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Judiciário anula hipoteca de imóvel comprado na planta

Interesse dos compradores têm sido maior com o aumento dos pedidos de recuperação judicial e falência das construtoras.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Atualizado em 27 de fevereiro de 2018 15:34

Diferente do ano de 2010, que foi marcado pelo recorde de transações imobiliárias, o início do ano de 2018 traz consigo considerável preocupação dos proprietários de imóveis adquiridos na planta.

Reflexo da dificuldade econômica do país que ainda persiste, muitas foram as ações judiciais nos últimos anos envolvendo a discussão de contratos de promessa de compra e venda de imóvel adquirido na planta.

A expressiva quantidade de ações judiciais sobre o tema deu ensejo à criação de súmulas específicas com o objetivo de uniformizar entendimentos sobre o assunto. A título de exemplo, o STJ editou a súmula 543, cujo teor determina a devolução atualizada e em parcela única do valor pago pelo consumidor em caso de resolução contratual por culpa da construtora.

Além do STJ, tribunais estaduais também elaboraram súmulas sobre o tema. O TJ/SP firmou o entendimento de que o atraso na entrega da obra gera o direito ao recebimento de indenização, independentemente, da finalidade do imóvel (súmula 162 do TJ/SP). Também decidiu que mesmo a parte inadimplente tem direito à rescisão do contrato e devolução de valores eventualmente pagos (súmula 1 do TJ/SP).

Mas não foram só compradores que sofreram os impactos da crise econômica do país. Em 2017, as empresas do setor imobiliário lideraram os pedidos de recuperação judicial, segundo dados com abrangência nacional da Boa Vista SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito) e Serasa Experian.

A dificuldade econômica enfrentada pelas empresas do ramo imobiliário fez surgir um novo tipo de ação judicial. Agora, quem busca o Poder Judiciário não é mais aquele comprador que não conseguiu honrar o pagamento do contrato, mas sim o proprietário que está com o imóvel quitado, porém com hipoteca instituída pela construtora em prol do banco que financiou a obra.

É incontroverso que a quitação do imóvel permite a outorga da propriedade, no entanto, os proprietários que buscam a regularização da propriedade podem receber a matrícula do imóvel com averbação do referido gravame hipotecário.

Diante da existência da hipoteca instituída pela construtora com o agente financeiro, para a garantia do financiamento do imóvel, os proprietários têm acionado o Judiciário para cancelamento desta hipoteca, já que essa garantia não pode alcançar o comprador com o imóvel quitado, independentemente de a hipoteca ter sido firmada antes ou após a celebração do contrato de promessa de compra e venda.

Mesmo com esse entendimento pacificado pelo STJ por meio da súmula 308, que estabelece que "a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel", há ainda resistência ao cancelamento da hipoteca tanto pela construtora e quanto pelo agente financeiro.

E, em decorrência dessa resistência, surge ao proprietário o direito de requerer judicialmente o título de propriedade livre de qualquer gravame.

E neste ponto, o Judiciário, especialmente o TJ/SP, tem atuado de maneira exemplar, conferindo efetividade ao Código de Processo Civil e concretizando a vinculação aos precedentes judiciais obrigatórios (art. 927, do CPC), ao aplicar multa de litigância de má-fé à instituição financeira que interpõe recurso contra texto de súmula, confira:

"Por fim, a conduta do banco apelante caracteriza litigância de má-fé, nos termos do art. 80, I do CPC/15, pois como bem acentua o des. Carlos Alberto de Salles em comentário ao citado dispositivo processual, "A caracterização de má-fé neste caso fica mais fácil se houver consolidação da jurisprudência em súmula em julgamento de recurso repetitivo" (Comentários ao Código de Processo Civil, coord. Cassio Scarpinella Bueno, Ed. Saraiva, 2017, vol. 1, p. 436). Este é o caso dos autos, pois a irresignação do réu contraria a citada súmula 308 do STJ, razão pela qual fica o banco condenado ao pagamento de multa de 5% (cinco por cento) do valor da causa atualizado (art. 81 caput do CPC/15), devida à parte contrária". (TJ/SP. Apelação 1046404-98.2014.8.26.0100, 3ª Câmara de Direito Privado, des. Alexandre Marcondes, j. 31.8.17).

No mesmo sentido do posicionamento adotado pelos desembargadores do TJ/SP, os magistrados de primeiro grau, a fim de dar efetividade aos princípios processuais e demais institutos previstos no Código de Processo Civil, têm, em sede de tutela provisória, deferido o imediato cancelamento da hipoteca, sob pena de aplicação de multa diária:

Diante do exposto, presentes os requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil, defiro o pedido de tutela de urgência, para o fim de determinar à ré ESSER que, no prazo de 30 (trinta) dias, outorgue ao autor as escrituras definitivas das unidades nºs 208, 210 e 1015 do empreendimento SP New Home, localizado na Rua dos Timbiras, 395, Santa Efigênia, São Paulo/SP, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00 por cada unidade. Ainda, defiro o pedido de tutela de urgência para declarar a ineficácia, em face do autor, da garantia hipotecária concedida em favor do BANCO SAFRA S.A. (Decisão proferida no processo 1039635-69.2017.8.26.0100, em trâmite perante a 36 Vara Cível Central da Comarca de São Paulo)

"TUTELA DE URGÊNCIA Ação de adjudicação compulsória Decisão que deferiu, liminarmente, tutela provisória, para declarar a ineficácia da garantia hipotecária instituída pela construtora corré em favor do banco financiador também demandado - Existência de gravame hipotecário sobre as unidades feita pela vendedora em favor do banco corréu não é oponível ao autor comprador súmula 308 do STJ Decisão interlocutória mantida Recurso não provido" (TJ/SP. Agravo de instrumento 2114257-14.2017.8.26.0000, 1 Câmara de Direito Privado, des. rel. Rui Cascaldi, j. 31.10.17)

Com o aumento de pedido de recuperação judicial e falência das empresas do setor imobiliário, a ação de cancelamento de hipoteca torna-se atraente ao comprador, razão pela qual, nos próximos anos, o Judiciário muito discutirá sobre o tema e deverá atuar para coibir práticas ilegais que prejudicam os compradores e depõem contra a boa-fé nas relações contratuais imobiliárias.

O assunto requer posicionamento firme do Poder Judiciário, que deverá continuar a observar os precedentes constantes no art. 927 do CPC. O respeito às súmulas e demais precedentes judiciais não soluciona apenas os casos de cancelamento de hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, proporciona também a erradicação da insegurança jurídica e da morosidade na prestação jurisdicional, aspiração que há muito está presente no nosso sistema.

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*Ricardo Victalino de Oliveira é sócio do escritório QGVO Jurídico Estratégico.

*Ana Carolina Victalino de Oliveira é sócia do escritório QGVO Jurídico Estratégico.

*Cristiane Queli da Silva Gallo é sócia do escritório QGVO Jurídico Estratégico.

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