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A questão das quotas nas universidades e sua ineficácia para um verdadeiro acesso ao ensino superior

Francisco das Chagas Lima Filho

Encontra-se em discussão perante a sociedade brasileira em geral e no Congresso Nacional em particular, a questão da garantia de quotas nas universidades, nomeadamente nas universidades públicas, como um mecanismo de facilitação do acesso ao ensino superior de certos segmentos sociais menos favorecidos ou que historicamente têm sido discriminados, como os negros, os afro-descendentes e os indígenas.

segunda-feira, 17 de julho de 2006

Atualizado em 14 de julho de 2006 14:27

 

A questão das quotas nas universidades e sua ineficácia para um verdadeiro acesso ao ensino superior

 

Francisco das Chagas Lima Filho*

 

Encontra-se em discussão perante a sociedade brasileira em geral e no Congresso Nacional em particular, a questão da garantia de quotas nas universidades, nomeadamente nas universidades públicas, como um mecanismo de facilitação do acesso ao ensino superior de certos segmentos sociais menos favorecidos ou que historicamente têm sido discriminados, como os negros, os afro-descendentes e os indígenas.

 

Sustentam os defensores das quotas que tal medida, tida como ação afirmativa constituiria um válido instrumento de inserção das pessoas negras, afro-descendentes e indígenas no ensino superior, sob o argumento de que tal garantia elas não terão condições para o acesso à universidade.

 

 

Não me parece acertada essa visão, em que pese a boa intenção dos idealizadores da idéia.

 

Com efeito, não resta dúvida que a sociedade brasileira tem uma dívida histórica com esses segmentos sociais, na medida em que desde a chegada dos colonizadores foram privados dos mais comezinhos direitos. Mais de trezentos anos de escravidão dos negros e a tentativa inicial de escravizar os indígenas, aliada a uma política integracionista se não destruição dos últimos que, inobstante os ares democráticos advindos com a Constituição de 1988 ainda não cessou, são prova robusta dessa imensa dívida social que a sociedade brasileira tem para essas pessoas.

 

Entretanto, não parece acertada a tese de que elas não terão como acender a universidade se não lhes forem garantidas quotas, pois essa visão na verdade esconde no seu âmago um certo preconceito contra esses segmentos, na medida em que não se pode medir a capacidade de ninguém em razão de origem, de cor ou de etnia, evidentemente.

 

Não há dúvida de que os negros, os indígenas e os afro-descendentes são tão capazes e aptos como as demais pessoas para acessar ao ensino superior, bastando que se lhes proporcione condições materiais para isso. Por conseguinte, a ser vitoriosa a tese da política de quotas como único mecanismo de acesso dessas pessoas à universidade, poderá se institucionalizar o preceito e não resolver o problema do acesso ao ensino superior.

 

Na medida em que se dissemina a idéia - errada - de que referidas segmentos sociais para poderem ingressar na universidade necessitam de quotas, estar-se afirmando, ainda que forma velada, a sua incapacidade para concorrem com outras pessoas de outros seguimentos às vagas nas universidades, o que a toda evidência constitui insuportável discriminação.

 

Para que essas pessoas, de resto como todas aquelas que integram as camadas menos favorecidas da sociedade, independentemente de sua origem, etnia ou cor da pele possam ter acesso ao ensino superior não é suficiente a instituição de quotas, mas investimentos maciços na educação de primeiro e segundo graus de forma a prepará-las para o ingresso na universidade em igualdade de condições com aqueles que dispõem de recursos para estudarem em escolas privadas.

 

De nada valerá a reserva de quotas nas universidades para esses segmentos historicamente excluídos, se não se criar condições concretas para que as pessoas que eventualmente venham a ingressar na universidade através desse sistema possam custear as muitas despesas que um curso de nível superior requer.

 

Tem-se conhecimento de que muitos, se não a grande maioria daqueles que foram ou estão sendo beneficiados com esse sistema de ingresso na universidade abandonam o curso logo no início por não terem condições de comprar livros, pagar passagens para se locomoverem, alimentarem-se, etc., pois quase sempre são pessoas desprovidas de condições financeiras suficientes para o custeio desse tipo despesa. E hoje, mais do que ontem, muitas estão mesmo sem emprego ou nenhum tipo de trabalho.

 

Ora, de que adianta se garantir o ingresso na universidade se não se proporcionam as condições indispensáveis para o prosseguimento dos estudos daquele que ingressou em algum curso? Parece óbvio que uma política desse tipo não vai conseguir atingir o objetivo que se pretendeu com ela alcançar.

 

Ademais, o ingresso na universidade pela mera condição de integrar certo segmento social em razão de fatores como a cor da pele, a origem, a etnia, etc. termina por discriminar aquelas outras pessoas que, apesar de igualmente capazes, não são integrantes desses grupos, o que fere de forma absoluta e injustificável o princípio da igualdade material.

 

É preciso, para se pagar a dívida histórica que toda a sociedade brasileira tem para com os negros, com os afro-descendentes, com os indígenas e com outros segmentos sociais vulneráveis e discriminados por um processo de exploração e exclusão de séculos, a implementação de uma política de investimento e desenvolvimento que seja capaz de gerar trabalho e renda para todos e para que todos, independentemente de origem, cor, etnia, sexo e outros fatores possam ter trabalho decente que lhes permita renda suficiente para manter uma vida digna.

 

Cabe, pois, ao governo proporcionar a todos escola pública de primeiro e segundo graus de qualidade de modo a permitir que aqueles que nelas estudam possam concorrer em igualdade de condições com os que estudam em escolas particulares, às universidades públicas que deverão ter suas vagas aumentadas e receber verbas suficientes para poderem ministrar ensino de qualidade a todos.

 

Todavia, o que vemos hoje é exatamente o contrário, pois o governo ao invés de aumentar a oferta de vagas nas instituições de ensino públicas, transferir generosas quantias para certos movimentos ditos "sociais" como o MLST quando esses recursos poderiam ser aplicados na recuperação das escolas e das universidades públicas que estão praticamente falidas, bem como na preparação e aperfeiçoamento profissional dos professores para que possam receber um salário condigno com a importância do seu mister e preparar os estudantes das escolas públicas para ingressarem e se manterem na universidade em igualdade de condições com aqueles originários das escolas privadas.

 

Enquanto isso não acontecer, enquanto o governo insistir na política assistencialista eleitoreira em andamento, certamente não teremos a libertação dos negros, dos indígenas, dos afrodescentes, enfim, dos desprovidos de condições materiais independentemente de origem, cor, sexo, etnia, orientação sexual e outros fatores que costumam ser motivo de discriminação e exclusão.

 

É preciso romper urgentemente com o passado de exclusão dessas pessoas, mas certamente não são quotas que os reduzem as incapazes que irão consegui esse objetivo.

 

Ao contrário, as quotas poderão apenas institucionalizar a discriminação a que elas vêm sendo submetidas desde o primeiro momento em que o colonizador (ou conquistador?) europeu pôs os pés em solo brasileiro.

 

Necessitamos, pois, de uma nova Lei Áurea que liberte da escravidão, da pobreza, da miséria, enfim, da exclusão todos aqueles a ela estejam submetidos independentemente de cor, raça, origem, etnia, sexo, etc.

 

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*Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Dourados/MS e professor na UNIGRAN - Universidade da Grande Dourados.

 

 



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