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Embargos de declaração contra decisão denegatória no novo CPC

Sem qualquer fundamento minimamente sustentável, veio se moldando, sob a égide do Código de 1973, o entendimento dos Tribunais Superiores no sentido de que não caberia tal recurso contra a decisão denegatória.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Atualizado às 14:42

Dos mecanismos empregados pelo Poder Judiciário para combater o dito represamento de processos e recursos - cujo cenário consta do recente relatório Justiça em Números 2017, do CNJ - tratemos da famigerada ''jurisprudência defensiva''. Em breves palavras, consistiria na imposição de requisitos meramente técnicos ou formais a obstar o exame do mérito dos recursos direcionados ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. Menos um instrumento de celeridade ou solução de litígios, tem se mostrado, verdadeiramente, como mera ferramenta de liberação da pauta dos Ministros dos Tribunais Superiores (como se a estes não coubesse exatamente esse importante mister). Chegou-se ao absurdo de obstar a solução de causas sob escusa da mera deficiência no preenchimento de guia de recolhimento do preparo recursal.

O legislador de 2015, por meio do novo Código de Processo Civil, acertadamente clamou por uma mudança deste paradigma. Por exemplo, permitiu no artigo 1.007 do CPC a complementação do valor de preparo e deixou claro que o ''equívoco no preenchimento da guia de custas'' não implica a deserção do recurso. Na mesma toada, tem-se os artigos 76, §2º (permitindo regularização da irregularidade de representação ou incapacidade processual, na seara recursal), 218, §4º (considerando tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo), 932, §único (impondo ao relator a concessão de prazo para que seja sanado vício ou ausência de documento) e 1.025 (acarretando prequestionamento mesmo que os embargos de declaração sejam rejeitados). Sem olvidar de determinados aspectos formais inerentes ao processo judicial, caminhar-se-ia assim para a instrumentalidade, de forma que seria preconizada, dentro do possível, a efetiva prestação da tutela jurisdicional, efetivo escopo almejado pelo jurisdicionado.

Mais ainda: previu o novo Código expressamente que os ''participantes'' do processo devem se comportar de acordo com a boa-fé (artigo 5º) e que TODOS os sujeitos do processo devem ''cooperar entre si'' para a decisão de mérito justa e EFETIVA, em tempo razoável (artigo 6º). O princípio colaborativo, inclusive sob uma ótica constitucional do processo (artigo 1º), emana sob toda a marcha do processo e recursos. E, como é cediço, o juiz também é sujeito do processo, suscetível assim aos referidos princípios.

Chegamos, assim, ao cerne deste artigo, qual seja, o cabimento de embargos de declaração contra a decisão denegatória de recurso especial ou extraordinário.

Contextualizando: sem qualquer fundamento minimamente sustentável, veio se moldando, sob a égide do Código de 1973, o entendimento dos Tribunais Superiores no sentido de que não caberia tal recurso contra a decisão denegatória. Com isso, a tal ''inadequação'' acabaria até tirando a aptidão de interrupção do prazo para o agravo, ocasionando surpreendente intempestividade do ulterior recurso.

O pretexto de tais decisões (frequentes, frise-se) serviria a constranger o mais draconiano dos juristas. Entenderiam as Cortes que o então vigente artigo 544 do CPC já preveria ''meio impugnativo próprio'', e, pasmem, não seriam cabíveis embargos de declaração contra a decisão denegatória. Nesse sentido, destacamos - no STJ: AgRG no AREsp 529.906-RJ, relator ministro doutor João Otávio de Noronha, julgado de 2 de outubro de 2014; ED no ARESP 611.703-RJ, de 4 de agosto de 2015, e AgRg nos EDcl no AREsp 671.042-RJ de 27 de setembro de 2016, ambos os últimos de relatoria do ministro doutor Ricardo Villas Bôas Cueva; e no STF: ED no AI 767.958-RJ, relator ministro doutor Gilmar Mendes, julgado de 12 de fevereiro de 2010; ED no ARE 691.080-RS, relatora ministra doutora Cármen Lúcia, de 28 de agosto de 2012; e AgR no ARE 741.882-ES, relator ministro doutor Celso de Mello, de 28 de maio de 2013. O exercício de tautologia aqui se confirma na medida em que as decisões remetem umas às outras, como se a ausência de lógica fosse mitigada pela sua reiteração. Pelo contrário, os entendimentos em questão afrontam grosseiramente a interpretação extensiva e instrumental que vinha se dando à redação do artigo 535 do antigo Codex, permitindo a insurgência contra omissão, obscuridade, contradição ou erro material de qualquer decisão judicial (não só sentenças e acórdãos, como consta literalmente).

Ora, não haveria razão (como continua não havendo), para nesse tocante distinguir entre pronunciamentos judiciais, como se alguns fossem insuscetíveis de vícios e portanto ''blindados'' contra embargos de declaração. Não à toa, o novo Código estabeleceu que cabem embargos contra qualquer decisão judicial (artigos 1.022 e 1.024, §§s). Mais ainda, deixou claro que a decisão será considerada omissa se incorrer em qualquer das condutas do artigo 489, §1º, que incluem por exemplo ''invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão'' (inciso III).

Com efeito, nas frequentes decisões negativas de ''condições de admissibilidade'' do Tribunal de Justiça de São Paulo (e.g.), hodiernamente nos deparamos com conclusões no sentido de que ''as questões trazidas à baila foram todas apreciadas pelo v. acórdão atacado, naquilo que à Turma Julgadora pareceu pertinente à apreciação do recurso, com análise e avaliação dos elementos de convicção carreados para os autos'' ou ainda ''as exigências legais na solução das questões de fato e de direito da lide foram atendidas pelo acórdão ao declinar as premissas nas quais assentada a decisão''. A redação serve para todos os casos, e, ao mesmo tempo, para nenhum. Há aí clara afronta ao ditame da Súmula 123 do STJ, prevendo que as decisões de admissão ou não dos recursos especiais deverão ser fundamentadas. Na nova sistemática, não faz sentido manter decisões que ''se prestariam a justificar qualquer outra decisão''.

Não há diferença estrutural entre a formatação do agravo do antigo artigo 544 e do atual artigo 1.042, ressalvado em especial o descabimento, no sistema vigente, no caso de aplicação de entendimento firmado em repercussão geral ou recursos repetitivos (o que afunila ainda a mais a possibilidade de revisão em instância superior). Ausente assim razão positiva para a vedação aos embargos, permaneceria assim a celeuma: correria ainda a parte o risco de perder o prazo do agravo e o direito à apreciação de seu recurso especial caso antes oponha embargos de declaração contra a decisão denegatória, mesmo estando o tal pronunciamento judicial eivado de vícios? O novo CPC parece indicar outro caminho.

À luz dos princípios colaborativo (que se impõe também aos magistrados) e da boa-fé, bem como imposição de requisitos às decisões judiciais - que não podem ser genéricas e vagas e servir a justificar qualquer outra decisão (artigo 489, §1º), os embargos de declaração devem ser tidos como recursos adequados ao esclarecimento de pronunciamentos judiciais eivados de vícios, inclusive decisões denegatórias. Não há restrição alguma ao cabimento deste recurso (pelo contrário), tampouco a estranha ''blindagem'' absoluta à decisão denegatória, como se fosse ''imune'' ao §1º do artigo 489 e artigo 1.022. E nada justifica surpreender a parte com um entendimento restritivo, não pautado em norma e que afronta a instrumentalidade, se se tratava de decisão embargável e era esperável a interrupção do prazo para o agravo (este, só possível após a decisão ''esclarecedora'' do Tribunal). Em respeito aos jurisdicionados, cabe ao magistrado se pronunciar de forma adequada e específica, e não pro forma, sob pena de tolher o direito a uma decisão fundamentada (artigo 93, IX, CF/88) e específica. É imperativa a colaboração dos julgadores nesse sentido.

Em tempo: há alguns julgados que indicam certa flexibilização, mesmo antes da lei 13.105/15, apenas se a decisão for tão genérica que impede a própria interposição do agravo (EDcl no AResp 512.984-SC, Relator Ministro Doutor Raul Araújo, julgado de 19 de agosto de 2014 e EAREsp 275615-SP, Relator Ministro Doutor Ari Pargendler, de 13 de março de 2014). Já se entendeu também que não é possível frustrar a ''justa expectativa'' da parte com relação à interrupção do prazo para agravo (AgRg no AREsp 37144-RS, Relatoria Ministro Doutor Teori Albino Zavascki, de 17 de maio de 2012). Se nestes casos os embargos são cabíveis, deve se considerar que consistem, efetivamente e a rigor, no instrumento adequado, independentemente do grau do vício do pronunciamento judicial embargado.

Ademais, o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça prevê em seu artigo 263 que os embargos são cabíveis contra qualquer ''decisão judicial''. Nada trata especificamente acerca do cabimento ou não dos embargos contra a decisão denegatória do tribunal recorrido, assim como o Regimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, para citar um exemplo.

Por fim, concluindo e chancelando o ora exposto, na I Jornal de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal, de agosto de 2017, foi elaborado o Enunciado 75, no sentido de que ''cabem embargos declaratórios contra decisão que não admite recurso especial ou extraordinário, no tribunal de origem, ou no tribunal superior, com a consequente interrupção do prazo recursal''.

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*Eduardo Chulam é mestre em Direito e MBA e sócio do escritório Chulam Colucci Advogados.

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