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[Ausência de] lei de licenciamento ambiental

Errar por fazer de maneira equivocada é ruim; errar por não fazer é quase indesculpável.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Atualizado em 26 de fevereiro de 2018 16:02

As questões ambientais dizem respeito à qualidade de vida, e à própria sobrevida. Devem ser tratadas com seriedade e rigor. As condições ambientais chegaram a níveis alarmantes nas últimas décadas. Fauna, flora, rios, mares, ar etc.; todos os recursos naturais sofreram impactos negativos. Há como recuperar o passivo ambiental criado? Não, seguramente. Mas é possível minimizar os seus efeitos danosos buscando melhorias na qualidade ambiental.

Não há, porém, como frear a necessidade de desenvolvimento do país. Quando olhamos para o Brasil, vemos ainda um longo caminho a ser percorrido para atender os anseios mais básicos da população, tanto nas grandes cidades como no campo e nas localidades menores. Falta muita coisa: saneamento básico, infraestrutura logística, moradia, telecomunicações, acesso à tecnologia, entre tantos outros itens. Realizar tudo isto traz impactos ambientais, naturalmente, sendo imprescindível tratar cada questão prática com equilíbrio e consciência do que é desenvolvimento sustentável. Mas pergunto: é possível abrir mão dessas necessidades ainda tão distantes [e até desconhecidas] de boa parte da população, por causa dos impactos ambientais negativos? Naturalmente que não. Exatamente por este motivo o Brasil faz parte da "Agenda Marrom" para fins ambientais, definida pela Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável em setembro de 2003, em Joanesburgo, África do Sul. Na "Agenda Marrom" estão incluídos aqueles países que ainda buscam uma qualidade de vida mínima para sua população em geral, e por esta razão têm muito a fazer no desenvolvimento estrutural. "Agenda Marrom" remete ao fato de que, por ora, um país ainda não pode equilibrar a balança ambiental nos parâmetros desejáveis; a população precisa ser melhor assistida, e algum descompasso ambiental, desde que justificado e razoável poderá ser suportado. Este conceito já não se aplica aos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá, Japão e Europa Ocidental. Para estes é aplicada a "Agenda Verde", que garante a premência na preservação das florestas e biodiversidade.

Dentro desse viés, seria de se esperar que as autoridades dessem um curso mais rápido ao licenciamento ambiental nos projetos de infraestrutura, saneamento e energia. Sempre sem abrir mão da razoabilidade dos impactos ambientais, claro; mas que permitisse o andamento dos projetos em tempo menor. O que vemos, entretanto, é exatamente o contrário disto. Seja por despreparo de algumas autoridades e técnicos das pastas, por fins políticos e escusos ou pela peculiar burocracia letárgica da administração pública, é comum nos depararmos com projetos que, ao darem entrada nos licenciamentos ambientais, ficam travados, paralisados por anos, sem expectativa de solução. A situação é caótica e afugenta investimentos e empreendedorismo. Quem está disposto a investir num grande projeto sem saber se a autoridade ambiental vai liberar a sua conclusão? Poucos se arriscam.

Veja-se o caso do trágico acidente envolvendo duas ambulâncias, um ônibus e uma carreta ocorrido dia 22 de junho deste ano na BR 101 em Guarapari, Espírito Santo, que ceifou mais de 20 pessoas. Essa rodovia já deveria ter sido duplicada há tempos, o que diminuiria o risco deste e de outros acidentes graves. Mas a concessionária que administra a rodovia alega que não consegue as licenças ambientais necessárias à obra. A se apurar.

Uma das razões para os entraves é a ausência de uma lei específica de licenciamento ambiental. Sim, saibam que o Brasil não possui uma lei que discipline o licenciamento ambiental, o que deixa os projetos sujeitos à discricionariedade [análises subjetivas] dos agentes públicos. Em 2011 houve um ligeiro alento com a LC 140, que fixa a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora. Os dispositivos da LC 140, contudo, são totalmente insuficientes. É preciso uma lei que, de maneira objetiva, trate dos diversos tipos de licenciamentos ambientais, estabelecendo requisitos, métodos e prazos. Está em trâmite na Câmara dos Deputados [desde 2004!] o PL 3.729, que disciplina o processo de licenciamento ambiental e sua aplicação pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). O projeto precisa ser urgentemente desengavetado, discutido entre os parlamentares e levado à votação.

Errar por fazer de maneira equivocada é ruim; errar por não fazer é quase indesculpável. O Congresso Nacional precisa fazer a sua parte para com a sociedade brasileira e caminhar com o PL de Licenciamento Ambiental.

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*Sérgio Carlos de Souza é sócio fundador de Carlos de Souza Advogados. Especialista e advogado militante em Direito Empresarial, Ambiental e Reestruturação de Empresas.

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