do instituto de criminalística e peritos nomeados pelo Ministério Público) para a análise da premissa aventada pela aeronáutica e assumida pela autoridade policial como suposta causa do homicídio culposo.

Resultado? A constatação da impossibilidade da tese! E portanto, o recomeço da investigação sobre a real causa do acidente.

Em dezembro de 2016, a Justiça acatou a manifestação da D. Promotora de Justiça acerca da continuidade das investigações por entender não estarem presentes indícios de autoria do homicídio culposo.

Em 2017 os fatos vieram à tona. Foram realizadas pericias e investigações sob o crivo do Ministério Público do Estado de São Paulo e apoiado na análise técnica e pericial de uma comissão especial criada exclusivamente para o caso, ante a seriedade e gravidade dos fatos.

O que até então foi completamente ignorado pela autoridade policial, teve uma grande importância no procedimento investigatório criminal: a análise das pás do helicóptero! Que também tinham passado por manutenção antes da queda, mas o serviço foi realizado por empresa brasileira vinculada ao fabricante da aeronave, AIRBUS, sem qualquer relação com a empresa de manutenção da aeronave, até então indicada como a responsável pelo acidente.

Os meses subsequentes foram focados na busca por indícios que pudessem trazer à justiça a realidade sobre o fatídico acidente e, em abril de 2017, a Aeronáutica, apesar de contatada pela D. representante do Ministério Público acerca de suas investigações confrontantes, publicou seu parecer final ratificando a tese anteriormente apresentada, sob a justificativa de que sua decisão se fundamentou em estudo apresentado pelo fabricante. Curiosamente, não houve menção acerca das pás e os reflexos a ela vinculados, em que pese terem sofrido séria e exigente manutenção por empresa do fabricante.

Importante acrescentar que as investigações criminais continuaram sem qualquer vínculo à manifestação aeronáutica culminando na realização de perícia complementar com análise minuciosa das pás e do componente da alegada desconexão.

De todo o trabalho, restou evidente e comprovada a anterior constatação da D. Promotora de Justiça, datada de dezembro de 2016, quanto a impossibilidade da desconexão ter sido a causa da queda com fundamento e embasamento no estudo técnico dos peritos da comissão especial do Instituto de Criminalística.

A LEI E A JUSTIÇA

Em julho de 2017 a Justiça acatou o pedido de arquivamento do Ministério Público quanto ao caso por ausência de indícios de autoria acerca do homicídio culposo, em que pese ter constatado diversos problemas no serviço prestado pela empresa do fabricante, que realizou a manutenção das pás e problemas de fabricação analisados na perícia criminal realizada pela comissão do Instituto de Criminalística.

O fim do caso com uma decisão movida pela aplicabilidade estrita do princípio da responsabilidade subjetiva do direito penal não afastou a Justiça de comunicar os órgãos competentes para apurar os problemas constatados em relação às pás da aeronave.

Portanto, hoje, cabe as autoridades oficiadas (ANAC, CENIPA, MPF e MP do Consumidor de Minas Gerais) decidir pela continuidade da investigação, podendo, assim, chegar à real causa do acidente.

Os indiciados pela autoridade policial acerca do homicídio culposo não foram responsabilizados judicialmente pelo acidente tendo o arquivamento como decisão irrecorrível e favorável à certeza que sempre tiveram sobre o trabalho realizado na aeronave e correta manutenção.

Este caso resume, juridicamente, de maneira excepcional, a verdadeira aplicação da Justiça e da lei, demonstrando a seriedade que uma apuração deve ter para a colheita de provas e juízo de valor em face de qualquer indivíduo, perante a sociedade, em relação a apuração de um crime.

O Direito Penal possui exigências ético-sociais da pela garantia aos direitos humanos do indivíduo e a aplicabilidade de seu regramento envolve critérios valorativos e técnicos sobre o fato investigado.

Desde o início das investigações e, após a nota oficial da aeronáutica, os indiciados pela autoridade policial se viram pré julgados por um resultado que não deram causa e precisaram acreditar na Justiça para mostrar à sociedade suas inocências.

A Constituição é clara ao proteger a liberdade do indivíduo e, até que se prove o contrário, todo cidadão é inocente e deve assim se manter até uma análise judicial. Mas sabemos que a vida real nem sempre retrata a letra da lei.

Neste caso, ao que parece, a aeronáutica contribuiu para este pré julgamento e, não fosse a investigação complementar do Ministério Público e a criação da comissão de peritos do IC, a justiça não seria aplicada, pois, o conjunto de diligencias investigativas realizadas pela polícia, não colheu elementos necessários para averiguar a existência de um crime relacionado à queda da aeronave, em confronto às três ferramentas essenciais de uma investigação criminal nos dizeres do doutrinador Ferreira Antunes2: informação (processamento dos dados, fatos e notícias), interrogação (prova pessoal) e instrumentação (prova material).

A autoridade policial não aplicou o procedimento previsto pela lei quanto à investigação policial, inclusive porque o artigo 7º do Código de Processo Penal prevê a possibilidade de reprodução simulada dos fatos, o que foi realizado pelo Ministério Público.

Mas, o procedimento investigatório criminal do Ministério Público instaurado, a posteriori, fez este trabalho e reuniu a informação necessária e instrumentação faltante, para atestar a ausência de convicção concreta do fato investigado e apontado pelo Delegado de Polícia.

O arquivamento do feito em relação ao crime de homicídio culposo constitui suspensão por falta de indícios de autoria para prosseguimento de uma eventual ação penal, conforme sumulado pelo STF3. Portanto, os indicados pela autoridade policial, representantes de empresa de manutenção da aeronave não tiveram contra eles comprovada a tese policial de desconexão da cadeia de comando e, por conseguinte, não foram responsabilizados criminalmente, como bem asseverou o MM. Juiz da 1ª Vara de Carapicuíba em sua r. decisão.

Nos termos do artigo 18 do Código de Processo Penal, somente pode haver eventual desarquivamento se novas provas, até então desconhecidas e não examinadas pelo Ministério Público, surgirem para ensejar a retomada das investigações paralisadas.

E não é só. No dia 09 de agosto de 2017, a Justiça acatou o pedido da defesa para desindiciar os representantes da empresa de manutenção, evidenciando, portanto, a completa falta de justa causa para os fatos a ele imputados. Como bem asseverado na mídia, o "fator contribuinte foi apurado como relacionado a falha de material das pás, mas não se chegou a erro humano que o tivesse ocasionado"4, sendo descartada qualquer negligencia na manutenção da aeronave.

CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto, ser de extrema importância a existência de uma investigação fundada na legislação processual penal, consistente na colheita de todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias5, sob pena de não se fazer a justiça.

No caso em questão, o MM. Juiz competente encerrou o feito por entender impossível a emissão de qualquer juízo de valor acerca da possível causa do acidente, comungando com a manifestação ministerial que trouxe a afirmação objetiva de que: "DEFINITIVAMENTE, PORTANTO, NÃO OCORREU A DESCONEXÃO ALEGADA ANTES DO VOO, SENDO CORRETO O PEDIDO DE ARQUIVAMENTO FORMULADO ANTERIORMENTE QUANTO AOS INDICIADOS J.C.N, E.M.A E E.D.S.J, O QUE ORA É REITERADO".

Os indiciados tiveram sua verdade comprovada pelas diligencias do Ministério Público e a justiça feita na correta aplicação da lei penal, inclusive com o cancelamento de seus indiciamentos atestando indubitavelmente não terem contribuído para o triste acidente.

O Brasil precisa de desfechos como este para demonstrar que a vontade de se fazer justiça, sem um pré-julgamento, é crucial para que não sejam apontados culpados, os inocentes, e o brasileiro possa acreditar na força da Lei.

__________

1 Artigo 18, II, CP

2 ANTUNES

3 Súmula 524: Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode uma ação penal ser iniciada, sem novas provas".

4 Publicação: clique aqui.

5 Artigo 6º, inciso III, CPP

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*Carolina C. Carvalho de Oliveira é advogada criminal.

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