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Punitivismo Midiático

O poder da mídia foi explorado até mesmo pelo Partido Nazista, quando a publicidade e a propaganda foram utilizadas como armas psíquicas para atrair adeptos, organizar, captar seguidores e filiá-los ao partido, propagando a ideologia nazista.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Atualizado em 2 de outubro de 2017 18:39

Há algumas semanas, veio a conhecimento público o episódio do ''ejaculador do ônibus'', caso em que um homem foi preso em flagrante após se masturbar e ejacular em uma mulher, também passageira do ônibus.

O flagrante, ao ser levado à apreciação do magistrado competente para o feito, foi relaxado, tendo o juiz considerado que não houve o constrangimento configurador do crime, mas sim uma contravenção, hipótese em que as consequências penais são mais brandas. ''Prato cheio'' para os sensacionalistas e para a mídia de mercado.

Apoiados no termo ''constrangimento'', que tem diferentes significados no português cotidiano e na linguagem técnica jurídica, deram início à uma enxurrada de discursos de ódio contra o juiz, contra o homem protagonista do ocorrido e contra a lei penal.

Nesse artigo, não serão analisados a postura e o entendimento do magistrado, mesmo porque, na concepção deste trabalho, foram tecnicamente irretocáveis, mas sim a conduta da mídia e seu poder de manipulação e de formação de opiniões.

De acordo com o art. 220, ''caput'' da Constituição Federal, a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição. O §2° do dispositivo determinada que é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Com a democratização dos meios de comunicação, sobretudo da ''internet'', a informação se apresenta ao alcance da mão: basta ligar o ''smartphone'' e acessá-la.

O poder da mídia foi explorado até mesmo pelo Partido Nazista, quando a publicidade e a propaganda foram utilizadas como armas psíquicas para atrair adeptos, organizar, captar seguidores e filiá-los ao partido, propagando a ideologia nazista.

O acesso à informação nem sempre significa acesso à informação de qualidade. Ao leitor, é preciso prudência e senso crítico para filtrar àquilo que lhe é passado pelos meios de comunicação. Contudo, ao transmissor dessas informações é preciso muito mais. Deve haver zelo e apreço pela notícia e não pela manipulação. A ciência jurídica é muito complexa, repleta de detalhes e nuances e não deve ser banalizada.

A veiculação de reportagens com teor de ''suspeito depõe na delegacia e não fica preso'', ''deixar solto só gera impunidade'', apenas inflama discursos de ódio e não condizem com um Estado Democrático de Direito. Encarceramento não é Justiça.

Realmente, a imprensa existe para assegurar a transmissão de informações sobre a vida cotidiana, mas inegavelmente, amplia a centralização do poder e o disciplinamento do cidadão.

A possibilidade de ser vítima de um crime é um dos riscos da convivência em sociedade, diante das diferenças naturais entre as pessoas, do próprio sistema capitalista e o abismo social gerado por ele.

Por isso, tratar a ocorrência de um fato criminoso como se ele só tivesse acontecido porque ''não há punição'' é romancizar o crime.

É preciso, antes de tudo, reflexão. Um crime, qualquer que seja ele, ocorre por um conjunto de fatores sociais, biológicos, econômicos e até morais. Ingenuidade acreditar que a punição vai evitar novos crimes.

A punição deve ser tida como consequência e não como um fim em si mesma.

Por conseguinte, é fundamental que o jornalismo seja mais responsável, pare de expor tudo sem contexto, sem coerência, sem estudo jurídico. Não pode esquecer da sua capacidade de formar opiniões e gerar conhecimento.

De fato, os meios de comunicação em massa não produzem o delito, estando associados ao comportamento, qualquer que seja ele, delitivo ou não, produzindo e reproduzindo sistemas morais e culturais de sua época. Todavia, a imprensa é peça chave na construção do medo.

A notícia, em especial a jurídica, não pode ser tratada como ''conversa de botequim''. Deve ser pensada, ponderada e técnica e não apenas um meio de propagação do ódio e do punitivismo exacerbado.

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Fontes: AZEVEDO, Beatriz de Medeiros Azevedo. VIEIRA, Michele Cruz. A propaganda nazista - como fazer uma fábula se tornar verdadeira. Disponível em < clique aqui> Acesso em 29.09.17, às 10:24:45.
DE AGUIAR, Maria Léa Monteiro. Somos Todos Criminosos em Potencial. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense. 2007.

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*Amanda Helena de Almeida Pereira é especialista em Direito Penal, Processual Penal (EPD) e advogada.

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