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Catalunha - Princípios de Direito Internacionalpresentes na questão

Rita de Cássia Carvalho Lopes

Seria importante entendermos quais são os pilares de Direito Internacional que estão presentes na questão.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Atualizado em 20 de novembro de 2017 17:20

No último mês, assistimos a um plebiscito regional com o intuito de decidir sobre a independência da Catalunha e à reação do Tribunal Constitucional ao julgá-lo inconstitucional, o que eivou de vício todos os atos subsequentes, quais sejam a declaração unilateral de independência da Catalunha pelo Parlamento e a instalação de uma Assembleia Constituinte. Assistimos, ainda, à reação do governo central espanhol que decretou intervenção na região. No mesmo dia, Madri destituiu o governo catalão, suspendendo a autonomia da região e antecipando eleições. Sob o ponto de vista de Madri, a declaração unilateral da Catalunha, não teria sido legal.

A preocupação da Espanha não está apenas na deflagração deste conflito regional, mas na consciência de que no seu seio há outras regiões que, historicamente, buscam a separação: País Basco, Galiza e Navarra. Isto torna o interesse em defender a integridade territorial maior. Não se pode negar, também, que o mesmo movimento possa influenciar outras partes da Europa, cuja vocação separatista seja semelhante e os exemplos são Escócia, Córsega, Bretanha, Baviera, Flandres e Tirol.

Seria importante entendermos quais são os pilares de direito internacional que estão presentes na questão.

Há quem afirme que "o nascimento de um Estado é um fato histórico e não jurídico" (Hildebrando Accioly, Manual de Direito Internacional, Saraiva, 10ª edição, p. 23). Contudo, a doutrina dominante reconhece que a formação de um Estado deve respeitar regras constantes em tratados e em normas internas, ou seja, o tal nascimento estará envolto num contexto jurídico.

A forma pretendida para o surgimento do suposto Estado catalão seria a Separação ou Desmembramento, tenta-se, assim, a secessão ou a independência em relação ao Estado espanhol.

Como se sabe, Estado é um sujeito de direito e para a sua constituição são essenciais os seguintes elementos: povo, território, governo e soberania.

O território é o espaço sobre o qual se encontram os demais elementos do Estado. O direito que um Estado tem sobre o seu território exclui o direito de qualquer outro sobre o mesmo território.

Caso a Catalunha viesse a se separar da Espanha, seriam evidentes a perda de parte do território espanhol, do governo e soberania espanhóis sobre a região. É no princípio da territorialidade, entre outros, que a defesa do Estado espanhol se pauta para defender a união.

Por outro lado, a Catalunha alega uma identidade cultural e histórica que lhe conferiria o direito à autodeterminação. A autodeterminação, por sua vez, remete à ideia de povo que busca o autogoverno.

Portanto, estaria em pauta um conflito entre princípios de direito internacional: princípio da territorialidade versus princípio da autodeterminação dos povos.

O confronto entre esses princípios, no entanto, não é novidade para a comunidade internacional e nem para os órgãos que são chamados a se manifestar sobre os mesmos.

A Carta das Nações Unidas no seu artigo 2, parágrafo 3 prevê o princípio da integridade territorial e a mesma Carta, no artigo 1, parágrafo 2 e no artigo 55 estabelece o princípio à autodeterminação dos povos.

Por estarem no mesmo documento, ambos os princípios não gozariam de hierarquia entre si, devendo, por uma questão de hermenêutica, ser interpretados de maneira sistêmica.

Segundo entendimento majoritário, a aplicação do princípio da autodeterminação estaria limitada a alguns casos: para os territórios sem governo próprio (capítulo XI da Carta das Nações Unidas); para o sistema de tutela (capítulo XII da Carta); descolonização e proteção de direito das minorias, assim vejamos.

A fim de que não reste dúvida sobre o que a comunidade internacional entendeu até nossos dias, é importante relembrar a Resolução 1514 da Assembleia Geral da ONU de 1960 que afirma "Todos os povos têm direito à autodeterminação; em virtude desse direito, determinam livremente seu status político e perseguem livremente seu desenvolvimento econômico e cultural" (...) e ainda (...) "a todos os territórios que ainda não houvessem atingido sua independência seria permitida a total independência e liberdade."

Entretanto, o parágrafo 6º da referida Resolução afirma que "Qualquer tentativa que vise à ruptura parcial ou total da unidade nacional e da integridade territorial de um país é incompatível com os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas."

Já a resolução 2625 de 1970, também da Assembleia Geral declara que "em virtude do princípio dos direitos iguais e da autodeterminação dos povos (...) todos os povos têm o direito de determinar livremente, sem interferência externa, seu status político e de perseguir seu desenvolvimento econômico, social e cultural, e todo Estado tem o dever de respeitar esse direito de acordo com as provisões da Carta."

Diante da declaração acima, fica reconhecido o direito à secessão de maneira parcial, numa versão apenas anticolonialista. A interpretação que se faz da Resolução, de acordo com o momento histórico em que foi redigida, é a de que o direito à secessão está relacionado à independência de povos coloniais e a ocupações estrangeiras.

Cabe lembrar, também, que a questão da declaração unilateral de independência do Kosovo foi levada à análise na Corte Internacional de Justiça, na sua vertente consultiva, e foi decidido em 2010, que naquela declaração unilateral de independência não houve violação ao Direito Internacional. A questão humanitária em Kosovo e o tratamento discriminatório concedido aos albaneses foram os pontos que legitimaram a prerrogativa à secessão. É importante lembrar que não foram usados os mesmos critérios de minorias étnicas, na guerra do Cáucaso.

Por via inversa, não haveria, desta forma, pelos entendimentos acima, o direito à secessão a regiões inseridas num contexto democrático.

O direito internacional não nega o direito à independência em si e nem equipara independência à autogoverno.

No entanto, a autodeterminação deve estar contextualizada nas garantias de existência de um Estado, ou seja, de forma condicionada a normas jurídicas.

Em tese, a colisão entre princípios tem como solução a ponderação dos mesmos no caso concreto com indicação de critérios para se identificar qual princípio prevalecerá.

No atual momento histórico, é difícil imaginar que a comunidade internacional avançasse no conceito de autodeterminação, no caso catalão, em detrimento das garantias aos elementos da existência do Estado espanhol.

Quanto à repercussão deste fato, na comunidade internacional, até por questão de autopreservação, os outros Estados colocam-se contra o movimento separatista, por princípio, sempre temendo que uma onda dessa natureza atinja seu próprio território, principalmente, no caso de Estados que tenham minorias no interior de suas fronteiras.

Além disso, também no âmbito internacional, a União Europeia, que já sofreu um golpe com o Brexit, não pretende mostrar qualquer facilitador à separação e este foi, sem dúvida, um dos fatores que freou a declaração de independência da Catalunha, logo após o resultado do plebiscito. É certo que se a Catalunha formasse um novo Estado, este teria que solicitar o seu ingresso na União Europeia. Não haveria a permanência automática desse novo Estado, no bloco supranacional.

Outro fator, desmotivador da declaração de independência naquele momento, foi a dificuldade em se conseguir o reconhecimento internacional perante os outros Estados e perante os Organismos Internacionais, já que o ato poderia ser interpretado como em desacordo com o Direito Internacional.

Não nos parece que diante da polarização ideológica que o mundo atravessa e do ressurgimento do nacionalismo, fosse esse o momento adequado para que o Direito Internacional enfrentasse uma eventual modernização e atualização do princípio da autodeterminação dos povos para atender à pretensão catalã.

Acredito, por outro lado, que apesar do direito internacional amparar a posição espanhola, pelo atual estágio em que ele se encontra, é claro que este amparo não elimina o problema interno a ser enfrentado pela Espanha.

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*Rita de Cássia Carvalho Lopes é advogada, sócia de Carvalho Lopes Advogados, graduada em Direito e mestre em Ciências Jurídico-Internacionais.


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