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A privatização ineficiente: eis o provável resultado do novo pacote de privatizações do Governo Temer

A privatização em si não é boa ou ruim; envolve um conjunto de medidas e técnicas de gestão que visam privilegiar um modelo de gestão mais empresarial inspirado em referenciais de eficiência.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Atualizado em 30 de agosto de 2017 13:33

Recentemente, o Governo Temer anunciou mais um daqueles pacotes brasileiros em que se pretende leiloar empresas estatais e transferir para a iniciativa privada boa parcela da execução dos serviços públicos. Até a Casa da Moeda entrou na dança das privatizações, juntamente com aeroportos, terminais portuários, rodovias, incluindo também loterias federais. Este movimento em direção à privatização está sendo realizado massivamente pela Prefeitura de São Paulo, na liderança de Doria, mas em um contexto um pouco diferente, a ser analisado em outra oportunidade.

A privatização em si não é boa ou ruim; envolve um conjunto de medidas e técnicas de gestão que visam privilegiar um modelo de gestão mais empresarial inspirado em referenciais de eficiência, atualidade de métodos gerenciais de natureza privada, qualidade e remuneração adequada dos serviços.

No entanto, a meu ver existem alguns pontos de atenção no atual pacote de privatizações que precisam ser expostos e enfrentados.

Em primeiro lugar, privatizar para primordialmente angariar recursos para os cofres públicos, para "fazer caixa", não é e nunca foi saudável, bem ao contrário. É uma ilusão acreditar que privatizar sem o devido acompanhamento de investimentos em capacidade de Estado - no sentido de melhoria das estruturas regulatórias, treinamento de funcionários estatais, gestão dos contratos públicos e mecanismos de fiscalização e controle estatais - vai resultar em algo positivo para o país. Ao privatizar, o Governo deveria preocupar-se fortemente com o aperfeiçoamento da estrutura pública, para não gerar ainda mais desconfiança e insegurança jurídica na população, no caso das privatizações não darem certo, cuja consequência principal é fazer com que o que foi privatizado tenha de ser imediatamente reassumido pelo Estado. O caso do aeroporto de Viracopos, por exemplo. O déficit financeiro e orçamentário da União Federal, que está levando inclusive o Governo a tentar limitar a remuneração de novos funcionários públicos a teto equivalente a 5 mil reais, sinalizam que o aumento da capacidade de Estado não está na lista de prioridades deste Governo.

Um outro ponto de atenção tem a ver com o processo de tomada da decisão do que deve e de como deve ser privatizado. É o Conselho do PPI, previsto na lei federal 13.334/16 e integrado única e exclusivamente por representantes do Governo - sem representantes das empresas e sem representantes da sociedade civil - que acabou chegando a atual lista das privatizações. Isto não é nem salutar e nem democrático: a decisão pela privatização é uma decisão que não afeta um único mandato, pois tem efeitos de médio a longo prazo, e pode redundar em prejuízos astronômicos para a população e para o país. Se ninguém participa, além do Governo, do processo decisório privatizante, além do decision making process estar absolutamente defasado em termos de Nova Governança Pública-NGP - a qual propõe que os assuntos públicos sejam tratados em estruturas mais horizontalizadas, com transparência, participação dos envolvidos na decisão, possibilidade de controle social - os riscos de falha na privatização são desproporcionais, pois fatores e pontos de vistas que deveriam ter sido considerados para se tomar uma melhor decisão não o foram, uma vez que os segmentos empresariais e da sociedade dele não participaram ativamente.

Outro ponto: privatizar significa que os serviços públicos que eram prestados muitas vezes de modo gratuito ou com valores subsidiados - e por isso mais módicos - para a população, certamente passarão a ter tarifas mais elevadas. Se tudo isto for acompanhado de melhor qualidade na prestação dos serviços, excelente. Mas como não se tem investimento na capacidade estatal, para aperfeiçoar as estruturas públicas para gerir e fiscalizar o que foi privatizado, cria-se um ciclo perverso, em que todos perdem, sobretudo aqueles que menos recursos têm para pagar pelos serviços, agora nas mãos capitalistas da iniciativa privada.

Finalmente, privatizar pode representar uma providência para diminuir a corrupção? Não necessariamente. Na tradição fisiológica e espoliativa da política brasileira, a privatização não é bem vista nem pelos próprios políticos, porque significa que menos cargos e menos influência terão direito para si e para seus correligionários. As estatais sempre foram vistas como preciosos e disputados espaços de poder e de arrecadação fraudulenta de recursos, para caixa-dois e outros fins bem pouco republicanos. Então, por este ponto de vista, a privatização pode desbaratar algumas dessas formas de corrupção política. De outro lado, se a população não participa do processo decisório pela privatização; se a estrutura regulatória e administrativa não é aperfeiçoada para "receber" a privatização e geri-la e fiscalizá-la adequadamente, os riscos de tudo dar errado são muito elevados, aumentando as chances de que no "retorno do pêndulo" para o Estado - reestatizações e eventuais reprivatizações - os custos diretos e indiretos serão muito maiores, criando novas disputas pelo poder e novos espaços para a prática de corrupção.

A história contemporânea já esclareceu que as melhores medidas para um Estado forte jamais são extremistas: tudo deve ser estatizado, tudo deve ser privatizado. Um Estado forte significa ter uma capacidade estatal fortalecida, transparente, fundada na economicidade dos recursos, participativa e voltada a criar permanente laços fortes com o mercado e com a sociedade, alto grau de confiança de todos em um contexto de constante governança e concertação. O melhor parece ser lançar mão, para além dos extremos da estatização e da privatização, de métodos e técnicas de cogestão, coprodução, empresas mistas (público-privadas), sempre voltados à eficiência e à integridade da ação pública, jamais retirando o cidadão e a sociedade brasileira da centralidade da decisão tomada pelo Governo. A experiência e a literatura internacional estão repletas de bons exemplos e boas práticas nesse sentido. Mas o Governo tampão de Temer não parece ser um governo atualizado, vibrante, e também não tem tempo para avançar nessa seara, não somente com mais técnica, mas por meio de uma melhor política. O resultado dessas privatizações provavelmente repetirá os pífios processos anteriores de Lula e Dilma, não parecendo ser nem um pouco alvissareiro.

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*Gustavo Justino de Oliveira é professor de Direito Administrativo na Faculdade de Direito da USP. Advogado, consultor jurídico e árbitro especializado em Direito Público frente ao escritório Justino de Oliveira Advogados, com sede em SP, do qual é sócio-fundador.

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